Prevista para fechar apenas no dia 8 de outubro, a mostra Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira tinha expostas 264 obras, de 85 autores, entre elas, títulos de grande importância histórica nas artes visuais nacionais. Entre suportes como pintura, gravura, fotografia, serigrafia, desenho, colagem, cerâmica, escultura e vídeo emprestados por coleções públicas e privadas brasileiras, dezenas de obras foram tiradas de circulação precocemente. Conheça alguns dos artistas mais relevantes que estavam expostos em Queermuseu, suas obras, seu contexto e seu histórico.
1. Adriana Varejão
Destaque no cenário da arte contemporânea nacional, a carioca Adriana Varejão (1964) trabalha principalmente com pinturas, mas tem em sua produção também obras em escultura. Seus trabalhos já foram expostas em espaços como a Bienal de São Paulo e museus como o Tate Modern, em Londres, e o MoMa, em Nova York. A obra de Varejão exposta no Santander Cultural era Cena de Interior II, uma tela de 1994 que mostra cenas de sexo entre duas figuras femininas japonesas, uma figura japonesa e um negro, dois homens brancos e um negro e duas figuras masculinas brancas indistintas com uma cabra – esta última imagem, recortada da obra completa e compartilhada sozinha nas redes, foi a que causou polêmica. A tela faz parte do acervo particular de Paulo Roberto Santi, localizado no Rio de Janeiro. Adriana Varejão ressalta que "busca jogar luz sobre coisas que muitas vezes existem escondidas" e que Cenas do Interior II é "uma obra adulta feita para adultos".
2. Alfredo Volpi
Nascido na Itália, Volpi (1896-1988) radicou-se em São Paulo desde o início da vida e tornou-se conhecido ao vencer o prêmio de melhor pintor brasileiro, na 2ª Bienal de São Paulo, em 1953 (exposição que ficou marcada por receber a famosíssima Guernica, de Pablo Picasso). Famoso por suas bandeirinhas coloridas, Volpi tem um trabalho extenso que vai de figuras coloridas e abstratas a paisagens e figuras humanas. Uma das figuras é São Sebastião, personagem da tela de mesmo nome, sem data de autoria, exposta no Queermuseu. De coleção particular, o grafite sobre papel mostra um desenho "levemente esboçado (...) (em que há) a iminência de um desaparecimento da imagem".
*São Sebastião, s.d.
Grafite sobre papel, 42 x 29cm
Leia mais:
"Queermuseu": suspensa em Porto Alegre, mostra pode reabrir em Belo Horizonte
"Queermuseu": protesto contra o fechamento da mostra tem dois detidos e conflito entre manifestantes
"Queermuseu": "Não houve pedofilia", avalia promotor de Infância e Juventude de Porto Alegre
"Queermuseu": acusações de apologia e profanação não se aplicam à exposição fechada, dizem juristas
3. Bia Leite
Uma das jovens artistas expostas na mostra, Bia Leite (1990) nasceu no Ceará, vive em Brasília desde 2010 e se graduou em artes plásticas pela Universidade de Brasília (UnB). Nas telas expostas, a artista se inspira em publicações do site Criança Viada – em que pessoas enviavam "fotografias antigas enquanto crianças que tinham traços/trejeitos não heteronormativos; com a intenção de celebrar esses traços, que durante toda a infância foram motivo de xingamentos e violência", segundo a autora. De acordo com o jornal brasilense Metrópoles, a coleção Criança Viada foi apresentada em diversas exposições de Brasília e chegou a ganhar o prêmio de 2º lugar na categoria "Edital LGTB: Gênero e Identidade", pela galeria paulista Transarte.
4. Cândido Portinari
Um dos mais importantes artistas plásticos brasileiros, considerado por muitos o pintor nacional de maior projeção internacional, Portinari (1903-1962) estava exposto com seu Retrato de Rodolfo Jozetti, pintado em 1928. A obra, que faz parte do acervo da Pinacoteca Rubem Berta, administrada pela Prefeitura de Porto Alegre, mostra um membro da Ação Integralista Brasileira (AIB), grupo de extrema-direita inspirado no fascismo italiano, "não de maneira condizente com a representatividade política do retratado, mas evidenciando uma compleição 'efeminada'", diz o catálogo da Queermuseu, que a considera uma "pintura extremamente significativa para a época".
Retrato de Rodolfo Jozetti, 1928
Óleo sobre tela, 200 x 90cm
5. Cibelle Cavalli Bastos
Artista performática multimídia, cantora e compositora, Cibelle (1978) tem quatro álbuns lançados, além de obras plásticas em diversas plataformas. Recentemente, esteve em Porto Alegre para show e debate sobre temas como misoginia, desconstrução de gênero, violência e banalização dos corpos feminino e trans. Em Queermuseu, a paulista expunha sua Is a Feeling, quadro que faz parte de sua coleção particular e utiliza materiais diversos para mostrar uma criança comendo com palitos de bambu e segurando uma tigela em que se lê "love".
