
Solidariedade, capacidade de adaptação e criatividade são a chave para manter as engrenagens da economia girando em tempos de coronavírus. Mesmo com a manutenção da quarentena, economistas, representantes de entidades setoriais e empresários ouvidos por GaúchaZH são unânimes: é possível atenuar a crise desencadeada com a doença, e cada um de nós tem um papel nisso.
— Uma das formas de colaborar é redistribuir renda, e isso não depende apenas do governo. Muita gente está mantendo em dia o pagamento das diaristas, por exemplo. Eu estou, meus colegas estão. Nós seguimos recebendo salários. Se pararmos de pagar, vamos poupar algum dinheiro, mas esse não é o momento de fazer poupança. É o momento de usar a poupança. Como pessoa física, como cidadão, entender isso é o primeiro passo em direção à saída — sustenta Ely José de Mattos, professor de Economia da PUCRS.
A medida vale, também, para outros tipos de serviços, da academia aos cuidadores de idosos. Quem puder deve continuar pagando, porque essa é uma forma indireta de garantir poder de compra e de evitar o pior. Outra iniciativa válida é não deixar de adquirir produtos na padaria, na fruteira, no açougue e no mercadinho da esquina, que dependem do fluxo de caixa diário para não quebrar.
— Esses estabelecimentos naturalmente têm dificuldades maiores. Na Europa, existe um movimento muito forte para valorizar o comércio local. Isso já está arraigado lá e é benéfico para todos — ressalta Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre.
A preocupação com o segmento é tanta que levou o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) a reeditar a campanha Compre no Pequeno, que já havia aparecido na recessão de 2015.
— Além de ajudar esses empreendedores, comprar com eles vai ao encontro da estratégia de isolamento. Quando você faz isso no bairro, diminui a necessidade de grandes deslocamentos — sintetiza André Vanoni de Godoy, diretor-superintendente do Sebrae no Rio Grande Sul.
Se o consumidor deve fazer a sua parte, os donos de negócios também precisam agir, e rápido. Para sobreviver à quebradeira que se avizinha, a principal dica dos especialistas é adaptar-se aos novos tempos, a começar pelo atendimento online (que pode ser via WhatsApp, por exemplo) e pela adoção da telentrega sempre que possível. Oferecer descontos e outras vantagens também pode ajudar, tanto quanto a venda de "vale compras" que poderão ser descontados no futuro, quando tudo isso passar (veja os detalhes no fim do texto).
— Não vai ser fácil superar as dificuldades, mas, se todo mundo cooperar, a gente vai sair dessa — projeta Mattos.
A seguir, conheça três histórias de quem decidiu fazer a diferença e mudar o modelo de negócios para resistir aos efeitos da pandemia.
O restaurante que se adaptou à crise e transformou garçons em entregadores

Há quatro anos instalado no bairro Jardim Botânico, em Porto Alegre, o restaurante Empório Santa Fé teve de se adaptar para não parar em tempos de isolamento social. As mudanças incluíram a adoção do serviço de delivery e passaram, também, pelos garçons: dois deles se tornaram entregadores e, no lugar da bandeja, passaram a conduzir bicicletas.
— Começamos com serviço de take away, quando o cliente retira a refeição no local, mas, como vimos que muita gente estava com receio de sair de casa, adotamos também a telentrega. Foi a alternativa que encontramos para sobreviver. E, em vez de contratar um motoboy que não conhecíamos, achamos melhor chamar dois dos nossos garçons, que estavam em casa, parados. Eles conseguiram as bicicletas, e eu providenciei mochilas especiais para transportar a comida. Estamos torcendo para que a vizinhança não nos abandone — conta o gerente do estabelecimento, Endrigo Pinotti.
Para Maurício Oliveira Monteiro, 24 anos, e Ubirajara Vasconcelos Dalves, 27 anos, que acabaram assumindo as novas funções, a oportunidade é vista com alívio. O trabalho é dentro do próprio bairro e eles já são conhecidos dos clientes.
— De um jeito ou de outro, a gente tem de se adaptar. É melhor do que ficar sem serviço — resume Monteiro.
