Mimar-se em Veneza normalmente significa se hospedar em um dos famosos hotéis de Serenissima - o exclusivo Cipriani ou o majestoso Danieli. Porém, para fazer um mimo a si mesmo, você nem sempre precisa gastar uma fortuna.
Então, hoje estou fugindo das multidões. Aguardo na estação Fondamente Nove para embarcar na balsa Motonave que sai a cada meia hora, ligando a cidade às outras ilhas pelo lago. É fácil esquecer que Veneza é apenas uma das dezenas de ilhas espalhadas em uma vasta região pantanosa.
A balsa está cheia de turistas indo para uma excursão nas fábricas de vidro de Murano, para o cemitério estranhamente belo na Ilha de São Miguel, para a antiga catedral de Torcello Bizantino ou a Burano, cujas casas de pescadores brilhantemente coloridas e oficinas de fabricação de renda têm atraído visitantes durante séculos.
Meu destino, porém, fica uma parada antes de Burano: a pouco conhecida Ilha de Mazzorbo, onde praticamente ninguém nunca desembarca. Tenho uma reserva em Venissa, recanto pouco conhecido até pelos venezianos.
Venissa é uma criação do vinicultor Gianluca Bisol, cuja família produz um dos mais famosos proseccos da Itália em Valdobbiadene, que fica a apenas uma hora de carro de Veneza. Ele assumiu um canto da Mazzorbo e plantou um vinhedo novo, com o objetivo de fazer um vinho genuinamente veneziano, que estará pronto para degustação ainda neste ano.
Ao mesmo tempo, a família lentamente transforma edifícios agrícolas, casas de pescadores e uma adega em um confortável hotel de seis quartos com preços que podem ser comparados com qualquer outro lugar que Veneza oferece.
No térreo, há um lounge legal e um bar de vinhos, mas a surpresa real vem na medida em que me afasto e sigo para onde as vinhas foram plantadas no antigo campanário. Cercado por todo esse verde, está um velho galpão transformado em restaurante.
A chef Paola Budel está definitivamente querendo deixar sua marca na cena gastronômica veneziana, então não espere pela alegre e barata cozinha ao estilo "trattoria". Mas, de qualquer forma, nenhum restaurante em Veneza é barato - e eu sei que, aqui, um jantar romântico a 70 euros (R$ 170) ou mais valerá a pena.
O peixe e os frutos do mar são de alta qualidade, combinados com os fantásticos vegetais da estação que são, na sua maioria, cultivados nos jardins orgânicos da própria Venissa, ou nas fazendas da próxima Ilha de Sant'Erasmo.
Os pratos incluem camarão servido com baby alcachofras crocantes, enguia grelhada com azeitonas picantes, alcaparra e molho de tomate e uma deliciosa sopa cremosa de ervilha com menta fresca e pequenos camarões doces. E, embora Paula se concentre em revisitar as tradicionais receitas de Veneza, ela não se esquece das suas raízes culinárias da região das montanhas Dolomite, surpreendendo os clientes com um prato de suculentos camarões assados e um molho de cerveja com cerejas picantes.
Por aí
Seria muito fácil passar o dia inteiro no oásis tranquilo que é Venissa, mas, depois do almoço, decidi explorar Mazzorbo. Essa é basicamente uma cidade de apenas uma rua - salvo que essa rua é, na verdade, um cais, onde uma mistura de barcos de pesca e de passeio está ancorada, e, em vez de olhar para as lojas (não existe nenhuma), eu parei para tomar um drink na Trattoria alla Maddalena, onde o bar é lotado de barulhentos cacciatori (caçadores) venezianos, que negociam com o dono para vender seus patos. O lugar é famoso pelo seu talharim all'anatra Selvatica.
Uma vista que não se pode perder é a da Igreja de Santa Caterina, fundada em 783, que tem um campanário inclinado de forma tão precária que parece muito mais perigoso do que a Torre de Pisa.
A ilha era um dos retiros favoritos de Winston Churchill, que a usou para fugir de Veneza saindo de barco por Mazzorbo e criou aqui o seu cavalete. Atualmente, apenas algumas centenas de pessoas vivem na ilha, então fica difícil imaginar que, há mil anos, bem antes de Veneza estar estabelecida,
Mazzorbo, cujo nome maravilhosamente significa "grande cidade", era um povoado florescente com vários milhares de habitantes. Quando o sol começa a se pôr sobre a lagoa e suas pequenas ilhas, atravesso a longa ponte de madeira que liga Mazzorbo a Burano. Nesta hora, todos os excursionistas já navegaram de volta a seus hotéis, e a praça é tomada pelos locais, na sua maioria peixeiros, que vagueiam de bar em bar para o início do ritual noturno de aperitivos.
Veneza e suas multidões parecem estar a um milhão de milhas de distância.
Tradução: Débora Ely