Voltada à massa de trabalhadores formais açoitada pela crise do coronavírus, a decisão do governo federal de liberar novo saque nas contas do FGTS, dessa vez no valor de um salário mínimo (R$ 1.045), é alvo de aprovação entre especialistas. Ainda assim, para pesquisadores ouvidos por GaúchaZH, há dúvidas sobre pelo menos dois pontos: os efeitos da iniciativa frente à derrocada econômica e o prazo de liberação do dinheiro, com início previsto apenas para meados de junho.
Publicada na noite de terça-feira (7) em edição extra do Diário Oficial da União, a Medida Provisória (MP) nº 946 já está valendo e será operacionalizada pela Caixa Econômica Federal. No texto de três páginas, o presidente Jair Bolsonaro extingue o Fundo PIS-Pasep, que contabiliza R$ 21,5 bilhões, e determina a transferência desse patrimônio, até então represado, para o FGTS. Isso não interfere no abono salarial do PIS-Pasep, que é pago anualmente para quem trabalhou com carteira assinada, recebendo até dois salários, em média, a cada mês.
Na prática, explica Álvaro Guedes, professor de Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a movimentação financeira foi a forma encontrada pela equipe econômica de assegurar liquidez ao sistema e viabilizar a alternativa sem risco de quebra — vale lembrar que o FGTS, criado em 1966, é uma espécie de poupança do trabalhador e serve como proteção em caso de demissão sem justa causa.
— É óbvio que o FGTS está com déficit de receita. Primeiro, porque a economia vai mal. Em segundo lugar, porque a informalidade está crescendo no país. O que o governo está fazendo é um ajuste contábil de um fundo para outro para compensar esse saldo decrescente. O Fundo PIS-Pasep, que tinha recursos ociosos, vai abastecer o FGTS para que o dinheiro chegue na mão de quem precisa — sintetiza Guedes.
Não é a primeira vez que a União recorre ao Fundo de Garantia na tentativa de reativar a economia. Em 2017, o então presidente Michel Temer autorizou resgates das contas inativas para estimular o consumo e, em 2019, Bolsonaro fez o mesmo para as contas de empregados em atividade. À época, ele autorizou a tomada de R$ 500 por pessoa, mas os resultados foram tímidos: o Produto Interno Bruto (PIB), que mede toda a riqueza produzida no país, cresceu apenas 1,1%, o pior desempenho em três anos.
Agora, a avaliação é de que o contexto é completamente diferente. O quadro é tão grave que qualquer aporte é bem-vindo, mesmo sendo aquém do necessário.
Do ponto de vista macroeconômico, é realmente muito pouco, mas, do ponto de vista social, é justo. Não vai resolver a crise, mas vai ajudar.
ÁLVARO GUEDES
Professor de Administração Pública
— Em 2019, esperava-se que o consumo crescesse substancialmente (com a liberação dos saques do FGTS) e não cresceu. Desta vez, é muito provável que o impacto seja igualmente tímido. É evidente que é pouco. Se a gente observar o que foi feito até agora, só os recursos de natureza fiscal criados para tentar enfrentar a crise perfazem algo em torno de 2,5% a 3% do PIB. Nos Estados Unidos, são quase 14%. O governo federal precisa se mexer, precisa fazer mágica. Diante da situação em que nos encontramos, tudo é válido — sustenta Fernando Ferrari Filho, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A análise é compartilhada por Guedes. Apesar de ser um crítico da atuação de Bolsonaro, o estudioso afirma que a decisão é acertada, por socorrer quem mais precisa:
— Do ponto de vista macroeconômico, é realmente muito pouco, mas, do ponto de vista social, é justo. Não vai resolver a crise, mas vai ajudar os mais vulneráveis.
