Poderia ser o roteiro de uma aventura romântica digna de Hollywood, mas é a história de um casal de moradores da serra gaúcha que decidiu realizar o sonho cultivado desde 2009, quando ainda nem se conheciam.
Era madrugada de 13 de março de 2016 e, no meio da festa do próprio casamento, a engenheira de alimentos Vanessa Zandoná Sartori e o tecnólogo em automatização industrial Linho Bergamin despediram-se dos cerca de 450 convidados e partiram para uma lua de mel prolongada programada para terminar somente em janeiro de 2020. Se tudo sair como planejado, durante três anos e 10 meses, eles terão visitado 85 países em uma viagem que mistura 154 mil quilômetros de jipe, 30 mil quilômetros de mochilão e 800 quilômetros de caminhada nos cinco continentes.
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Em 2010, já pensando no projeto de uma longa viagem, Vanessa, pós-graduada em Controle de Qualidade, abriu uma consultoria e contratou uma pessoa para gerenciar a empresa de onde pudesse obter recursos para pagar as despesas, como as prestações do financiamento estudantil, enquanto estivesse fora. No mesmo ano, Bergamin, pós-graduado em Gestão Empresarial e funcionário há 16 anos de uma indústria em Caxias do Sul que fabrica equipamentos para procedimentos estéticos, apresentou aos chefes um projeto de uma viagem para 2016.
– Fizemos um plano de transição de trabalhos e deu supercerto – diz Bergamin.
Desde que partiram de Veranópolis, em março do ano passado, Vanessa e Bergamin já rodaram 54.348 quilômetros a bordo de Imperfeição, como batizaram o jipe 1946 que os transporta. Os primeiros nove meses representam 25% do percurso total até 2020.
Nos primeiros 55 dias, percorreram América do Sul pela costa do Pacífico, em uma rota que incluiu Argentina, Chile, Peru, Equador e Colômbia. Depois, durante 28 dias, cruzaram o Canal do Panamá e seguiram por Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala e Belize. Na América do Norte, por 193 dias, passaram por México, Estados Unidos, Canadá e Alasca, o maior dos 50 Estados em extensão territorial, que faz fronteira somente com o Canadá.
– Vimos oito auroras boreais. É a coisa mais linda aquelas luzes coloridas no céu – descreve Bergamin, empolgado com a experiência.
Antes de deixarem o carro no Porto de Brunswick, na Flórida, em 5 de dezembro, para ser embarcado em um navio para a África do Sul, cruzaram os Estados Unidos de leste a oeste duas vezes. Em dezembro, retornaram ao Brasil de avião e retomam a viagem em fevereiro, a partir da África.
Nos primeiros nove meses de viagem, as despesas já somaram em torno de R$ 100 mil. Boa parte desse valor foi obtida em forma de presente no casamento e por meio de ações como jantares promovidos antes de partirem. Vanessa também vendeu o carro. Eles ainda conseguiram apoio financeiro com algumas empresas parceiras. Cerca de R$ 40 mil foram puxados do próprio bolso do casal.
Cada detalhe da aventura ao redor do globo é minuciosamente registrado em uma planilha salva em cinco back ups diferentes. O arquivo guarda tudo o que se possa imaginar a respeito da trip: quilometragem diária, média percorrida por dia, consumo de combustível, gastos com alimentação, material de viagem, saúde.
Antes de partirem de Veranópolis, o casal colocou como meta o gasto máximo de US$ 100 diários e, segundo eles, a primeira etapa terminou abaixo do orçamento, com US$ 98 por dia.
A Imperfeição
Adquirido por Bergamin em 2011, o Jeep SW 1946 é quase um terceiro personagem da volta ao mundo. Por cinco anos, o veículo foi preparado por Bergamin para a viagem dos sonhos do casal.
– Comprei a carcaça e fui montando nos finais de semana: parte mecânica, chassis, suspensão, motor, caixa, diferencial. Tudo o que podia ser feito eu fiz – conta o aventureiro.
O veículo é equipado com geladeira – que, dependendo da regulagem, funciona como freezer –, mesa, armários, cadeiras, panelas, forno elétrico e armários para mantimentos e roupa. Bergamin garante que, entre camisetas e calças, não passam de 10 peças, além de meias e roupas íntimas. Vanessa leva um pouco mais, mas não muito.
As portas traseiras foram adaptadas e receberam um fogão a gás com três queimadores e uma pia. Na parte superior, foram instaladas duas caixas d'água: uma com capacidade para 50 litros de água não potável, para uso geral, e outra de 20 litros, própria para o consumo. Também no teto está a barraca, onde o casal dormiu em 74% das noites.
– Em cinco meses nos EUA, Canadá e Alasca, dormimos apenas três noites em hotel. Uma vez, no Novo México, porque era meu aniversário, e daí foi meu presente (risos). Outra, em Phoenix, no Arizona, porque estava 48°C e era impossível dormir na barraca, e a última, em Jacksonville, na Flórida, porque já tínhamos entregado a caminhonete no porto, em dezembro, e não tínhamos a opção da barraca. Claro que nesse meio tempo pegamos campings pagos, quando precisava de lavanderia ou de alguma estrutura – explica Vanessa.
Combate à tristeza na África
A volta ao mundo do casal será retomada na quarta-feira, quando eles partem de Durban, na África do Sul, para percorrer o lado leste do continente africano até pelo menos novembro, rumo à Europa. Na África, planejam desenvolver um projeto que batizaram de Combate à Tristeza por onde passarem.
– Queremos buscar nas cidades oportunidades para, por exemplo, visitar uma tribo, levar uma bola de futebol, brinquedos, fazer uma refeição e servir para a comunidade, mostrar um filme. Vamos com o intuito de ajudar com pequenos gestos, atitudes e experiências – exemplifica ele.
Para colocar a ideia em prática, no período em que voltaram para o Brasil, contataram empresas que os apoiaram financeiramente.
Enquanto, nas Américas, a distância média percorrida diariamente foi de 198 quilômetros, na África deve ficar próxima dos 130, em razão da qualidade das estradas ser menor e pelo fato de eles preverem ficar mais tempo em cada lugar.
Em novembro deste ano, Vanessa e Bergamin devem chegar a Santiago de Compostela, Espanha, onde deixarão o veículo e farão, por aproximadamente 30 dias, a tradicional caminhada.
No primeiro semestre de 2018, período que compreende o inverno europeu, os aventureiros mapeiam o sul da Europa e, em junho, chegam à Rússia, país que sediará a Copa do Mundo.
– Vamos seguir a Seleção Brasileira nas cidades onde ela jogar – antecipa Bergamin.
Depois da Copa, deixam o jipe na capital russa, Moscou, e partem de avião para Dubai, nos Emirados Árabes. Em seguida, também de avião, vão a Mumbai, na Índia, de onde saem para um mochilão pelo sul da Ásia (Índia, Nepal, Butão, Myanmar, Tailândia, Vietnã, Laos e China). O mochilão foi a opção em função da burocracia para obter a permissão para dirigir, especialmente na China, incluindo a exigência de placas chinesas no automóvel, o que seria inviável, e presença constante de um guia local, aumentando os custos.
Da capital chinesa, Pequim, o casal retornará a Moscou de avião para recuperar o automóvel e seguir até Vladivostok pelos mais de 9 mil quilômetros da Transiberiana.
Em Vladivostok, o jipe será embarcado em um navio para um trajeto de cerca de um mês até Santiago, no Chile. Enquanto Imperfeição cruza o Pacífico, o casal visita Coreia do Sul e Austrália. Em janeiro de 2020, resgatam o carro no Chile e, antes de retornarem à Serra, percorrem o extremo sul da América do Sul com outros amigos jipeiros.