6. Leonilson
Pintor, desenhista e escultor, o cearense Leonilson (1957-1993) ganhou relevância graças a sua produção autobiográfica e centrada na última década de sua vida, quando suas obras são analisadas por críticos como páginas de um diário da vida do artista. Nos últimos dois anos de vida, Leonilson descobriu que era portador do vírus HIV e o fato passa a ser determinante em sua produção. Duas obras suas estavam expostas no Santander Cultural: Leo Não Consegue Mudar o Mundo, um bordado de 1991 (ano em que Leonilson descobre ser portador do HIV), e Agora e as Oportunidades, pintura do mesmo ano.
*Agora e as Oportunidades, 1991
Tinta acrílica, tinta metálica e lápis de cor sobre lona, 155 x 88 cm
7. Lygia Clark
Com uma carreira extensa e muito ativa, a artista foi integrante dos grupos Frente e Neoconcreto, expôs no Ministério da Educação e Cultura, duas vezes na Bienal de Veneza, recebeu o Prêmio Internacional Guggenheim. Lygia (1920-1988) foi, por duas vezes, a detentora do posto de autora da obra mas valiosa de um brasileiro vendida num leilão: primeiro, em maio de 2013, com a obra Contra Relevo, arrematada por US$ 2,2 milhões (R$ 4,5 milhões) em Nova York; e, depois, em agosto do mesmo ano, com Superfície Modulada nº 4, arrematada num leilão na Bolsa de Arte de São Paulo por R$ 5,3 milhões. Lygia associava arte e terapia e trabalhava com as possibilidades terapêuticas da arte sensorial – intitulava-se "não-artista". Entre as suas cinco obras exposta no Santander Cultural estava a Baba Antropofágica, vídeo de 1973 em que pessoas puxam linhas de carretéis colocados na própria boca para depois depositá-los sobre outra pessoa – expressão que "pode ser vista como a reconstrução do corpo através da saliva", segundo o curador.
*Baba Antropofágica, 1973 [2012]
Vídeo
Duração: 8'49", cor e som, em looping
Direção: Walmor Pamplona
Produção: Clark Art Center
*Cabeça Coletiva, 1975
Materiais diversos, 800x100x100ck
*O Eu e o Tu – série-roupa-corpo-roupa, 1967-2015
Proposição, 170x68x8cm
8. Pedro Américo
Talvez o artista de maior presença no imaginário popular exposto na mostra, Pedro Américo (1843-1905) é conhecido por suas representações de momentos históricos do Brasil, como Independência ou Morte! (1888) e Tiradentes Esquartejado (1893). Na mostra, aparece com Busto de Jovem (1889), pintura em óleo que faz parte do acervo da Pinacoteca Rubem Berta e "é instrumental para compreendermos os diversos processos de erotização do corpo", diz o catálogo da exposição.
9. Roberto Cidade
Morto após um assalto em 2011, o escultor Roberto Cidade (1939-2011) tinha uma das obras de maior destaque na exposição cancelada pelo Santander Cultural: seu Cristo Nosso de Cada Dia, esculpido em ferro em 1978, tem cerca de 2,3 metros de altura e 1,5 metro de largura e ocupava a parte central da exposição. A imagem, que faz parte do catálogo do Margs, mostra "uma imagem pop de Cristo em que tubos atravessam-lhe o corpo, consumido por uma estrutura que lembra o maquinário residual de um mundo futurista", lembra o catálogo da exposição, que diz ainda: "o pênis ereto atribui-lhe uma condição humana, distante das imagens comumente disfarçadas de sua genitália encoberta".
10. Sidney Amaral
Professor e artista plástico, Sidney Amaral (1973-2017) trabalhou em grande parte de sua produção com manipulação de objetos metálicos. Em Queermuseu, sua obra exposta era A Fome e a Vontade de Comer, feita já no fim de sua vida, que mostra uma colher de aço inox com um anzol de pesca na extremidade – transformando-a em um "dispositivo de repressão do desejo", numa metáfora com a prática sexual. Em janeiro de 2017, Sidney descobriu um câncer no pâncreas e escolheu um tratamento que prorizava a suavização das dores em detrimento de uma extensão da expectativa de sobrevivência. Ele morreu em maio.
*A Fome e a Vontade de Comer, 2016
Aço inox, 20,5 x 4 x 3,5 cm