O problema, alerta Fábio Pesavento, coordenador do Núcleo de Economia Empresarial da ESPM em Porto Alegre, é o tempo. Conforme a MP, o Fundo PIS-Pasep será depositado no FGTS no dia 31 de maio e os resgates poderão ser efetivados somente a partir de 15 de junho (até 31 de dezembro). Embora Pesavento também concorde que é necessário "assegurar uma renda mínima para que aqueles que estão parados possam sobreviver", a demora na oferta do auxílio pode ser fatal.
— O saque deveria ser imediato. Junho é tarde — adverte o economista.
Tire suas dúvidas
Em sete pontos, confira o que já se sabe sobre a iniciativa, qual é o potencial para reativar o consumo e como deverá funcionar. Os detalhes deverão ser divulgados nos próximos dias pela Caixa Econômica Federal.
1) Qual é o objetivo dessa MP?
A Medida Provisória nº 946 põe fim ao Fundo PIS-Pasep (criado em 1975 para receber contribuições de empresas privadas e de órgãos públicos) e transfere o seu patrimônio para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Com isso, a intenção do governo é dar destinação a um dinheiro que estava parado (estimado em R$ 21,5 bilhões) e garantir maior liquidez ao FGTS, que já vinha sendo usado nos últimos anos para injetar recursos na economia. Em 2017, por exemplo, o então presidente Michel Temer autorizou saques das contas inativas. Em 2019, Jair Bolsonaro fez o mesmo para as contas de trabalhadores em atividade.
2) Por que esse dinheiro estava parado?
O dinheiro do Fundo PIS-Pasep é resultado de depósitos feitos por empregadores (do setor privado, no caso do PIS, e do público, no caso do Pasep) entre 1971 e 1988. Desde então, não houve mais arrecadação para contas individuais e parte do dinheiro ficou lá. Entre 2015 e 2017, o governo federal lançou campanhas para que as pessoas sacassem esses recursos, mas nem todo mundo fez isso. Em março deste ano, a equipe econômica já indicou a intenção de transferir os valores não sacados para o FGTS, o que se concretiza agora.
3) Quanto será possível sacar do FGTS e a partir de quando?
O dinheiro do Fundo PIS-Pasep será transferido para o FGTS em 31 de maio. A partir daí, será possível sacar até R$ 1.045 por trabalhador, entre 15 de junho a 31 de dezembro.
4) Eu preciso muito desse dinheiro e quero receber o quanto antes. O que posso fazer para agilizar isso?
Por enquanto, é necessário aguardar o cronograma de atendimento e os critérios estabelecidos pela Caixa Econômica Federal.
5) Mas já existe alguma regra para os saques? Como vai funcionar?
De acordo com a MP, isso será definido pela Caixa, que ainda não divulgou os detalhes. O que se sabe até agora é que, para quem tem conta na Caixa, será realizado crédito automático, desde que o trabalhador não se manifeste contra. Quem não tem conta na Caixa terá de indicar onde deseja receber, desde que seja o titular da conta. A transferência para outro banco será gratuita, sem taxas.
6) Eu tenho mais de uma conta no FGTS. Nesse caso, qual é a orientação?
Conforme a MP, se o trabalhador tiver mais de uma conta no FGTS, o saque seguirá a seguinte ordem: primeiro, serão contempladas contas relativas a contratos de trabalho extintos, começando por aquela que tiver o menor saldo. Depois, será a vez das demais contas, também com início pelo saldo mais baixo. Ainda que tenha mais de uma conta, cada trabalhador só poderá receber R$ 1.045.
7) Que efeitos essa medida pode gerar na economia?
Ainda não é possível projetar isso com precisão, mas especialistas avaliam que, nesse momento, mesmo que o efeito seja restrito, qualquer ajuda é bem-vinda. Em 2019, quando o governo autorizou o saque de R$ 500 das contas ativas do FGTS, os efeitos no consumo foram tímidos: o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 1,1%, pior desempenho em três anos. A questão é que, agora, vivemos um cenário diferente, muito mais grave. Mesmo que o impacto seja limitado em termos macroeconômicos, a avaliação é de que a ajuda é importante para quem mais precisa.