O governo estadual irá publicar uma portaria com normativas e punições por descumprimento para o funcionamento dos frigoríficos no Rio Grande do Sul. O objetivo é reduzir os riscos de transmissão de coronavírus nesses ambientes. Plantas de produção de alimentos de proteína animal se tornaram foco de surtos de coronavírus entre os seus trabalhadores, com mortes já confirmadas em unidades de Passo Fundo, Garibaldi e Lajeado.
O Centro de Operações de Emergência (COE) da Secretaria Estadual da Saúde (SES) informa que 10 plantas frigoríficas no Rio Grande do Sul estão sob monitoramento em razão de surtos já confirmados ou ainda suspeitos entre seus funcionários. Unidades do setor costumam ter grande porte, com quadros entre mil e 3 mil funcionários. Por essas características, os técnicos em saúde do Estado consideram a situação "preocupante pela magnitude que os surtos podem tomar em determinadas ocasiões".
A portaria oficial com as regras deverá ser publicada nesta terça-feira (28), com caráter semelhante ao da normativa 270 da SES, que determinou os requisitos para a reabertura de comércio no Rio Grande do Sul. O documento voltado para os frigoríficos começou a ser discutido no domingo (26), em uma conferência de vídeo entre a secretária da Saúde, Arita Bergmann, e quase uma centena de prefeitos e vigilâncias municipais de saúde.
— É uma portaria para cumprimento dos estabelecimentos, com penalidades para os casos de inobservância. Iremos contemplar questões como distanciamento social entre funcionários, reforço na higiene, protocolos de limpeza, orientação para o transporte desses trabalhadores nos casos em que ele é feito pela empresa, controle de surtos de síndrome gripal e afastamento de funcionários com suspeita de contágio — explica Marcelo Vallandro, coordenador do Centro de Operações de Emergência (COE) da SES.
Entre as medidas, deverá constar a determinação para que as empresas frigoríficas elaborem seus próprios planos de contingência de coronavírus, tendo a hipótese de suspensão das atividades em cenários mais graves.
— Vamos solicitar que as empresas projetem cenários de prevenção, monitoramento e controle dos seus casos. E uma das medidas pode ser a suspensão das atividades por 48 horas, 72 horas. Isso é bem-vindo. Estamos acompanhando de cima a questão dos frigoríficos, sabendo que normas muito impositivas podem também criar inviabilidades — diz Vallandro, indicando que essas iniciativas poderão ser voluntárias.
Foi o que aconteceu nesta segunda-feira (27) em Tapejara: a unidade de abate de aves da Agrodanieli, após tomar conhecimento de quatro casos confirmados de coronavírus entre seus trabalhadores, resolveu paralisar as atividades por 48 horas.
— Estávamos negociando redução de jornada, mas a decisão da empresa foi por parar. Estão sendo tomadas medidas protetivas. Na minha avaliação, foi uma opção acertada — diz Josimar Luiz Cecchin, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Tapejara e Região.
Além da portaria com regras para o funcionamento de frigoríficos, o governo estadual irá publicar ainda uma nota informativa para instruir as vigilâncias municipais de saúde sobre como atuar nos surtos que afligem o setor.
A SES confirma que já ocorreram óbitos nas plantas frigoríficas, mas diz que não irá expor números no momento, alegando que os levantamentos e estudos ainda são precoces.
O caso mais grave foi detectado em Passo Fundo: na sexta-feira (24), a unidade da JBS na cidade foi interditada por tempo indeterminado após 19 dos 2.650 trabalhadores testarem positivos para coronavírus. Levantamento desta segunda-feira do Ministério Público do Trabalho (MPT), com base em dados oficiais das secretarias da Saúde do Estado e dos municípios, indica que os casos positivos na planta da JBS em Passo Fundo já saltaram para 48, com três mortes de familiares de trabalhadores. No final de semana, ocorreram óbitos de empregados de frigoríficos em Garibaldi e Lajeado — no caso de Lajeado, a vítima residia em Venâncio Aires. No somatório, são dezenas de casos positivos, incluindo cidades como Marau, Serafina Corrêa e Encantado.
Auditores fiscais do trabalho, responsáveis pela fiscalização que interditou a JBS de Passo Fundo, estão agora atuando em inspeção no frigorífico Nicolini, em Garibaldi. Para Vallandro, do Centro de Operações de Emergência, o setor apresenta características específicas que podem tornar o ambiente mais vulnerável ao coronavírus.
— Ainda é difícil fazer afirmações, mas sabemos que algumas atividades propiciam mais a dispersão do vírus. Nos frigoríficos, há muito uso de água. Se a gente pensar que o vírus é transmitido por gotículas, e que muitas delas caem no chão, é possível que a água usada nas limpezas leve o vírus mais adiante. E, nos ambientes refrigerados, o vírus pode permanecer viável por mais tempo, além de as pessoas eventualmente terem pré-disposição de desenvolver síndromes gripais se não forem adotados os cuidados. São hipóteses que deixam o ambiente mais vulnerável — diz Vallandro.
Também é ressaltado o fato de que os trabalhadores atuam muito próximos uns dos outros nas linhas de produção, o que pode facilitar a transmissão.