Acordo com o coaxar dos sapos.
A palafita está num alagadiço, péssimo lugar para uma casa; ótimo ambiente para as pererecas fazerem seus ninhos. Como peixe frito, banana verde cozida e macaxeira, preparados pela mulher do caboclo que me acompanhará até a próxima aldeia indígena.
Embarcamos numa ubá.
Em minutos estamos em meio à laguna, entrando numa área repleta de vitórias-régias. Pequenas jaçanãs e enormes anhumas caminham tranquilamente sobre os tufos de gramíneas. As garças descansam imóveis sobre um único pé, alheias às cobras-d'água.
Seguimos entre enormes árvores, muitas com seus caules encobertos por cerca de um metro de água. Para prevenir a saturação, os troncos são envoltos por camadas espessas de cortiça. Nas copas: araras, papagaios, gaviões e tucanos.
Por sorte, começa a chover.
Navegar numa rústica e frágil canoa pela imensidão sem fim da floresta, sob chuva tropical, é um dos momentos mais bonitos das minhas expedições. A névoa formada pelo aguaceiro e as árvores retorcidas refletidas na água são pura magia.
Entramos no rio, onde as águas paradas se transformam em correnteza, e a densa floresta abre um risco de claridade sobre nossas cabeças. Os pássaros se encolhem nos galhos para se protegerem da chuva, os jacarés permanecem estáticos nas margens. Avistamos uma lontra. Recolhemos os remos e passamos sem assustá-la.
Continuamos a pé.
Um bicho-pau salta em direção ao meu rosto, dando-me um pequeno susto. Imitando o ambiente, eu não havia notado a camuflagem do inseto. Precisarei tomar cuidado para não causar mal aos pequenos animais. Muitos deles passam toda uma vida sem descerem ao chão, ou sem subirem numa árvore.
As sumaúmas estão cobertas de parasitas, especialmente o mata-pau, que brota nas forquilhas e se lança em direção ao chão. Alguns são tão grossos que deformam a hospedeira. Mas não são inúteis; nada é inútil na Amazônia: sua resina é usada pelas índias grávidas para evitar rachaduras nos bicos dos seios.
Tenho cuidado especial com as bromélias, suas folhas serrilhadas podem me ferir. Conhecidas no Rio Grande do Sul como gravatá, as espécies amazônicas se diferenciam das gaúchas por terem a face inferior avermelhada. Orquídeas enfeitam troncos cobertos de musgos. Suas flores coloridas salpicam o verde com os mais variados tons, bordando as delicadas rendas formadas pelas samambaias.
O solo está coberto por uma entroncada vegetação rasteira, dificultando nosso avanço. Embrenhamo-nos em cipós, tropeçamos nas raízes descobertas; afundamos os pés na maciez da espessa camada de folhas mortas e pequenos animais vivos que formam o chão da floresta.
Chegamos à aldeia.
O pajé me pinta o rosto com urucum, sinal de boas-vindas. O cacique me dá uma zarabatana e manda atirar numa árvore. Segundo a tradição da tribo, se eu errar três vezes deverei casar com uma índia e ficar morando na aldeia.
Tiro certeiro!
Um índio me levará, numa veloz piroga, ao próximo povoado ribeirinho, para eu seguir a travessia nos barcos que descem o Amazonas.
Sete razões para a Amazônia ser uma das 7 Maravilhas da Natureza
1. Os índios brasileiros
A maior parte das terras indígenas brasileiras está na Amazônia, onde vivem 200 mil nativos, concentrando as 180 línguas faladas pelas 206 etnias remanescentes. Dessas, 110 contêm menos de 400 indivíduos. Mesmo assim, essa pequena quantidade de índios, comparada aos 6 milhões existentes em 1500, sobreviveu porque migrou para as partes mais remotas da floresta, longe das margens dos rios, local preferido pelos imigrantes europeus.
A única grande nação remanescente nas proximidades de um grande rio é a dos ticuna.
2. O caboclo
O caboclo ribeirinho, mestiçagem do índio com o nordestino que migrou para trabalhar nas seringueiras, adaptou-se bem à floresta. Suas casas, construídas sobre grossas toras de madeira seca, flutuam durante o sobe-e-desce das águas, acompanhando o nível do rio. Presas às portas das moradias, as ubás estão à mão para os deslocamentos pela floresta. Também os currais, conhecidos por marombas, boiam com as vacas, galinhas e porcos a salvo das enchentes.
