As ladeiras de Valparaíso, no Chile, são cobertas de casinhas coloridas. As ruas de pedra, um verdadeiro labirinto. Os Andes se descortinam à distância e o Oceano Pacífico brilha.
Apreciando a bela vista da sacada do Hotel Palacio Astoreca, minha irmã, Aditi, e eu pensávamos em como passar os últimos dias na cidade, e a lista de programas imperdíveis era longa: vários museus pequenos, novas galerias de arte, o centro histórico que está passando por uma reforma impressionante, restaurantes convidativos e o bairro cheio de vida do porto.
Havia várias opções interessantes durante a nossa visita, no início de março, mas a verdade é que não faz muito tempo que a cidade, que fica a cerca de 1h30min hora a noroeste de Santiago e tem por volta de 300 mil habitantes, era uma metrópole árida sem nem metade das atrações de agora.
- Finalmente Valparaíso está ganhando uma segunda chance - disse Stephanie Carmody, de 30 anos, a nossa guia do dia que, como todos que nasceram ali, são chamados de porteños. - O que vocês veem é bem diferente do que era.
A cidade se reergueu graças a uma iniciativa ambiciosa do governo e do setor privado, e o resultado é um destino que mescla história, arte, cultura e uma cena gastronômica vibrante, tudo sob paisagens dignas de cartão postal sempre banhadas pelo sol.
Há apenas uma década, Valpo, como os nativos a chamam, era dominada por prédios decadentes e mal cuidados. As ruas esburacadas, com pedras soltas, se estendiam pelas colinas da região chamada Cerros e a área plana chamada El Plan. Os monumentos culturais estavam se desintegrando ou tinham sido fechados, e as escolhas de acomodações e restaurantes eram escassas.
Foi um declínio e tanto para um lugar que já tinha sido o principal porto do Pacífico no século XIX e um dos mais ricos do mundo - e a cidade começava a se beneficiar disso quando a rota comercial se mudou para o Canal do Panamá, no início do século XX. O resultado foi que ela caiu e viveu no abandono por mais de 50 anos.
O ressurgimento começou em 2003, quando a Unesco declarou o centro da cidade, que inclui El Plan e uma parte de Cerros, Patrimônio da Humanidade. O governo local começou a reconhecer seu charme e sua história rica, mas só sete anos depois encontrou uma forma de dar a volta por cima: com uma iniciativa de desenvolvimento turístico chamada Plan Rumbo, em 2010, que deve ser concluída em 2015 - embora a maioria de suas metas já tenha sido alcançada, segundo Milos Miskovic, secretário municipal de turismo.
Plano de U$ 75 bilhões financiou a recuperação
Os US$ 75 milhões do Programa de Desenvolvimento Urbano e Recuperação de Valparaíso, implantado de 2006 a 2012, também foram um fator significante na virada. Estabelecido em parceria com a Corfo, agência governamental que apoia o crescimento econômico, e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, uma das maiores fontes de financiamento da América Latina, sua medida mais agressiva era recuperar o visual da Valparaíso de outrora, que os visitantes podiam conferir enquanto exploravam suas ruazinhas sinuosas. Ruas e calçadas foram recapeadas, as pedras quebradas foram recuperadas e dezenas de prédios, a maioria na área histórica, foram reformados. As casas ganharam tons vivos de vermelho, amarelo, azul e lilás.
(Victor Ruiz Caballero/NYTNS) Antiga prisão se tornou um centro cultural (na foto, atores encenam peça)
Parte da iniciativa incluiu também reparar os monumentos culturais. O Museu de Belas Artes, por exemplo, reabriu em setembro passado depois de permanecer 15 anos fechado. Instalado em uma mansão do início do século 20, o espaço de dois andares tem mais de 200 pinturas de artistas chilenos e europeus, incluindo o impressionista francês Eugène-Louis Boudin. A própria construção, com pilares entalhados e lareiras de mármore, foi reformada com mais de US$ 4 milhões de um financiamento do banco de desenvolvimento.
Outra prioridade: novas atrações culturais. Um museu de instrumentos musicais e uma série de galerias de arte foram inaugurados em anos recentes, mas, mais importante, um grande centro cultural foi aberto, em 2012, na antiga prisão em que ficaram os dissidentes da ditadura do General Augusto Pinochet. O complexo possui um espaço para apresentações teatrais e de dança e as mostras de arte contemporânea acontecem em celas que ainda mantêm as barras de ferro intactas.
