Uma trincheira em defesa da liberdade na arte e na vida, cavada com as armas da inteligência e do bom humor na região sul do Estado e conectada com os principais polos culturais do país. É o que caracteriza a vida e a obra de Pedro Wayne – escritor, poeta e jornalista, nascido em 1904 –, baiano que passou a infância em Pelotas e viveu a maior parte do tempo em Bagé.
– Foi um agitador cultural com enorme capacidade de articulação, inclusive nacional – diz o neto Ramon Wayne, jornalista e roteirista de audiovisual.
Adepto de primeira hora do projeto modernista, como destacou Regina Zilberman, professora do PPG em Letras da UFRGS, Wayne privava da amizade não só dos paulistas Oswald e Mario de Andrade (da primeira geração do modernismo), mas de grande parte dos escritores de seu tempo, como os gaúchos Erico Verissimo e Manoelito de Ornellas, o baiano Jorge Amado e o alagoano Graciliano Ramos. Xarqueada, seu romance mais conhecido, teve o título (com “x” e não “ch”) sugerido por Jorge Amado por considerá-lo mais chamativo perante o público.
De espírito aguerrido, construiu uma intensa militância política, especialmente na luta contra o integralismo de Plínio Salgado. Essa postura combativa lhe custou dissabores – certa vez, foi levado para casa desacordado, após uma agressão. Apesar disso, não se tem notícia de que tenha aderido ao Partido Comunista, como boa parte dos escritores de sua época. Não se constrangia também em adotar posições que desafiavam a cartilha da esquerda no debate cultural, como quando fez a defesa de Carmen Miranda, acusada de ter perdido a brasilidade ao cantar nos Estados Unidos.
E, para escândalo dos amigos, defendeu em uma palestra a “arte pela arte” como opção legítima do escritor que não desejasse cerrar fileiras na literatura engajada (o que não era o caso dele).
A personalidade pouco afeita a simplificações se manifestava também na produção literária. Como poeta, seguiu os ditames da vanguarda paulista de Oswald de Andrade, mas como romancista se aliou à vertente regionalista do modernismo dos anos 1930. Xarqueada narra cruamente as mazelas da vida do homem do campo (a história foi baseada nas observações de Wayne quando trabalhou como contador da charqueada do sogro). Já na poesia, faceta menos conhecida, o destaque é Tropel de Aflições, em memória da filha Dolores, falecida aos 16 anos, de tuberculose (à época morando nos Estados Unidos, onde as pesquisas médicas estavam mais avançadas, Erico Verissimo enviou medicamentos para Bagé, na tentativa de salvar a garota).
Como aglutinador cultural de diferentes gerações, na década de 1940, contribuiu para a formação do Grupo de Bagé dos jovens artistas plásticos Glauco Rodrigues, Danúbio Gonçalves e Glênio Bianchetti (mais adiante, essa turma marcaria época nas artes visuais no Estado).
– Adotou os guris e mostrou a eles o que havia de mais avançado nas artes visuais na Europa – relata o neto.
Além de colaborar para revistas nacionais, como Fon-Fon e Dom Casmurro, lançou jornais literários em Bagé. Um deles, acusado de “obsceno, pornográfico e imoral”, foi fechado por ordem expressa do governador Flores da Cunha, após reclamações de políticos locais. “Moral caolha e hipócrita não é moral”, reagiu Wayne, no último editorial da publicação. Morreu em 13 de outubro de 1951, aos 47 anos, de complicações de uma apendicite. Hoje, dá nome à Casa de Cultura de Bagé.