Cada esquina, casarão ou monumento de Jaguari rememora um passado distante. A ponte férrea, hoje raramente utilizada, e a estação desativada mostram como a cidade gaúcha foi importante ponto de parada de trens abarrotados no trajeto Santa Maria-São Borja até os anos 1980. As casas históricas e coloridas na avenida principal (hoje ocupadas por farmácias, financeiras e uma pousada) remontam à década de 1920. Era a época da emancipação, quando Jaguari tinha sete fábricas, que produziam de chapéu a cerveja e prometiam tempos de bonança – que não se perpetuaram.
Hoje, a cidade de 11 mil habitantes no centro-oeste do Rio Grande do Sul tenta embarcar em um novo ciclo de desenvolvimento, colocando parte de suas fichas no turismo. Às vésperas do centenário da emancipação, em 2020, ganhou um presente inesperado: recebeu durante o verão equipes da Rede Globo para a gravação de cenas da nova novela das nove, A Dona do Pedaço, de Walcyr Carrasco, que estreia nesta segunda-feira (20). Em posts nas redes sociais, atores como Juliana Paes e Marcos Palmeira – que fazem o par romântico, Maria da Paz e Amadeu – elogiaram a paisagem descampada e as belezas naturais. A aventura global já atrai turistas a uma propriedade privada e a uma antiga igreja no município ao lado, Nova Esperança do Sul. (A novela também teve cenas gravadas em São Gabriel, onde Juliana disse se sentir "como uma estrela de Hollywood", e em Jaguarão., onde a diretora Amora Mautner mostrou-se uma entusiasta do chimarrão.)
— A mídia que tivemos com a gravação e vamos ter com a novela será muito oportuna para mostrarmos as atrações da cidade — celebra o prefeito Beto Turchiello (MDB), que diz estar buscando R$ 1,5 milhão junto à Caixa e por emendas parlamentares para restaurar o patrimônio histórico de Jaguari.
A colonização italiana, iniciada em 1889, é a principal marca desse município localizado a 403 quilômetros de Porto Alegre. Fora da área urbana, o turismo rural oferece trilhas, cachoeiras e visita antigas colônias. Um roteiro que pode abrir um novo capítulo na história de Jaguari.
Jaguari – o “Rio do Jaguar” em tupi-guarani – é uma cidade que guarda nas estruturas históricas e nas belezas naturais dos cerros que a circundam as atrações para os turistas. Se você visitar a cidade no verão, poderá curtir o balneário que fica bem próximo ao centro da cidade. Trata-se de um espaço com churrasqueira, bar e guarda-vidas para curtir as águas do Rio Jaguari. Como a cidade também é famosa pelo Carnaval de rua – a população chega a triplicar no período –, essa pode ser uma boa ocasião para conhecer a região. O passeio pode ser complementado com uma visita à área colonial de Nova Esperança do Sul, com casarões de pedra erguidos pelos primeiros italianos na região.
Ponte Férrea
Inaugurada em 1935, tornou a cidade ponto estratégico no trajeto de trens entre São Borja e Santa Maria. Desde o final dos anos 1980, a via passou a ser subaproveitada e hoje está à mercê da grama alta e da degradação do tempo. A construção da estrutura em concreto e a bonita vista para o Rio Jaguari valem o passeio. A antiga estação, em um elegante prédio de meados do século 20, está abandonada. A prefeitura tem planos de recuperar a ponte e a estação.
Estrada do Piquiri
A 12 quilômetros do centro de Jaguari, percorrendo uma estrada de chão batido, chega-se à paisagem que deve ficar famosa. Uma estância na Estrada do Piquiri foi escolhida pela Globo por ter uma árvore isolada em seu centro, quase desprovida de folhagem. Em encontros secretos com a personagem de Juliana Paes, Marcos Palmeira fazia um trajeto de 100 metros a cavalo até chegar a seu refúgio romântico – que, para as gravações, foi enchido de feno.
— Passamos dois dias rodando pelo interior de Jaguari para encontrar uma propriedade que atendesse ao pedido da Globo, com uma árvore praticamente sem folhas e com muito espaço ao redor. Quando chegamos aqui, tivemos certeza de que era o que queriam — conta a secretária de Turismo da cidade, Heloísa Feliciani.
Não há estrutura de visitação na estância nem recepção. As fotos são tiradas da beira da estrada. Nas últimas semanas, há quem se aperte contra a cerca para uma selfie com a árvore ao fundo.
Igreja da Matriz
A primeira igreja de Jaguari recebeu melhorias recentemente, ganhando iluminação noturna e nova pintura. O belo templo de arquitetura barroca encanta não apenas pela fachada, mas também pelos afrescos internos e pelos murais, alguns de autoria do pintor gaúcho Aldo Locatelli (1915-1962), que esteve na cidade em mais de uma ocasião para participar de trabalhos de restauração. A igreja abre à tarde, inclusive nos finais de semana.