O caboclo navega pelo rio, laça as touceiras de gramíneas descendo a correnteza e as arrasta para servir de pasto aos animais. Casas, galpões e marombas estão amarrados às grossas árvores, caso contrário seriam levadas pelo aguaceiro. Em nenhum lugar do mundo encontrei tanta fartura de alimento.
3. A flora
Cada hectare tem 300 espécies diferentes de plantas, fruto da intensa umidade e do clima quente. Oitenta por cento delas são endêmicas da região, a maioria frutífera. Árvores milenares sobrevivem às inundações, aos ataques dos fungos e ao abraço mortal dos cipós. Têm sistemas de defesa, como espinhos, pêlos, resinas e substâncias venenosas, além de renovar os troncos comidos pelos insetos.
As que ficam submersas a maior parte do ano têm as folhas cobertas por cutículas impermeabilizantes que voltam a funcionar tão logo baixe o nível das águas. Como o solo é pobre em nutrientes, servindo mais para fixar as raízes do que fonte de vida, as plantas são obrigadas a retirarem o sustento do húmus formado pelas matérias em decomposição.
4. Os gigantes da floresta
A sumaúma é a maior árvore da Amazônia. Também conhecida como paina-lisa, pode atingir 80 metros de altura. Seu domo parece um guarda-sol gigante cobrindo a floresta. O tronco tem muitas raízes, escoras necessárias a sua estabilidade.
A andiroba chega a 30 metros de altura, com troncos protegidos por uma grossa casca e ultrapassando um metro de diâmetro. Os índios queimam o bagaço do fruto para espantar os mosquitos, pois a fumaça serve como repelente.
O ipê-amarelo, árvore símbolo do Brasil, pode atingir 20 metros de altura. Embora característico da floresta tropical, ele pode ser encontrado em matas secundárias, nos solos bem drenados, espalhando-se por quase todo o país, de Goiás ao Rio Grande do Sul.
5. A fauna
Cerca de 80% da biomassa da fauna amazônica é representada por insetos. Em cada hectare vivem 8 milhões de formigas e 1 milhão de cupins. Não há outro lugar no mundo com uma variedade tão grande de macacos. Além deles, são mais de mil espécies de pássaros, 300 de sapos, três mil de peixes, 300 de répteis e mais de 300 de mamíferos. Cada animal lutando pela vida.
O porco-do-mato é o único capaz de sobreviver à picada da cascavel e a enfrentar a onça, sua predadora natural. Surpreendida perto dos filhotes, ele a desafiava, apesar de não ter chances de sobreviver. Mas ao persegui-lo, o predador se afasta das crias e a continuidade da espécie está garantida.
6. Os Big Five da Amazônia
A onça-pintada é o maior felino da América do Sul. Quando mata um animal, abandona a área para a população se recuperar.
O jacaré-açu é o maior predador aquático da América do Sul. Mede seis metros de comprimento e pesa 400 quilos.
O pirarucu é o maior peixe de água doce do mundo. Mais nobre dos peixes amazônicos, tem as costelas tão grandes que podem ser assadas e servidas como churrasco.
O peixe-boi é o único herbívoro aquático entre os mamíferos, podendo consumir 50 quilos de vegetais por dia. Mede três metros de comprimento e pesa 400 quilos.
O boto cor-de-rosa é a maior espécie de golfinho de água doce do planeta. Mede três metros de comprimento e pesa 200 quilos.
7. Tupã
Na terra dos índios tupi viviam três irmãos, dois homens e uma mulher. Um dia ela engravidou, dando à luz a um lindo menino de belos olhos negros. Quando ele fez cinco anos foi assassinado pelos tios invejosos. A mãe plantou os olhos como sementes, pedindo a Tupã para lhes devolver a vida em forma vegetal.
Ali nasceu um arbusto, em forma de cipó lenhoso, recoberto de flores brancas, masculinas e femininas. Seu fruto mede três centímetros de diâmetro, ficando vermelho-alaranjado quando maduro. As sementes são negro-brilhosas, com a metade inferior recoberta por um arilo branco, dando-lhe a aparência de um olho humano. Os índios logo descobriram tratar-se de um poderoso estimulante e o batizaram com o nome de guaraná.
* Jornalista e escritor gaúcho, autor do livro Travessia da Amazônia (Editora Record, 224 páginas, R$ 35, em média)