Se vivo fosse, Aureliano de Figueiredo Pinto completaria 122 anos neste sábado (1º). Entretanto, o escritor, poeta e médico, nascido em 1898 em Tupanciretã, viveu somente metade deste ciclo. Ao morrer, em Santiago, na região central do Estado, tinha 61 anos, coincidentemente o mesmo período de tempo contado desde sua morte em 22 de fevereiro de 1959 até hoje.
A produção literária do clínico geral correu o risco de sobreviver só em manuscritos caseiros. O destino, porém, se impôs com a força devastadora da qualidade de quatro livros (três póstumos), na musicalização de versos (especialmente por Noel Guarany) e na gravação de poemas de declamadores gauchescos. Quando seu filho José Antônio, de 15 anos, lia escondido os misteriosos escritos trancados na biblioteca, uma de suas obras correu o risco premente de extinção, pois Aureliano flagrou o jovem varão dedicado à leitura do que julgava ser inebriante pornografia elaborada pelo pai nas horas secretas da madrugada.
“Pois lhe dou uma coleção completa de Eça de Queiroz e o senhor lendo esta porcaria!”, bradou, ordenando que queimassem tudo. O fogo consumiu a primeira folha, mas o restante, sapecado pelas chamas, foi salvo pela atenta esposa, Zilah. Eram originais de Memórias do Coronel Falcão, só publicado em 1973, pela Editora Movimento, com a página recuperada pela memória do irmão Plínio e do amigo médico Antero Marques, aos quais permitiu ler a obra, considerada por críticos como um dos 10 melhores romances gaúchos.
O episódio foi resgatado pelo próprio filho José Antônio de Figueiredo Pinto – médico como o pai e membro honorário da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina, cuja cadeira número sete tem Aureliano como patrono –, em live promovida pela entidade no último dia 14 de julho, no Encontro de Medicina e Literatura, compartilhando aspectos marcantes da obra de impressionante vigor narrativo e de elevada sensibilidade sobre a vida campeira.
Ao concluir o vestibular, em 1959, na Capital, José Antônio correu para a Editora Globo e apressou-se em levar ao pai, gravemente enfermo na cidade de Santiago, os 10 primeiros exemplares do único livro que o autor viu publicado: Romance de Estância e Querência – Marcas do Tempo. Sem forças sequer para elaborar dedicatórias, ditadas à filha Laura Maria, só fixou a assinatura. Morreu três dias depois, sem jamais conhecer a impressão do seu imprescindível legado, completado por Armorial de Estância e Outros Poemas, Memórias do Coronel Falcão e Itinerário – Poemas de Cada Instante.