Meu irmão se casou na terra de São Francisco de Assis. Na mesma ruela estreita por onde o mais italiano dos santos católicos caminhava e pregava o desapego aos bens materiais há 800 anos, meu irmão e minha cunhada renunciaram à vida de solteiros.
O cenário medieval escolhido para o ritual de passagem sonorizado pelo embalo de flauta, clarinete e bandolim nos transportou no tempo naquele verão europeu de 2011. Um conjunto medieval conduzia amigos e familiares pelas ruelas estreitas e sinuosas da cidadela até o local da celebração do sim, a sala de relíquias onde reside o hábito do santo conservado em redoma de vidro.
Mas Assis é uma cidade do seu tempo. Erguida no Velho Mundo, parece resistir a se adaptar à evolução social na infraestrutura e nos costumes. Construída no topo de uma montanha, na sua maior parte com edificações em pedra, não convive em harmonia com os veículos motorizados.
Desavisada, aluguei um carro em Roma e percorri 200 quilômetros de uma autoestrada muito bem conservada, sinalizada e pedagiada. A viagem foi tranquila até chegar à região da Umbria, província de Perugia. Na montanha, carros não têm vagas para estacionar e nem espaço para ir e vir. Se subir por um lado, a descida é obrigatoriamente pelo outro. Os motorizados sabem, Assis tem mão única. Estacionei apenas uma vez.
Com o legado franciscano vivo a cada imagem sacra decorativa em afrescos religiosos, casas e comércio, o melhor da cidade está no acolhimento das pessoas. A simplicidade se revela no sorriso dos moradores, na cortesia dos vendedores de lojinhas de suvenires ou no carisma dos religiosos trajados de batina a circular com naturalidade.
A riqueza de espírito destes italianos anfitriões ultrapassa o "ciao" e "buon giorno". A cada conversa amistosa, a expressão "auguri, auguri", usada para desejar coisas boas, parece transformar todos os dias em uma data tão especial quanto a de um casamento. O do meu irmão, ministrado em português pelo único brasileiro entre os 70 freis franciscanos, sintetizou a vocação da cidade de bem receber.
A cerimônia privada foi assistida por familiares e amigos, mas, depois da troca de alianças, a festa seguiu pelas ruas. Os moradores se misturaram aos convidados em uma trilha de música, dança, amor e doação. E se Assis insiste em não se render à vida moderna, certamente é porque na preservação deste passado reside um significado. Como diz a oração de São Francisco, melhor compreender do que ser compreendido.