Desde o surgimento da covid-19, um padrão de predominância no número de infectados para o sexo masculino vem sendo identificado em diferentes países, como China, Itália e Estados Unidos. Cientistas, então, passaram a buscar respostas para a mesma pergunta: por que os homens estão sendo mais atingidos por essa doença do que as mulheres?
No Rio Grande do Sul, a tendência se reproduz. De acordo com o boletim epidemiológico mais recente divulgado pela Secretaria Estadual da Saúde, até segunda-feira (11) 495 homens e 383 mulheres haviam sido internados por covid-19 no Estado. Nas internações em unidade de terapia intensiva (UTI), a situação se repetiu: 132 homens e 106 mulheres dependendo de cuidados intensivos. Com relação aos óbitos, 54 foram do gênero masculino contra 42 do feminino.
Para o infectologista Paulo Ernesto Gewehr, do Hospital Moinhos de Vento, dois fatores estariam contribuindo diretamente: questões relacionadas à genética, que ajudariam as mulheres a serem menos infectadas, e ao comportamento dos indivíduos, que poderia contribuir para a maior quantidade de mortes entre indivíduos do gênero masculino. Ele lembra que em outros surtos de coronavírus, como sars e mers, ocorreu a mesma tendência de homens serem mais infectados.
Entre os fatores em comum apontados pelo infectologista está a questão da exposição. Se um determinado sexo se expõe mais aos fatores de risco para contágio para determinadas doenças, a prevalência maior será naquele sexo. O autocuidado também é citado por Gewehr. Segundo ele, as mulheres tendem a buscar o serviço de saúde mais cedo do que os homens para ter um diagnóstico, facilitando a constatação mais rápida da doença.
Outra questão fundamental, de acordo com o especialista, está relacionada ao fator genético.
— As mulheres têm diferenças genéticas importantes. Começamos pelo cromossomo sexual: o homem é XY e a mulher, XX. Há também a questão dos hormônios femininos, que são definidos pela bagagem genética de cada indivíduo. Sabemos que esses hormônios femininos oferecem proteção para determinadas doenças. Por exemplo, as cardiovasculares — explica.
Gewehr reforça que mais pesquisas são necessárias para definirem quais os fatores e a importância na transmissão e evolução da covid-19 entre homens e mulheres.
O sexo feminino, aponta Gewehr, também tem outras defesas no organismo que lhe protegeriam da covid-19.
— Geneticamente, as mulheres têm menor quantidade de um receptor chamado ACE2 (enzima conversora de angiotensina 2), que o vírus utiliza para entrar nas células. Os homens têm maior quantidade de ACE2 — esclarece o infectologista.
No início desta semana, um estudo feito com mais de 3,5 mil pacientes com insuficiência cardíaca, publicado na revista European Heart Journal, da Sociedade Europeia de Cardiologia, apontou que o sangue dos homens tem concentração maior de enzima conversora de angiotensina 2, (ACE2, na sigla em inglês). A enzima age na superfície das células como receptor, ligando-se ao coronavírus e permitindo a entrada dele em células saudáveis, depois de ter sido modificado por outra proteína. A ACE2 está presente nos pulmões, no coração, nos rins e em tecidos que revestem os vasos sanguíneos, e há níveis particularmente altos nos testículos. Conforme Adriaan Voors (MD-PhD), professor de cardiologia do Centro Universitário de Medicina de Groningen (Holanda), que liderou a pesquisa, as conclusões do estudo são restritas a pacientes com insuficiência cardíaca.
O chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Eduardo Sprinz, também destaca a ACE2 e a questão hormonal como possibilidades para os homens serem mais afetados pelo coronavírus. Sprinz cita o estudo da Università della Svizzera italiana, na Suíça, realizado com 9.280 pacientes, entre os quais 4.532 eram homens, e publicado no periódico científico Annals of Oncology. O trabalho indica que homens em terapias de privação de andrógenos (hormônio masculino) para se curar do câncer de próstata podem estar menos suscetíveis à contaminação pelo coronavírus.
Até segunda-feira (11), Porto Alegre seguia uma curva diferenciada nos casos de covid-19 identificados, com 326 mulheres e 313 homens infectados. Segundo os especialistas, como a quantidade de testes é pequena, os números podem não ser definitivos. Porém, eles reforçam que podem estar vinculados à maior exposição das mulheres ao vírus, já que a Capital era a cidade com o maior número proporcional de mulheres no Rio Grande do Sul, segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na época, eram 755.917 pessoas do sexo feminino contra 654.022 do sexo masculino, o equivalente a 53,6% de mulheres de Porto Alegre.