O choque da morte foi um baque para os parentes próximos de João Batista Ramos de Freitas, 63 anos, mesmo que ele tenha passado mais de um mês hospitalizado após contrair o coronavírus. Todos esperavam e torciam por uma recuperação, que não veio. Mas além da dor de uma despedida sem velório e do trauma emocional, a família luta agora contra um problema adicional e gigantesco: pagar as contas.
Servidor da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) desde 1986, quando a entidade ainda se chamava Febem, Batista (seu nome de guerra) era o arrimo da família. Mesmo aposentado, continuava trabalhando na entidade que cuida de adolescentes e crianças em situação de risco. Seus vencimentos incluíam a aposentadoria, mais salário e muitas horas-extras. Tudo isso se evaporou do dia para a noite, descreve a viúva dele, Ângela.
Ela lembra que o INSS está com atendimento bem lento em decorrência da pandemia e diz ter sido informada que a perspectiva é de três a quatro meses de espera para conseguir regularizar a pensão. E aí vem a pior parte da informação: o valor deve ser 50% da aposentadoria de Batista. Ou seja, a viúva calcula que receberá algo em torno de R$ 2,5 mil. Ela acredita que não terá direito a pensão sobre o salário atual e horas-extras do servidor da Fase, pelo fato dele já estar aposentado. Mas isso é a perspectiva futura.
O panorama atual é que as contas chegaram e Ângela não tem como saldá-las. O filho João Marcelo, que é árbitro de futebol, está sem essa atividade porque as partidas estão suspensas em decorrência da pandemia. Ele também fazia estágio na Fase, que já terminou.
Batista ainda pagava a maior parte da despesa com a casa geriátrica onde sua mãe está abrigada. Cerca de R$ 3 mil mensais, informa Ângela. Parte da despesa era custeada com o salário mínimo de pensão da própria idosa.
— Mas a maior parte, quase R$ 2 mil, era o Batista que custeava e agora não temos como pagar. Tive de pedir para manterem a sogra lá, como favor.
As despesas cotidianas da família Ramos de Freitas, neste primeiro momento pós-morte de Batista, foram bancadas pelos colegas do servidor da Fase falecido da covid-19. A corrente de solidariedade é ainda maior porque a entidade foi atingida por um surto de coronavírus, que deixou 13 funcionários e dois internos com o vírus.
Os familiares acreditam que Batista se contaminou no contato cotidiano com os internos, já que sempre trabalhou na linha de frente da Fase. Atuava no Carlos Santos, abrigo que serve como uma das principais portas de entrada de adolescentes infratores e que registrou 13 pessoas com teste positivo para covid-19 (além desses, outras duas em outro prédio).
— Ele trabalhou até o último dia antes de ser hospitalizado, com febre e crises de vômito. Ele também teve de comprar equipamento de proteção, pois não tinha suficiente. E tinha mais de 60 anos, deveria estar afastado como precaução contra a doença— lamenta um dos filhos de Batista, João Marcelo.
CONTRAPONTO
O que diz a Fase:
A direção da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) informa que, assim que teve conhecimento do falecimento do funcionário João Batista Ramos de Freitas, buscou imediatamente contato com a família, o que se deu por intermédio do filho e da esposa do servidor.
Com a documentação entregue pela família, foi também pago o auxílio-funeral. O seguro de vida teve o processo aberto, conforme prevê a Convenção Coletiva de Trabalho, e agora segue os ritos da seguradora. A seguradora, inclusive, já confirmou que o aviso de sinistro fora concluído.
Além disso, todas as orientações para que a família permaneça tendo acesso ao Plano de Saúde foram designadas. As rescisões de contrato de trabalho já estão executadas, respeitando o prazo de 10 dias de pagamento, sendo que, desta forma, as obrigações da Fase constam totalmente em dia. Sobre as questões relacionadas à pensão, valores de INSS, a Fase não tem gerenciamento sobre estas informações, pois esta relação se faz entre o INSS e a família. A Fase também assegura que vem distribuindo sistematicamente equipamentos de proteção e que servidores de grupo de risco podem se afastar de suas atividades sem prejuízo de remuneração, desde que apresentem laudo.