Hugo Prata nasceu em abril de 1965, junto à consagração de Elis Regina com Arrastão no Festival da TV Excelsior. Apaixonado por música, cumpriu uma destacada carreira na produção de videoclipes – integrou a equipe que implantou a MTV no Brasil e assinou trabalhos para alguns dos principais artistas nacionais – e faz agora, aos 51 anos, sua estreia no cinema assinando, justamente, a cinebiografia Elis.
– É um privilégio que elevou a barra para mim a um nível muito alto. Queria fazer um filme à altura da Elis como artista e como mulher – disse Prata ao apresentar o filme em Porto Alegre, no começo deste mês.
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A boa recepção de público e crítica ao longa, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, encerrou cinco anos de imersão de Prata na vida de Elis Regina. Enquadrá-las em 110 minutos foi o primeiro desafio do roteiro que o diretor escreveu com Luis Bolognesi e Vera Egito.
– Estabelecer o recorte cronológico foi a decisão mais difícil. Havia vários recortes possíveis da vida da Elis, todos eles muito bons. Quando comecei o projeto, havia só um livro sobre a Elis. Hoje, há três e mais o musical. Achei que valia ser mais abrangente e mostrar um espectro maior da vida dela. Grandes episódios e personagens ficaram de fora porque não se enquadravam no arco dramático que pensamos. Esse não é "Elis, o filme", mas "Elis, um filme". Precisamos fazer outros. A vida dela é muito rica. Com as músicas, foi parecido. Usamos algumas não tão conhecidas, mas que foram escolhidas por levar a história para a frente.
Dois momentos simbólicos da vida da cantora que, segundo Prata, chegaram a ser roteirizados, mas foram sacrificados: a juventude em Porto Alegre e os bastidores da gravação do antológico disco com Tom Jobim, de 1974.
– Tinha a infância, o começo no Clube do Guri, o conflito com o pai quando Elis começou a sustentar a casa. Um conflito bom, até pegamos leve com isso. A gravação de Elis & Tom ficou no filme por muito tempo, mas, nesse período, optamos pelo confronto de Elis com a ditadura, as vaias no festival Phono 73, que tinham maior carga dramática. Se fôssemos mostrar Águas de março, o filme iria para a estratosfera, e a gente queria manter o peso.
A escolha do elenco também foi fundamental no projeto, destaca Prata:
– Concordamos desde o início que jamais seria um karaokê. A gente sabia que não podia falhar. A Andréia (Horta, intérprete de Elis Regina) pediu uma preparação especial e nos deu essa dedicação que se vê na tela, com detalhes até na respiração. Todos o músicos são profissionais e tocam de verdade as partituras. Na gravação do O pato, com Lennie Dale, substituímos quem não conseguia acompanhar aquele andamento sofisticado, quebrado, característico da época. E quando entra o Cesar Camargo Mariano então... O Caco Ciocler (intérprete de Mariano) aprendeu a tocar piano. O Gustavo Machado deu conta de um personagem complexo como o Ronaldo Bôscoli, tipo elegante, culto, que fala francês e é um machista calhorda ao mesmo tempo. Dei tiros certeiros.
Prata afirma que, embora não seja foco de atenção específica da narrativa de Elis, a questão política se fez presente:
– Uma das minhas motivações para fazer o filme foi apresentar Elis e o período histórico em que ela viveu para um público na faixa dos 20 anos, como meus dois filhos. Percebo nessa geração um "gap" em relação à memória do Brasil. Parece que o período da democracia, sem os conflitos que a minha geração e a de meus pais viveram na ditadura, gerou um desinteresse pela história do país. Contar a vida de Elis é trazer um pouco dessa história. A Elis teve toda a sua produção submetida à censura, não conheceu a arte livre. Isso é impensável para os jovens de hoje. Isso não é a proposta central do filme, mas chama a atenção para esse momento político que vivemos hoje.
Os músicos João Marcelo Bôscoli e Pedro Camargo Mariano e a cantora Maria Rita, filhos de Elis Regina, deram total apoio ao projeto, enfatiza Prata:
– Esse dias, li que a família do (piloto) Ayrton Senna quer ter controle sobre uma futura cinebiografia dele. Isso é o oposto do que aconteceu com a gente. Os três filhos de Elis nos deram total liberdade, não quiseram ler o roteiro e nem assistir às filmagens ou à montagem, apesar dos convites que fizemos. São artistas e nos entregaram a mãe deles dizendo: "Façam o que quiserem". Foi um ato de grandeza.