Wanderson de Oliveira, secretário de vigilância em saúde do Ministério da Saúde, alertou na quinta-feira que uma "tempestade perfeita" está se formando sobre o Brasil: as nuvens carregadas do novo coronavírus, que estarão se deslocando sobre o país com especial violência nas próximas semanas, vão colidir com as linhas de instabilidade trazidas por outras duas doenças, a dengue e a gripe.
— Teremos coronavírus, influenza e pico de dengue. Estamos com três epidemias simultâneas. Aproveitem que estão em casa e limpem o quintal, eliminem focos de dengue e vacinem-se conforme o calendário. Se faltou vacina, converse com o gestor e pergunte em que dia voltar — aconselhou Wanderson.
O mau tempo pode ser especialmente complicado para o Rio Grande do Sul, onde o inverno mais rigoroso favorece as doenças respiratórias, o que normalmente se traduz em incremento dos casos de gripe e, neste ano, possivelmente, também de contaminações pelo coronavírus.
No sul do Brasil, as infecções pelos vírus influenza costumam se elevar a partir de abril , o que vai coincidir com a multiplicação dos casos de coronavírus, de acordo com a previsão do ministério.
— Os próximos 30 dias serão a fase crítica , com aumento de casos. O número de casos vai depender da transmissão e do número de testes que vamos fazer. Não vamos fazer previsão de quantos casos, nem quantas mortes. Vamos fazer o possível para ter os menores números entre 30 e 60 dias — disse, referindo-se ao coronavírus, João Gabbardo, Secretário Executivo do Ministério da Saúde.
O que assusta as autoridades e os especialistas é que, por si só, o coronavírus já vai representar nos próximos meses um teste dificílimo para o sistema de saúde. A sobreposição com outras doenças pode tornar o quadro ainda mais dramático.
No que diz respeito ao Rio Grande do Sul, a dengue não é o foco das preocupações. Até 21 de março, foram 410 casos da doença confirmados no Estado, mas com o fim do verão há um declínio acentuado. Na regiões tropicais do país isso não acontece. Além de dividir a atenção dos profissionais de saúde com o corona, a dengue tem alguns sintomas comuns com a covid-19 (mialgia, dores no corpo e febre alta), o que pode atrapalhar o diagnóstico e atrasar o tratamento nessas regiões.
A semelhança de sintomas é ainda maior entre a covid-19 e a gripe. Alexandre Vargas Schwarzbold, presidente da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia (SRGI), prevê que as duas doenças atinjam o pico na segunda quinzena de abril em território gaúcha, o que colocará um obstáculo adicional diante dos médicos.
— Tudo leva a crer que a gripe vai vir com o frio, que está previsto para o final de abril. Analisando as curvas da epidemia de coronavírus, dá para dizer que vão coincidir. Isso vai dificultar o diagnóstico diferencial. Quando a gente sabe que é gripe, já começa a tratar com tamiflu. Com a presença do coronavírus, vamos ficar em dúvida se não é covid-19. Atrapalha a resposta — observa Schwarzbold.
Lessandra Michelin, infectologista e diretora da Sociedade Brasileira de Infectologia, observa que, além das infecções pelas diferentes cepas de influenza, a partir de abril e maio também aumentam entre os gaúchos infecções respiratórias bacterianas. Junto com o corona, seriam três elementos capazes de sobrecarregar sistema de saúde, especialmente a rede pública.
— A sobrecarga vai ser muito grande. O sistema não está preparado. Daí a importância de achatar a curva — diz a especialista.
Achatar a curva significa frear a velocidade de expansão do coronavírus, mediante medidas de etiqueta respiratória e de isolamento social. Se a estratégia é adotada, o novo vírus atinge menos pessoas, um número menor de doentes chega aos hospitais e mais mortes podem ser evitadas.
— Sem dúvida, vamos continuar a ter medidas de isolamento no inverno, principalmente no sul do Brasil. Mas acho que vai ser necessária uma adaptação, por causa da pressão econômica — observa Lessandra.
Não há uma projeção de quantos casos de gripe o Rio Grande do Sul ou o Brasil terão neste ano. Em 2019, o Estado somou 442 casos confirmados e 70 mortes. No cenário nacional, foram 1,1 mil óbitos. Não são cifras astronômicas, mas Lessandra observa que os casos computados referem-se só aos mais graves, que exigiram internação, representando portanto uma fração as pessoas infectadas.
— Não existe uma projeção do que vai acontecer. Normalmente, observamos o que se passou no inverno do Hemisfério Norte para ter uma ideia. Lá a maioria dos casos foi de coronavírus, e não há muitos relatos de co-infecção por influenza — diz ela.
Schwarzbold tem a expectativa de que a gripe não tenha tanta força neste inverno, justamente por causa da presença do coronavírus. Ele cita o exemplo dos Estados Unidos, onde o novo vírus chegou durante o inverno, em plena ação do influenza, fazendo-o declinar.
— Os vírus são organismos que se adaptam e competem pelo hospedeiro, que somos nós. Eles competem para ocupar um mesmo nicho ecológico. Por isso, como vai haver um grupo maior de pessoas com coronavírus, acredito que vai ocorrer uma diminuição de H1N1. O problema neste inverno não vai ser o H1N1, vai ser o coronavírus, até porque antecipamos a vacinação contra a gripe e temos um grande número de pessoas imunizadas — prevê.
Mesmo com o vírus da gripe agindo com menos intensidade, o infectologista entende que a sobreposição das duas doenças vai gerar um estresse extra sobre a rede de saúde. Por isso, os especialistas insistem que o máximo de pessoas deve tomar a vacina da gripe. Uma das vantagens da imunização é que, se alguém vacinado chegar a um hospital com sintomas de infecção respiratória, o médico terá elementos para concluir que se trata de uma infecção por corona, iniciando o tratamento para a covid-19, sem perder tempo com a hipótese de que seja influenza.
Conforme Tani Ranieri, chefe da Divisão Epidemiológica da Secretaria Estadual da Saúde (SES), ainda é desconhecida a forma como se comportarão os vírus da influenza e da covid-19 circulando juntos.
— O que sabemos é que qualquer coisa que atinja o sistema imunológico deixa o organismo mais frágil diante de outros vírus. Por isso temos uma preocupação muito grande em vacinar o público alvo da campanha da gripe, para criar o efeito rebanho e fazer com que a influenza circule menos — afirma Tani.
Gripe no Rio Grande do Sul
*até 25/11
Dengue no Rio Grande do Sul
*até 21 de março
FONTE: Secretaria Estadual da Saúde