O foco de coronavírus entre trabalhadores do frigorífico da JBS, na unidade de Passo Fundo, não é caso isolado no setor. Além desta unidade do norte gaúcho, que sofreu interdição total nesta sexta-feira (24), foram detectadas situações semelhantes de contaminação envolvendo outras marcas, em diferentes cidades e Estados.
Conforme levantamento do Ministério Público do Trabalho (MPT), grupos de funcionários testaram positivo em dois frigoríficos de Lajeado, o Minuano e a BRF. Ainda no Rio Grande do Sul, diz o MPT, houve detecção de positivos em unidades de Garibaldi, Marau e Serafina Corrêa.
Em Santa Catarina, a JBS teve diagnósticos de coronavírus em Ipumirim, enquanto a GTFoods se tornou foco em Paranavaí, no Paraná. No caso da GTFoods, o MPT acompanhou o caso e informou que a empresa concordou em paralisar suas atividades voluntariamente, por 14 dias, após três óbitos relacionados à covid-19, sendo dois funcionários e um familiar.
— Estávamos muito atentos ao setor dos frigoríficos porque os focos de contaminação já tinham acontecido em plantas nos Estados Unidos, tendo a necessidade de suspensão de atividades por lá. O que temos visto é que a aglomeração é uma característica do setor. É comum encontrar dois mil ou três mil trabalhadores por unidade. Eles atuam em conjunto, frequentam salas de pausa, refeitórios, vestiários, deslocamentos em ônibus. Todos esses pontos geram muitas aglomerações e isso facilita a transmissão mais rápida do coronavírus — avalia Priscila Schvarcz, procuradora do MPT e coordenadora do projeto de fiscalização de frigoríficos no Rio Grande do Sul.
Ela ainda relata ter verificado alguns problemas com máscaras nos locais de trabalho, com funcionários usando proteções simples de pano providenciadas por eles, sem a troca periódica do equipamento.
— Nas conversas que temos, as empresas têm batido muito na tecla de que o controle sanitário é muito rigoroso no setor e que não precisaria de medidas adicionais. Só que esse controle sanitário rigoroso é relacionado à qualidade do produto, não tem ligação com a covid-19 — diz a procuradora.
Professor de Infectologia da Faculdade de Medicina da UFRGS, Alexandre Zavascki aponta elementos característicos de frigoríficos que, para além das aglomerações, podem ajudar a explicar os focos verificados nas plantas do setor, que não paralisou atividades por ser uma produção alimentícia essencial.
— O vírus é expelido dentro de partículas de saliva ou secreções. Em ambiente normal de temperatura, a partícula evaporaria em algum tempo, e o vírus perderia sua viabilidade. Num ambiente de frigorífico, com trabalhadores em locais refrigerados, a partícula e o vírus podem se manter viáveis por muito mais tempo, é um ambiente de conservação. É o que eu diferenciaria de um frigorífico para outros ambientes de trabalho — aponta Zavascki.
A análise do especialista indica que eventuais gotículas expelidas sobre superfícies podem ter vida mais longa, com potencial para infectar trabalhadores a partir de toques manuais.
Presidente da Federação dos Trabalhadores das Indústrias de Alimentação do Rio Grande do Sul, Paulo Madeira diz que a situação considerada mais grave é a da JBS em Passo Fundo, unidade com 2.650 funcionários, mas salienta o espraiamento da infecção nas plantas: ele destaca que, nesta sexta-feira (24), foram descobertos novos casos em frigoríficos avícolas em Tapejara e Arroio do Meio.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), instituição que representa frigoríficos associados de aves e suínos, emitiu comunicado reforçando as medidas preventivas implementadas pelas empresas do setor.
"Antes mesmo do início da adoção da quarentena em vários Estados de todo o país, as empresas associadas adotaram medidas preventivas necessárias para proteger e prevenir, ao máximo, o risco nas unidades de produção", diz trecho da nota.
Confira abaixo a íntegra da nota da ABPA
"A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) informa que, juntamente com seus associados, está monitorando por meio de diversos comitês temáticos constituídos para o enfrentamento da crise de Covid-19, onde são definidos e constantemente atualizados protocolos para a preservação da saúde dos colaboradores e de todos os envolvidos no sistema produtivo.
Antes mesmo do início da adoção da quarentena em vários estados de todo o país, as empresas associadas adotaram medidas preventivas necessárias para proteger e prevenir, ao máximo, o risco nas unidades de produção.
Essas medidas incluem o imediato afastamento de todos os colaboradores identificados como grupo de risco (com idade acima de 60 anos, doenças pré-existentes e outros), a intensificação das ações de vigilância ativa nas unidades frigoríficas e monitoria da saúde dos trabalhadores (com a verificação constante de temperatura), entre outras iniciativas.
As empresas reforçaram todos os cuidados recomendados pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da Saúde – grande parte destes cuidados já eram rotina. E, de forma adicional, incluiu várias outras medidas preventivas, como, por exemplo:
- Aumento da rotina de higienização de todos os ambientes dentro e fora do frigorífico, como o transporte e outros;
- Adoção de medidas contra a aglomeração, com a redistribuição de horários de refeição e contratação de mais veículos de transporte;
- Monitoria constante do estado de saúde dos trabalhadores enquanto estão no espaço do frigorífico;
- Reforço nas orientações de cuidados para a saúde por meio de orientações diretas, folhetos e outras formas de comunicação interna.
O nosso setor faz parte do rol de atividades essenciais ao país. Para que possamos garantir a produção de alimentos seguros e a oferta de alimentos para a população, a saúde das equipes é prioridade indiscutível. Sabemos de nossa missão e trabalharemos para que não falte alimentos para as famílias de todo o país."