Em 1918, a gripe espanhola causou, oficialmente, 1.316 óbitos na Capital (que contava com uma população de 192 mil habitantes), embora seja provável que o número tenha sido maior, já que muitas mortes não foram comunicadas às autoridades sanitárias. Uma curiosidade é que, em certo momento, faltaram coveiros para sepultar as vítimas da epidemia. Muitos desses profissionais também estavam doentes ou haviam falecido. Com isso, o Cemitério da Santa Casa de Misericórdia solicitou reforço de pessoal à Diretoria de Higiene do Rio Grande do Sul — foram, então, escalados 16 presidiários da Casa de Correção para dar continuidade às atividades de sepultamento.
O Cadeião — como era popularmente chamado — havia sido inaugurado em 1855, à beira do Guaíba, em uma região conhecida como Ponta do Arsenal (estaria hoje ao lado da Usina do Gasômetro, aberta em 1928). Uma das vantagens da localização destacadas por uma comissão de engenheiros militares, que elaborou o projeto de construção, era que ficava distante da parte nobre da cidade, representada pela Praça da Matriz e seu entorno. Conforme a comissão, a posição geográfica seria útil para evitar a propagação de “qualquer epidemia que se desenvolva na Cadeia”, o que não deixa de ser uma ironia, tendo em vista o recrutamento dos presidiários para a abertura de covas em 1918.
Não foi a única vez que a mão de obra apenada contribuiu para a coletividade. Casualmente, em 1918, haviam sido efetuadas reformas para aumentar em dois terços a área construída do presídio, o que permitiu a criação de oficinas de artes gráficas, serralheria, marcenaria, carpintaria, sapataria e alfaiataria. Parte do mobiliário do Palácio Piratini, inclusive, é oriunda da marcenaria do Cadeião, que não propiciava remuneração aos presos — o dinheiro era destinado ao governo do Estado e ao pagamento das custas dos processos dos condenados.
As recordações permanecem vivas na memória dos que chegaram a conviver com a Casa de Correção na paisagem da Orla do Guaíba, caso de Celso Finato, criado entre a Cidade Baixa e o Centro Histórico:
— Como provocação, alguns apenados, sentados nos parapeitos das janelas, abriam a bragueta das calças para deixar a genitália à vista dos passageiros do bonde da linha Gasômetro — conta Finato, que tinha oito anos quando o Cadeião foi dinamitado, em 1962, em função das condições insalubres e desumanas de suas instalações.
Bem que poderiam ter fechado o presídio mas preservado o prédio histórico, como sustenta o historiador Sérgio da Costa Franco. Seja como for, pouco tempo depois, Finato e alguns amiguinhos estavam perambulando pelos escombros, quando acharam um crânio entre os restos da demolição. Tema de uma reportagem do jornal Última Hora, na época, a descoberta macabra das crianças simbolizava uma história de terror que chegava ao fim.