Deborah Colker já coreografou o romance em versos Eugênio Oneguin, de Púchkin (Tatyana, em 2011); já recriou em cena o livro e o filme A Bela da Tarde (Belle, 2014) e já adaptou um poema de João Cabral de Melo Neto, fundindo dança e cinema (Cão sem Plumas, 2017). Agora, propõe uma jornada pela zona escura e vertiginosa da existência conhecida como desejo. Para isso, revisita uma coreografia de 2005 que representou uma virada em sua dramaturgia na direção de uma investigação sobre a condição humana. Recriado e renovado, Nó será apresentado ao público porto-alegrense sábado (6) e domingo (7) no Teatro do Bourbon Country. Haverá sessões em Santa Maria (dia 10, às 20h, no Centro de Convenções da UFSM) e Novo Hamburgo (dia 13, às 21h, no Teatro Feevale).
Para Deborah, o desejo não remete apenas ao campo do erótico, mas da própria experiência humana. Pode-se tentar reprimi-lo, silenciá-lo ou negá-lo – ou, ainda, negociar com ele, em sua fricção com a lei –, mas jamais se livrar dele. O ser humano é um "ser desejante", diz a coreógrafa, em entrevista por telefone do Rio:
— Fui buscar o lugar do desejo e as relações estabelecidas por meio dele, que são importantes para a sociedade. Como os seres humanos se organizam? Há relações de poder que se estabelecem. Quem domina e quem é dominado? São questões presentes o tempo inteiro.
Reunindo em sua ficha técnica Gringo Cardia (direção de arte e cenografia), Berna Ceppas (direção musical), Jorginho de Carvalho (iluminação), Alexandre Herchcovitch (figurinos) e Flavio Colker (codireção e fotografia), Nó é estruturado em dois atos. No primeiro, que remete a um ambiente primitivo, cordas penduradas verticalmente simbolizam uma árvore e, depois, uma floresta na qual os bailarinos se relacionam horizontalmente com outras cordas, em duos, trios, quartetos, quintetos. A corda, segundo Deborah, é um objeto do desejo. Remete, por exemplo, à pratica sexual do bondage, mas essa presença cênica pode ser interpretada de diferentes maneiras pelos espectadores.
Na segunda parte, mais urbana, por assim dizer, uma caixa transparente vira uma "vitrina do desejo" que pode lembrar o comércio do sexo do Red Light District de Amsterdã ou algum produto não erótico exibido em lojas em qualquer lugar, como carros, chocolates e roupas. A transparência é excitante, explica Deborah, porque olhamos o que está do outro lado mas nem sempre podemos tocar:
— A caixa é um espelho. É como se você se visse ou visse alguma coisa dentro dela. Fala um pouco da solidão de cada um. Podemos não estar solitários, mas cada um vem ao mundo sozinho e assim sairá dele.
Vencedora do prestigiado prêmio Benois De La Danse em 2018 – o "Oscar da dança"– por seu trabalho em Cão sem Plumas (o júri também premiou outros profissionais da dança), a coreógrafa criou em 2009 um espetáculo para o Cirque du Soleil que agora circula pelo Brasil depois de excursionar pelo mundo. Inspirado na vida dos insetos, que simboliza a biodiversidade, e repleto de brasilidade, Ovo está em cartaz em Brasília e depois seguirá para São Paulo, já tendo passado por Belo Horizonte e Rio (Porto Alegre ficou de fora). Quando convidada, Deborah recebeu do cofundador do Cirque, Guy Laliberté, a orientação de construir um espetáculo para todas as idades e que ficasse 15 anos em cartaz.
— Na época, falei: "Daqui a 15 anos, nem sei se estarei viva!". Ele disse: "Você eu não sei, mas o show tem de estar". O resultado é que depois de 10 anos o espetáculo está vivo e é supercomunicativo.
Ovo nasceu em 2009, no mesmo ano em que o neto da coreógrafa, Theo, que veio ao mundo com uma condição rara, epidermólise bolhosa, causadora de alterações na pele. Inspirada nele, Deborah criou Cão sem Plumas e também o próximo trabalho de sua companhia, chamado Cura.
— Falará sobre a cura daquilo que não tem cura. É o inadmissível, o inconcebível, como disse João Cabral de Melo Neto. Será sobre esse tema tão delicado e tão nobre para todos nós. Não há uma religião ou uma cultura que não se aproxime dessa palavra, "cura", seja por meio da fé ou da ciência.
Com contrato de patrocínio com a Petrobras até junho de 2020, sua companhia acompanha as especulações sobre possíveis cortes nas verbas para a cultura. A Petrobras e outras estatais anunciaram neste ano revisões em suas políticas de apoio, sem adiantar outras informações.
— Está todo mundo tenso, na expectativa, querendo que não retroceda, que vá para a frente. Não pretendo parar de trabalhar. Temos agora apoio da Votorantim, junto com o da Petrobras, que sempre foi parceira e espero que continue a ser. Estamos fazendo com que o trabalho tenha consistência, uma estrutura que não vá estremecer.
“Nó”, da Cia. Deborah Colker
Sábado, às 21h, e domingo, às 20h, no Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, 80), em Porto Alegre. Ingressos de R$ 75 a R$ 130 na bilheteria do local e no site uhuu.com. Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante.