Manuscrito, pois ainda não havia prelo por estas plagas, tratava-se mais de um relatório do que de um periódico informativo. Na realidade, era uma forma ainda incipiente do gênero que, ao longo dos anos, consagrou-se, entre o público leitor, ao privilegiar temas diversos, dados estatísticos e curiosidades em geral. Além de redigir o nosso primeiro almanaque, seu autor, por volta de 1810, foi o primeiro cidadão, em Porto Alegre, a ter janelas de vidro em sua residência. Localizada à Rua do Cotovelo (atual Riachuelo), próximo ao famoso Beco do Fanha (atual Caldas Júnior), a casa passou a ser alvo dos olhares curiosos da população. O responsável pela novidade e execução da obra foi o vidraceiro francês Felix Gafûry.
O Almanak da Villa de Porto-Alegre nos remete ao dia 20 de julho de 1808. Com assuntos locais, dados estatísticos e reflexões sobre a Capitania do Rio Grande do Sul, este manuscrito foi oferecido a dom Fernando José de Portugal. Entre outras informações, o seu autor registrou sobre a Vila de Porto Alegre: “(...) Há uma aula pública de gramática e duas escolas de ler e escrever, em uma delas contei eu 63 meninos de sete a 12 anos”.
Leia também
Sua excelência o passageiro
Novo Santuário de Fátima será inaugurado em Porto Alegre
Fé nas crianças e nos livros
Nas primeiras páginas do nosso primeiro almanaque, Manuel Antonio de Magalhães recomendava a Sua Alteza Real que se evitasse a aquisição do charque de Montevidéu, protegendo, desta forma, o produto rio-grandense. Seu pedido foi desconsiderado, e a concorrência com o charque platino, vendido mais barato, fez com que o nosso principal produto de exportação para outras províncias do Império acabasse preterido em relação ao produzido na região platina. A consequência desta política econômica do Império foi uma crise que afetou a elite estancieira da Província. O alto imposto taxado sobre o nosso charque constituiu-se numa das causas da Revolução Farroupilha (1835-1845). De acordo com a historiadora Sandra Jatahy Pesavento (1946-2009), a Província de São Pedro (RS), diante do centralismo político, era tratada como se fosse “uma grande estalagem do Império”. Escondido nas compactas estantes do antigo Arquivo Público Nacional, o almanaque foi trazido a público, em 1867, graças a sua publicação na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
De acordo com a opinião abalizada do Visconde de Taunay (1843-1899), o Almanak da Villa de Porto-Alegre (1808) foi considerado o “pai dos almanaques do Rio Grande do Sul”. Após 32 anos da criação, esse almanaque circulou em Caçapava, em 1840, na forma impressa, durante a Revolução Farroupilha. Como Folhinha do Ano Bissexto, abriu caminho para o surgimento de outros almanaques na Província. Impresso na Typographia Republicana Rio-Grandense, há um exemplar deste almanaque na Fundação Biblioteca Nacional.
No ano de 1908, em seu centenário, o Almanak da Villa de Porto-Alegre mereceu edição comemorativa, em forma de livro, graças ao jornalista e historiador Augusto Porto Alegre (1871-1947), à chancela da Livraria do Globo e aos editores Barcellos & Cia. Nesta obra, também estão arrolados outros documentos e obras escritas sobre o Rio Grande do Sul até 1908.
De acordo com Abeillard Barreto, em sua Bibliografia Sul-Riograndense, no ano de 1940, a Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, ano 20, terceiro trimestre, número 79, também publicou o nosso primeiro almanaque.
Colaboração de Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu da Comunicação.