Meus pais repetem o mesmo ritual todas as vezes que viajam, não importa se vão a Paris, San Francisco ou Havana: eles sempre conhecem a parte judaica da cidade. Vão ao templo, visitam os judeus do local, fazem uma doação. Essa é maneira que encontraram de se conectar com a tradição e de mostrar solidariedade.
Ao longo dos anos, sempre brinquei com eles por conta desse costume. Quem os indicou para o cargo de cronistas dos judeus mundiais? Ainda assim, quanto mais velha fico, mais me vejo seguindo seus passos.
Por isso, quando estive recentemente em Roma e ouvi falar de um pequeno vilarejo medieval na Toscana chamado Pitigliano (conhecido como La Piccola Gerusalemme, ou A Pequena Jerusalém), quis conhecer o local. Meu plano era o de passar o dia nessa cidade murada da região de Maremma, na província de Grosseto, cerca de 170 quilômetros a nordeste de Roma.
Pitigliano é praticamente livre de turistas - recebe apenas cerca de 25 mil pessoas ao ano, boa parte das quais deseja explorar a tradição judaica da cidade ou desfrutar das inacreditáveis belezas do vilarejo italiano.
Enquanto dirigia pelas ruas largas que levavam até a cidade montanhosa, 313 metros acima do nível do mar, lembrei-me da primeira vez em que vi Jerusalém. Com seus parapeitos, telhados de telha de barro e casas empoleiradas em várias camadas de pedra vulcânica vermelha, Pitigliano se parece com uma brilhante versão em miniatura da Cidade Santa.
O vilarejo criado pelos etruscos já foi o lar de uma grande população de judeus, que se instalou ali no início do século 16. Quase todos vieram da região de Lazio, que fazia fronteira com os antissemíticos Estados Romanos Papais, que, de tempos em tempos, expulsavam os judeus.
fotos: KATHRYN REAM COOK / NYTNS
Elena Servi, de 82 anos, é uma das guardiãs da história judaica de Pitigliano
Convivência pacífica
Em Pitigliano, conheci a guia Rafaella Agresti. Juntas, passamos pelo portão medieval e entramos na cidade velha, onde vimos o Palácio Orsini, uma fortaleza do século 14 transformada em museu, e a Igreja de San Rocco, que é mais antiga. Os remanescentes do aqueduto construído no século 17 pela família Médici ainda passam pela cidade.
Enquanto andávamos pelas ruas estreitas, Rafaella me contou que judeus e cristãos conviviam pacificamente em Pitigliano. No século 16, o vilarejo era comandado pelo conde Niccolo Orsini IV, membro da família feudal Orsini, e era um feudo independente. Ainda que fosse católico, o conde acreditava que judeus, em sua maioria banqueiros e artesãos, poderiam ajudar a revitalizar a defasada economia de Pitigliano. Portanto, enquanto os judeus que viviam na Úmbria e em Lazio eram aprisionados e exilados, em Pitigliano trabalhavam como carpinteiros, sapateiros e alfaiates.
Influência mútua
Atualmente, a comunidade de judeus conta apenas com Elena, o filho, um sobrinho e três netos, mas a influência judaica na cidade é óbvia. Os sfratti - palitos recheados com nozes, mel, noz-moscada e casca de laranja - são típicos do local. "Sfratti" vem de "sfratto", que significa "despejo" em italiano. Reza a lenda que a polícia batia nos judeus com cassetetes enquanto os colocavam nos guetos; mas os judeus transformaram a dor em um doce.
Palavras hebraicas passaram a fazer parte do dialeto local. Em Pitigliano, "gadol", a palavra hebraica para "grande", transformou-se em "gadollo". "Kasher", uma variante de "kosher", significa algo como "legal", ou "ok". A cultura não judaica também influenciou os judeus, especialmente no cemitério escondido em um bosque de ciprestes. Pode-se agendar uma visita por meio da Associação Pequena Jerusalém. Alguns dos túmulos têm monumentos com anjos e estátuas de moças jovens - conforme o costume cristão de "dar um rosto à dor", nas palavras de Elena Servi.
Testemunho da guerra
Em 1938, quando as leis raciais fascistas entraram em vigor, apenas 60 famílias de judeus viviam em Pitigliano, entre as quais a de Elena Servi. Aos 82 anos, ela dedicou a vida a preservar e restaurar a história judaica de sua cidade natal. Eu estava ansiosa para conhecê-la na Associação Pequena Jerusalém, uma organização cultural que inclui 150 judeus e não judeus de todo o planeta. Elena fundou a associação em 1996 com o filho Enrico Spizzichino, dentro de uma série de prédios interconectados que abrigam, entre outras coisas, o Museu Judaico de Cultura.
Rafaella e eu passamos por baixo de um arco com uma placa em forma de meia lua que dizia: "La Piccola Gerusalemme: Antico Quartiere Ebraico" (Velho Bairro Judeu).
Elena contou que só sobreviveu à II Guerra Mundial porque fazendeiros católicos do vale protegeram ela e sua família dos alemães e porque se esconderam em uma caverna enquanto os vizinhos levavam água e comida. Quando saíram do esconderijo, apenas 30 famílias de judeus haviam ficado em Pitigliano.
Gente acolhedora
O bairro judeu é pequeno como o resto do vilarejo. Três horas foram o suficiente para passear pelo gueto e pelo labirinto de ruas, escadas largas, piazzas e lojas. Em cinco minutos, já estava perdida, adorando tudo aquilo.
Como bons italianos, os moradores eram acolhedoras e sempre estavam dispostas a sorrir e acenar. Homens sentados em bancos bebiam o vinho que produziam nas próprias adegas. Com um sorriso no rosto, me ofereceram um gole e eu aceitei. Cada rua e viela acabava com a espetacular vista das montanhas salpicadas de oliveiras, nogueiras, carvalhos e pinheiros. A região é repleta de túneis e cavernas cavados na pedra vulcânica, conhecidos como Vie Caves (ou caminhos etruscos).
Antes de ir embora, fiz o que meus pais sempre fazem quando viajam - uma pequena doação para a Associação Pequena Jerusalém.