O Ministério Público (MP) ajuizou ação civil pública para que a prefeitura de Porto Alegre passe a cumprir o decreto estadual do distanciamento controlado no que diz respeito à lotação máxima prevista para o transporte coletivo. O pedido de tutela de urgência foi feito na última segunda-feira (8) e divulgado nesta quarta-feira (10).
O decreto mais recente do prefeito Nelson Marchezan autoriza que os veículos rodem com todos os assentos ocupados e mais 10 passageiros em pé nos ônibus comuns, ou 15 nos ônibus articulados. A regra é diferente da estabelecida pelo governador Eduardo Leite no sistema de distanciamento controlado, de que o transporte coletivo municipal e metropolitano não pode rodar com mais de 60% de ocupação.
O MP já havia feito uma recomendação à prefeitura, alegando que o método atual tem levado os ônibus a andarem lotados, "com evidente risco sanitário aos usuários e de disseminação do vírus entre a população". O Executivo rejeitou, afirmando que o sistema atual “se adapta melhor à realidade do transporte público da Capital”.
“No acompanhamento realizado pelo Ministério Público, instado, o município referiu que os critérios para a adoção desse parâmetro foram baseados em análise (I) do avanço da pandemia no âmbito municipal, (II) da necessidade de oferta do transporte, (III) da demanda dos passageiros e (IV) nos critérios técnicos de operacionalização do transporte (...) Ora, tais critérios são basicamente alicerçados em análises utilitaristas do ponto de vista do serviço e não em aspectos sanitários. (...) Avulta claro não ser possível garantir o distanciamento social e interpessoal”, diz trecho da ação. Os promotores optaram por não se manifestar sobre o assunto até o julgamento.
Agora, o pedido de urgência é para que sejam readequadas, em até dois dias, as operações de transporte público, observando a lotação máxima e o atendimento eficiente e seguro, garantindo linhas e horários suficientes para atender a demanda dos usuários. De acordo com o pedido, a prefeitura deve cumprir os protocolos específicos enquanto não apresentar à Secretaria Estadual de Saúde um plano local estruturado de enfrentamento à pandemia de coronavírus. O plano, que deve ser fundamentado com dados técnicos e científicos, precisará ser aprovado.
O MP pede ainda que o município passe a orientar e a fiscalizar o cumprimento das determinações legais vigentes, informando os usuários nas paradas e terminais de ônibus. Caso seja necessário, devem ser feitas marcações no chão para garantir o distanciamento, além de ventilação de veículos, higienização e uso de máscaras.
O documento do MP refere o transporte coletivo municipal e metropolitano porque, na medida segmentada do governo estadual, eles são tratados juntos. A ação, no entanto, é direcionada aos transportes urbano e rural dentro do município, que são atribuição da prefeitura. O transporte metropolitano, por outro lado, é de responsabilidade da Metroplan. O MP afirma que também está acompanhando esta modalidade, embora não seja alvo desta ação.
Em nota, a prefeitura de Porto Alegre afirmou: "O decreto municipal que trata do transporte coletivo (...) atende aos requisitos técnicos que integram a estratégia de segurança sanitária e epidemiológica traçada pelo município desde março deste ano, e que tem se mostrado eficiente até o momento".
E segue: "Destaca-se ainda que a ação proposta pelo Ministério Público não apresenta nenhuma evidência científica que embase, nem epidemiológica, nem relativo à situação específica da mobilidade urbana". (leia a nota, na íntegra, abaixo).
Promotores consideram “agravamento dos índices epidemiológicos”
A ação civil pública é assinada pelos promotores de Justiça Débora Menegat e Heriberto Maciel, da Promotoria de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, Márcia Cabral Bento, da Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos, e Rossano Biazus, da Promotoria de Defesa do Consumidor.
Conforme os promotores, a ação foi motivada não só pelo desajuste à legislação, mas também pela superlotação frequente nos ônibus. No entendimento deles, o transporte coletivo teve redução de linhas, ao mesmo tempo em que mais atividades econômicas foram liberadas na cidade.
