Na edição conjunta dos dias 5 e 6 de maio, publicamos uma nota sobre a presença dos imigrantes sírios e libaneses em nosso Estado e adiantamos que voltaríamos ao assunto. A Região Sul é o foco de hoje.
Esta é mais uma nota da série sobre a presença sírio-libanesa em nosso Estado baseada no trabalho acadêmico do professor de Museologia da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (Fabico) Júlio Bittencourt Francisco. O envolvimento dos sírios e libaneses radicados no sul do Estado com os entreveros entre os partidários de diferentes oligarquias gaúchas foi inevitável.
A Revolução Federalista eclodiu em 1893, quando os maragatos se rebelaram contra o Partido Republicano, que dominava o cenário político desde 1891. No sul do Estado, seu maior representante era Luís Gonçalves das Chagas, o Barão de Candiota, cujas terras se estendiam das coxilhas de Santa Maria à cidade de Bagé sem cruzar por outros campos que não fossem os de sua exclusiva propriedade.
Nessa época, centenas de mascates árabes percorriam vastas áreas do sul do RS, em especial as sedes das grandes estâncias, e não seria improvável que, devido a sua intensa mobilidade, eles assumissem o papel de mensageiros e arautos dos acontecimentos, dentro e fora das terras dos estancieiros. Isso poderia lhes valer como moeda de troca, garantindo, por exemplo, proteção nas estradas pelos peões das estâncias ou autorização para fazer comércio naquelas terras, junto aos seus empregados, peões e senhoras dos agregados. Há referências à amizade dos imigrantes com o Barão de Candiota. Aproveitando-se do momento econômico, muitos montaram “bolichos” no meio do pampa para vender aos gaúchos.
No período da I Guerra Mundial, havia um importante contingente de libaneses, palestinos e sírios circulando entre a Argentina, Uruguai e Brasil na mascateação ou com suas lojas e bolichos. Circulavam pelo interior desses países e por Pelotas, Rio Grande e Bagé até Montevidéu e Buenos Aires. A consolidação das oligarquias em torno do vitorioso Partido Republicano, no poder desde a Revolução de 1893, precipitou outra revolta, em 1923. Os insurgentes e suas tropas costumavam, depois de assaltar as posições legalistas no Brasil, “bandear-se pros lados do Uruguai” através da fronteira seca.
Era justamente ali, no Passo do Salso, na “campanha bruta” de Bagé, que estava radicado, numa pequena estância, Francisco Karam, imigrante e comerciante libanês. Seu filho, Antônio Karam, com pouco menos de 10 anos de idade à época, presenciou a Revolução de 1923: “Eu nasci em 1915, no Passo do Salso, numa casa de torrão e chão batido. Aí, com 32 anos, minha mãe morreu de convulsão cerebral, deixando meu pai com uma penca de filhos. (...) Meu irmão Luiz ainda mamava. Mas a vida prosseguiu. No Passo do Salso, meu pai tinha um comércio forte, à luz de vela e querosene. Estávamos lá no Salso, os chimangos passaram e levaram todos os nossos cavalos. Ficamos a pé. Depois, passaram os maragatos, cujo chefe foi muito generoso, muito simpático e respeitoso. Aí, aconselharam ao papai que fosse para o Uruguai e levasse a família. Fomos todos de carroça para o Passo Santa Maria Isabel, no Uruguai. No final de 1924 ou 1925, já estávamos voltando para Pelotas, onde tirei o ginásio no Gonzaga”.
A região da Fronteira, em termos demográficos relativamente despovoada, merece destaque nas andanças desses “comerciantes-viajantes”. Afinal, eles desempenharam o papel de reguladores de preços, comprando mercadorias diretamente em São Paulo e vendendo-as mais barato do que os comerciantes já estabelecidos, que eram em pequeno número e, talvez por causa disso, exploravam a clientela.
Foi nesta ocasião que os ambulantes sírios e libaneses chegaram a essa área, alcançando até mesmo os locais mais remotos, vendendo tecidos e miudezas em geral a preços mais baixos ou facilitando o pagamento.