Da diarista ao motorista — a ajuda que cada um pode dar
Convicto de que cada um pode contribuir, de alguma forma, para reduzir o impacto da crise, o publicitário Fábio Bernardi, sócio da agência Morya, de Porto Alegre, publicou um apelo nas redes sociais:
A mensagem mereceu dezenas de curtidas e inspirou amigos e conhecidos a seguirem as palavras de Bernardi, que, no caso dele, se traduzem em ações concretas. Em razão da pandemia, o publicitário dispensou a faxineira, mas ela segue sendo remunerada. Por ter um filho pequeno, precisou manter a babá, então passou a bancar um motorista de aplicativo fixo para levar e trazer a funcionária todos os dias.
— Vivemos em cadeia. Cada uma das nossas decisões gera efeitos. Eu sou empresário, tenho 90 pessoas na agência. Todos estamos em home office desde o dia 16 de março. Para que os meus funcionários também tomassem a decisão de liberar suas diaristas e continuar pagando, compreendi que precisava garantir segurança a eles. É o que estou fazendo. Criar uma cadeia positiva é importante. Para mim, é fácil ficar em casa, mas e o cara lá na ponta? — questiona Bernardi.
As aulas de dança agora são online, e está tudo bem

Quando o coronavírus inviabilizou as aulas presenciais de dança, Ranieri Camargo e Daniela Jardim decidiram colocar em prática um plano antigo: oferecer sessões online para garantir que os alunos não ficassem parados — algo ainda mais importante desde que começou a quarentena. Os dois são professores e sócios da Red Dança e Comportamento, em Porto Alegre. Estão satisfeitos com os resultados.
— Era algo que a gente sempre quis fazer. Foi o empurrão que faltava. Com tudo o que está acontecendo, o que era para ser apenas uma alternativa virou a opção A. É uma forma de manter o vínculo com os alunos e de ajudar nesse momento de isolamento. Nosso foco é dança de salão, mas trabalhamos também com questões comportamentais e energéticas — diz Daniela.
A companhia aposta em dois formatos principais: aulas privadas, transmitidas ao vivo, voltadas para os alunos regularmente matriculados e aquilo que batizaram de Quarentena Red. São vídeos diários e gratuitos, publicados na internet, com dicas para quem quiser dar seus primeiros passos no bailado.
Para isso, improvisaram um estúdio e garantem que o retorno tem sido animador.
— Uma aluna comentou como estava sendo legal, porque ela mora sozinha. Assim, todos conseguem se ver. É uma forma de convivência também, que faz bem às pessoas — conclui Camargo.
DICAS PARA ATENUAR A CRISE
Confira as sugestões de André Vanoni de Godoy, diretor-superintendente do Sebrae no Rio Grande Sul, Ely José de Mattos, professor de Economia da PUCRS, e Oscar Frank, economista-chefe da CDL de Porto Alegre:
Se você é consumidor
- Se puder, continue pagando a pessoa responsável pela faxina, mesmo se ela não estiver trabalhando. O mesmo vale para babás, cuidadores de idosos e outros tipos de serviços fixos, que já estavam previstos no seu orçamento.
- Não deixe de fazer compras nos pequenos empreendimentos do seu bairro: o mercado da esquina, a fruteira, o açougue, a feira rural, a padaria. Lembre-se de que esses negócios não costumam ter margem financeira para resistir por muito tempo.
- Que tal variar o cardápio da quarentena? Peça comida no restaurante preferido.
Se você é empresário ou comerciante
- Adapte-se aos novos tempos. Adote atendimento virtual (pode ser via WhatsApp, caso não tenha site), telentrega e uso de aplicativos de delivery, se for o caso.
- Avalie oferecer descontos, bônus para quem seguir pagando pelo serviço e vale-compras que possam ser trocados no futuro.
- Corte despesas não essenciais e negocie prazo para pagamentos a fornecedores, credores e locatário (se o espaço for alugado)
- Não se afaste do cliente. Se o seu modelo de negócio não permite telentrega, mantenha algum tipo de contato para não ser esquecido.
- Procure orientação técnica. O Sebrae-RS oferece apoio por telefone (0800 570 0800, das 10h às 16h em dias úteis) e chat, no site da instituição, que lançou a campanha "Sebrae ao seu lado" justamente para ajudar com apoio referendado.