Os promotores também consideram o agravamento dos índices epidemiológicos em Porto Alegre. O número de pacientes com coronavírus ocupando leitos de UTI subiu de 44 para 62 entre sexta e segunda-feira (8).
Ao final, o MP pede que a Justiça obrigue o município a realizar todos os estudos técnicos, de mobilidade urbana e de conclusão sanitária, com responsabilidade técnica e embasamento científico, que estejam adequados à readequação das normas de enfrentamento à pandemia e à legislação.
Aglomerações em paradas de ônibus
Na Avenida Oscar Pereira, no bairro Glória, a reportagem de GaúchaZH encontrou aglomerações nas paradas de ônibus. Próximo ao Morro da Embratel, mais de uma dezena de passageiros aguardavam o coletivo, com o distanciamento desrespeitado.
A cuidadora de idosos Beatriz Corrêa, 42 anos, diz enfrentar superlotação da Zona Sul em direção ao Centro. Por vezes, diz esperar até uma hora pela linha Canudos.
— Tem sempre mais de 10 pessoas em pé. Eu falo, mas ninguém me escuta — reclama.
Na porta de entrada da linha Belém Velho, passageiros esbarravam uns nos outros ao acessar o veículo. Não foram vistas pessoas sem máscaras.
A técnica em enfermagem Simone Garcia, 42, embarca no T11, desde a Cavalhada até a Zona Norte. Diz temer inclusive viajar sentada.
— Tenho medo, muita gente em pé próximo da gente. Queria saber quais os protocolos — questiona.
Na área central, foram vistos pontos com acúmulos de pessoas nas avenidas Azenha e Bento Gonçalves.
Leia, na íntegra, a nota da prefeitura de Porto Alegre enviada nesta quarta-feira (10/6):
A prefeitura de Porto Alegre foi surpreendida pela ação proposta pelo Ministério Público Estadual na data de ontem, uma vez que em audiência de mediação que envolveu Procuradoria-Geral do Estado, Metroplan, Procuradoria-Geral do Município, o Secretário Extraordinário de Mobilidade e o próprio MP, foi demonstrado que o município vem adotando todas as medidas para conter o avanço do coronavírus na cidade. O decreto municipal que trata do transporte coletivo, neste sentido, atende aos requisitos técnicos que integram a estratégia de segurança sanitária e epidemiológica traçada pelo município desde março deste ano, e que tem se mostrado eficiente até o momento.
Destaca-se ainda que a ação proposta pelo Ministério Público não apresenta nenhuma evidência científica que embase, nem epidemiológica, nem relativo à situação específica da mobilidade urbana. A prefeitura sempre se dispôs, como vem fazendo ao longo dos últimos meses, a dialogar com base em critérios técnicos visando atender o objetivo prioritário de proteção da saúde da população de Porto Alegre e sempre colabora com toda demanda do MP. Para exemplificar, o município identificou o recebimento, nos últimos 12 meses, 4.844 notificações, entre ofícios, recomendações, pedido de informações e outros dos Ministérios Públicos Estadual, Federal, do Trabalho e de Contas. Dentre esses, 4.152 do Ministério Público Estadual. Somente sobre a pandemia, foram 169 notificações dos Ministérios Públicos diretamente vinculadas a políticas públicas e atos municipais de combate à COVID-19, sendo 98 do Ministério Público Estadual, algumas delas, inclusive, com objeto idêntico ou semelhante, oriundas de Promotorias diferentes.
É necessário frisar que não há espaço nesse momento de pandemia para disputas desnecessárias ou busca por eventuais protagonismos. Neste sentido, registra-se o diálogo responsável promovido pelo Poder Judiciário, que nesta quarta-feira realiza audiência de conciliação com o propósito de examinar a crise do transporte público e suas repercussões.
O município realiza sistematicamente ações de fiscalização nas operações de transporte coletivo em Porto Alegre. Apenas entre 18 de março e 05 de junho deste ano, um total de 7845 viagens de ônibus urbanos e 887 metropolitanos foram fiscalizados. Mais de 700 veículos foram autuados neste período devido ao não cumprimento de tabela horária e excesso de passageiros.
Nossas decisões são e continuarão sendo embasadas em critérios e evidencias científicas.