Obelisco
Instalada no ponto mais alto da cidade, essa estrutura foi inaugurada em 1922 em homenagem ao centenário da Independência do Brasil. Lá do alto, tem-se uma vista privilegiada de Jaguari e do rio que a serpenteia e carrega seu nome. Para chegar ao local, sobe-se um trecho de barro de 400 metros pela montanha íngreme. Os desafios são os de uma trilha, com o adicional da inclinação. A Secretaria do Turismo pretende asfaltar o trecho em breve.
Museu Municipal
Preserva a memória da cidade, com documentos e objetos das épocas da colonização e da urbanização. Alguns itens são valiosos para entender aqueles tempos, como ferramentas rústicas para o trabalho na terra e um documento original de autorização para guiar conduções de tração animal – a CNH das charretes, como brinca a diretora do museu, Ione Neu Acosta.
A instituição também tem uma pele de onça (que os indígenas chamavam de jaguar), espécie numerosa nas matas durante a colonização. A casa guarda urnas de barro indígenas encontradas em escavações, algumas usadas como depósitos de mortos, com ornamentos, e outras mais simples, provavelmente para carregar comida.
— As urnas reforçam a teoria de que índios tupis-guaranis viveram por longo período na região, junto com os jesuítas até o século 17 — explica Ione.
O museu funciona de segunda a sexta-feira, das 7h30min às 12h e das 13h às 16h30min. A entrada é gratuita.
Reserva Cerro Chapadão
Trata-se de uma reserva ambiental criada por um cidadão versado em filosofia, biologia e engenharia agronômica e com inclinações astrológicas. A área privada pertence a Juarez Gavioli e é aberta a visitas diárias ou pernoite em cabanas.
Na chegada, o visitante depara com uma mandala marcada no gramado, em alusão ao infinito. Diz Gavioli que quem percorre a mandala entra em uma realidade nova, apronta-se para mergulhar nas simbologias da natureza:
— A ideia da reserva é oferecer a conexão com o simples. As pessoas hoje só pensam em tecnologia e perderam esta noção.
Adentrando o terreno, o visitante passa pelo Banco Mágico, onde o proprietário garante que qualquer bate-papo tem o poder de resolver as piores angústias, e o Observatório Celeste, um recosto de madeira para ver as estrelas.
— É o melhor observatório do Estado — afirma o dono.
Quem vai ao local em busca do aroma do mato tem à disposição seis trilhas de diferentes extensões e dificuldades, além de uma piscina com água direto da vertente, açude para pescar, horta orgânica e pracinha. Tudo feito artesanalmente.
Para passar a noite, as opções são oito cabanas que têm na simplicidade a principal inspiração, com diárias a partir de R$ 120 – o alerta é que nem todos se sentirão à vontade nas rústicas acomodações. Reservas apenas por telefone: (55) 99963-6544 ou (55) 99925-5880.
Chácara Boa Vista
Situada em uma antiga colônia italiana de 25 hectares, a Chácara da Boa Vista mescla atrações religiosas – como uma gruta instalada dentro de uma pipa de vinho – com turismo de aventura e momentos valiosos para relaxar sob as sombras das nogueiras.
A maior parte dos visitantes são alunos de escolas da região, diz Gerson Dri, que toca o local ao lado do irmão, Gederson, mas cada vez mais eles recebem grupos de amigos ou casais de turistas que preenchem o dia com atividades como passeio a cavalo, trilha ecológica (800 metros, com direito a pausas para orientação ambiental), tiro com arco e flecha e jogos de futebol e vôlei. Neste ano, Gerson pretende inaugurar uma tirolesa, uma piscina e uma trilha de arvorismo.
A visita custa R$ 10 por pessoa, e se o grupo tiver mais de 10 visitantes pode-se combinar café da manhã ou almoço colonial, com uma cobrança adicional. Agendamentos pelo telefone (55) 99919-3737.
Um hotel de novela
Um espaço com o interior construído em madeira e decorado com motivos orientais foi onde a equipe da Globo se hospedou durante o período de gravação da novela. O Hotel Giardino Victtória é uma oásis luxuoso em Jaguari, com espaço para eventos e happy hour, piscina, salas de reunião e um saboroso café da manhã. As diárias variam de R$ 164 (em quarto de solteiro) a R$ 419 (suíte master ou quarto quádruplo conjugado).
Para comer e beber na região
São poucas as opções para provar a gastronomia típica italiana em Jaguari – os raros restaurantes na cidade vendem principalmente lanche ou comida caseira, e as casas coloniais carecem de estrutura para receber visitantes. Mas há duas boas dicas:
- Casa de Pedra: fica na estrada entre Jaguari e Nova Esperança do Sul e reúne produtos da região, como mel orgânico, biscoitos, mariola, figada, geleias, vinagre de mel e cucas.
- Cooperativa São José: na área urbana da cidade, em um casarão de pedra, produz o vinho Jaguari, com variedades de uvas finas e de mesa. Experimente o vinho branco da variedade Goethe (a R$ 15 no local), raro exemplar da uva americana no Brasil. A cooperativa também vende sucos e espumantes.
Conheça Nova Esperança do Sul, outra cidade do RS onde foram gravadas cenas de "A Dona do Pedaço"