Há algumas coisas na vida que você deve fazer apenas uma vez. Para mim, uma delas foi ter viajado de ônibus nos Estados Unidos. Atravessei cinco Estados com um pinga-pinga. Do Kansas (onde morava) até Nova York (onde passaria o Natal e Ano-Novo), a viagem levou 37 horas. E aí você pensa que já teve sua cota de indiada. Só que não. Porque você e seus amigos decidem passar o Réveillon na Times Square. Vocês e muitos milhões de pessoas.
Nós estávamos empolgadíssimos com a ideia de fechar nosso intercâmbio de um ano com chave de ouro e ver a bola cair na Times Square. Mas ver a bola cair não foi como a gente imaginou. Começamos colocando grande parte das roupas de inverno e fomos até a Times Square às 17h de 31 de dezembro de 2012. Cinco da tarde pareceu um horário razoável. Não era.
Quando a gente chegou lá, a cena era de Titanic na hora em que trancam as portas para a terceira classe não subir ao convés. Todas as ruas que davam na Times Square estavam fechadas. E os policiais gritando: move ooon, move ooon guys. Chegamos à Rua 52, onde disseram que dava para entrar. Tinha tanta gente que eu não conseguiria nem dimensionar. E uma fila.
Nesse momento, começamos a ser "brasileiros" . Nos metemos no começo da fila e entramos, fingindo não entender inglês, quando a galera começou a gritar "There is a lineee, is a liiineeeeee". Eu sei, horrível, mas vocês têm que entender que a gente queria muito ver a tal bola. Só que o universo nos castigou e, quando os policiais tiraram cavaletes na esquina e começamos a entrar, toda a galera de trás começou a empurrar. Não tinha nem como sair. Nem como desmaiar. Se eu morresse lá, meu corpo teria sido levado pela multidão.
Depois que passou a parte da empurração, chegamos no lugar determinado pelos policiais. Horrível! Não apenas não víamos a bola, como não víamos nem o prédio onde ela estava. Contrariando nossas expectativas, não havia telões! Conseguimos driblar os policiais e chegamos até a rua 50, a nove blocos do prédio onde tudo ia acontecer. Breves minutos de felicidade. Até nos abraçamos. Só que a felicidade durou pouco, e o frio começou a bater. Tentamos sentar no chão, encostando as costas um no outro, fazendo uma pirâmide humana de calor. Aguentamos por duas horas.
Ao todo, foram seis horas de frio - e de muitas privações. Quando deu meia-noite, a bola desceu, mas foi super rápido. E ela desce a apaga. "É só isso?". Teve uns fogos de artifício, mas nada do que achávamos. E acabou. Passamos horas de frio, xingamentos, privação e não valeu a pena.
Valeu só por duas coisas: para poder escrever esse texto e dizer que passar o Réveillon na Times Square é uma péssima ideia e para contar para os meus filhos e netos que, quando tinha 25 anos, eu e mais sete amigos sofremos um calvário para poucos segundos de emoção. Nos tiraram comida, bebida e banheiro. Mas essa história, pelo menos, ninguém nunca vai poder nos tirar.
*Valquíria Vita, jornalista e autora do blog 500 Days of Winter