Novos restaurantes e hotéis à mancheia
Nem tudo que é novo em Valparaíso está ligado ao turismo e/ou aos programas de recuperação, mas acabaram levando a outros projetos de financiamento público e privado. Miskovic calcula que mais de 50 restaurantes e 20 hotéis boutique tenham sido inaugurados desde o início do Plan Rumbo, a maioria em Cerro Alegre.
O próprio Hotel Palacio Astoreca fica em uma antiga mansão e foi inaugurado em setembro, depois de uma reforma cuidadosa, como uma acomodação luxuosa de 23 quartos. Vincent Juillerat, de 42 anos, suíço que vive em Paris e é dono do hotel com a mulher chilena, disse que conheceu a cidade quando era mochileiro, aos 20 anos, e que, apesar da sujeira, ficou fascinado por sua história e por suas ruelas. Em uma outra visita, há três anos, ele descobriu a mansão decadente.
- Eu me lembrei da primeira viagem e do fato de, mesmo estando com o orçamento limitadíssimo, não encontrava lugar para ficar - conta ele, por telefone, de sua casa na França.
- Senti que a oportunidade era boa e, com as mudanças que começavam a ocorrer na cidade, a hora era ideal.
(Victor Ruiz Caballero/NYTNS) O restaurante Alegre é pilotado por um chef que trabalhou em casas de destaque em Madri e em Mônaco
O restaurante Alegre, que é um dos mais concorridos da cidade, fica ao lado do hotel. Sergio Barroso, de 28 anos, é o chef que já trabalhou em várias casas de destaque por toda a Europa, incluindo El Bulli na Espanha e, mais recentemente, o Monte-Carlo Beach Club de Mônaco, antes de se mudar para o Chile - e ficou apaixonado por Valparaíso em função de seu potencial.
- Havia vários restaurantes tradicionais, mas eu queria oferecer algo inovador, que surpreendesse o público - explicou.
Como descobrimos no jantar uma noite, suas versões para os pratos chilenos são mesmo para lá de criativas. Nossa refeição começou com biscoitos de arroz e gergelim preto com pasta de amendoim temperada com merkén, mistura local de pimentas e temperos. Depois do salmão marinado em óleo defumado e servido em leite de amêndoa, veio a garoupa acompanhada com pedacinhos minúsculos de lula que, à primeira vista, pareciam até grãos de milho.
Número de turistas dobrou em dois anos
A recuperação da cidade parece atrair multidões: segundo Miskovic, o número de turistas em 2012 dobrou em apenas dois anos, para 120 mil, dos 60 mil de 2010.
Com a exceção de alguns andaimes aqui e ali, a reinvenção da cidade parece completa, mas os porteños garantem que vem mais por aí. Diretor do Museu de Belas Artes, Carlos Lastarria mostrou-nos o terreno ao lado da mansão que vai se tornar um jardim de mais de 600 metros quadrados repleto de rosas. Sidhartha Corvalán, que dirige o centro cultural, disse que um restaurante, um café e várias lojas devem abrir ali ainda este ano. Miskovic revelou que a construção de um calçadão ao longo da costa está programada para breve.
(Victor Ruiz Caballero/NYTNS) Galeria de arte no bairro Cerro Polanco, lugar ainda evitado pelos visitantes devido ao passado violento
No nosso último dia em Valparaíso, Stephanie, a nossa guia, levou-nos ao bairro de Cerro Polanco, decrépito e meio deserto, onde a secretaria municipal tinha financiado um evento de grafite de rua no ano passado para ajudar a levantar a região. Quase 40 artistas de todo o continente foram convidados a criar murais usando as casas decadentes como telas.
Ao caminharmos pelas ruas do bairro, percebemos que éramos as únicas pessoas a admirar a mostra. Era difícil entender por que um lugar tão interessante estava vazio.
- O pessoal ainda tem medo de vir por causa da antiga fama de violência do lugar. Mas, do jeito que Valpo está mudando, nem esse bairro, nem o resto da cidade, vão continuar tranquilos por muito tempo - disse Stephanie.