Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
(O Mapa, poema de Mario Quintana)
A história de uma cidade está embrenhada nos nomes de suas ruas. E cada mudança de placa sinaliza as marcas do tempo em seu território. Esse é o mote da exposição Porto Alegre Toponímia, em cartaz no Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo. A proposta do artista visual Diego Passos — responsável pela concepção e organização da mostra — é investigar os processos de urbanização da Capital a partir da origem dos nomes de seus logradouros.
Alguns deles se relacionam com a paisagem, caso da Rua da Margem (atual João Alfredo), antigamente banhada pelo Arroio Dilúvio. O riacho passava por trás das casinhas de número ímpar (à esquerda de quem se dirige para o Centro) até ser retificado, em meados do século passado, dando origem à Avenida Ipiranga. Próxima à foz, localizava-se a Rua da Praia do Riacho, que conhecemos hoje como Washington Luís. Há também vias que identificam pontos geográficos, a exemplo da Estrada da Cascata (atual Avenida Oscar Pereira). E as que sinalizam atividades artísticas ou econômicas que acolhem por certo período. Exemplo disso é a Rua Uruguai, que já foi Beco da Casa da Ópera, Rua dos Ferreiros e Rua do Comércio.
Acontecimentos históricos também influenciam a troca das placas de ruas. Em 6 de junho de 1870, por decisão da Câmara Municipal, várias delas foram alteradas para homenagear os heróis da Guerra do Paraguai. A Rua da Guarda Principal virou General Vasco Alves; a do Arroio, General Bento Martins; o Caminho Novo, Rua Voluntários da Pátria (alusão às unidades militares criadas para reforçar o Exército brasileiro); a Rua da Alegria, General Vitorino; a da Bragança, General Silva Tavares (atual Rua Marechal Floriano); e a Rua do Arvoredo passou a se chamar Coronel Fernando Machado.
Igualmente, a derrubada da monarquia, em 1889, fez com que a Rua do Imperador virasse Rua da República e, ato contínuo, a da Imperatriz fosse denominada Venâncio Aires (ambas haviam sido abertas para receber a visita do Imperador Dom Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina, em 1845). A antiga Rua da Varzinha, que se transformara em Rua Dona Isabel para reverenciar a princesa imperial, quatro anos antes, logo adotou o nome de Demétrio Ribeiro (primeiro ministro da Agricultura da República). Abolicionistas também foram contemplados, como José do Patrocínio (ex-Rua da Concórdia) e Joaquim Nabuco (antes Rua Venezianos) no mapa da Capital.
— A denominação de um lugar não é neutra. Nomear e renomear as ruas são atos políticos e, muitas vezes, resultado de disputas — afirma o curador Diego Passos.
É verdade que, como destaca Passos, as ruas também engendram histórias pessoais — a praça da infância, a esquina daquele encontro, a calçada trilhada diariamente. Esse entrelaçamento de vontades individuais e coletivas faz com que nem sempre a mudança de nome seja bem aceita. Algumas denominações antigas permanecem na linguagem cotidiana da população, que reluta em abandoná-las, casos da Rua da Praia (Andradas) e da Ladeira (General Câmara). Como espaço de trânsito e convivência, encontros e desencontros, as ruas da cidade guardam seus mistérios, que enfeitam o mapa afetivo de seus habitantes. A exposição Porto Alegre Toponímia está aberta às segundas-feiras, das 13h30min às 17h30min, e de terças às sextas, das 9h às 12h e das 13h30min às 17h, com entrada franca.