Uma obra no balneário mais meridional do Rio Grande do Sul e, consequentemente, do Brasil, que definiu a fronteira entre o Brasil e o Uruguai, está completando 45 anos em 2023. Os molhes da Barra do Chuí, praia localizada a 32 quilômetros do Centro de Santa Vitória do Palmar, mudaram o trajeto do arroio de mesmo nome e deram à zona marítima brasileira, segundo pesquisadora, o correspondente a cerca de 50 mil hectares do vizinho uruguaio naquele trecho.
Segundo a oceanóloga Giuliana Sfreddo, antes da construção dos molhes, iniciada em 1975 e entregue três anos depois, o Arroio Chuí migrava ao longo da linha de costa, para Norte ou para Sul, provocando, em algumas situações, o total fechamento da barra, como resultado do vento e outros fatores meteorológicos.
Testemunha ocular das mudanças ocorridas no litoral do extremo-sul gaúcho, o oceanólogo e pesquisador Lauro Calliari, que é professor colaborador do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), participou de levantamentos de perfis de praia na costa sul do Estado nas cinco décadas mais recentes. Ele ressalta que, em 1964, o arroio ainda formava o que ele identifica como uma "verdadeira piscina natural com um comprimento de dois quilômetros".
Calliari conta que no século 19, especificamente em 1853, o acordo para delimitar a fronteira do Brasil com o Uruguai preconizava a instalação de um marco divisório na margem esquerda da foz do arroio, longe da ação das ondas para evitar sua destruição durante as fortes tempestades. Já naquela época, relata o oceanólogo, sabia-se da elevação rápida do nível do mar por vento e ondas oriundos do quadrante Sul (Sudeste e Sudoeste).
Entretanto, essa delimitação gerou controvérsias porque a posição da foz migrava, principalmente, para o Norte em função da potência das ondas para transportar areia ao longo da costa (chamada de deriva litorânea) e da vazão do arroio, a qual dependia da estação do ano e das variabilidades interanuais.
— Muitas vezes, a barra, o local em que as águas do arroio se encontravam com a do oceano, se fechava em consequência da baixa vazão e da predominância da deriva litorânea. Não se tem notícias de que, alguma vez, tenha sido usada para acesso de embarcações vindas do mar. De qualquer forma, o consenso era de que as margens do arroio fariam a divisão dos territórios, independentemente de onde fosse fixado e da migração do arroio — relata Calliari.
Ao ser finalizada, a obra dos molhes fixou a desembocadura do Arroio Chuí para consolidar o limite territorial entre o Brasil e o Uruguai. De acordo com o anteprojeto do Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias, o molhe sul, no Uruguai, possui aproximadamente 1,2 mil metros de comprimento e o molhe Norte, no Brasil, cerca de 300 metros.
— Os molhes são um marco e uma obra geopolítica. Como não tem função de navegação, o arroio não costuma ter grande profundidade. Mas, se tiver ondas de Sudeste-Sudoeste, pode encher rapidamente e ficar mais profundo. Barra do Chuí é um balneário interessante, pois tem uma altura maior que os outros do Rio Grande do Sul por estar sobre uma barreira costeira de milhares de anos — aponta Calliari.
De cima dos próprios molhes, aponta o professor, é possível comparar a diferença das larguras das praias do lado uruguaio e do lado brasileiro para a qual ele tem uma explicação.
— No lado deles (Uruguai), a praia é mais larga. Tem mais areia porque as ondas transportam areia de Sul para Norte na costa. Com isso, parte da areia fica retida pela estrutura do outro lado, aumentando a largura da praia e a área de dunas — justifica o oceanólogo.
Brasil ganhou uma porção de terra
A oceanóloga Giuliana Sfreddo pesquisou a construção dos molhes da Barra do Chuí para a produção da dissertação de mestrado apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2017. O trabalho foi realizado com visitas a campo e análise de fotografias aéreas, carta topográfica e imagens de satélite de diferentes datas.
Por meio do estudo, Giuliana conseguiu identificar que a construção dos molhes fez com que o Uruguai perdesse uma porção de 1.260 metros de território. Com a obra, o país vizinho teria perdido zona econômica exclusiva — as 200 milhas náuticas que o país tem à frente da linha costeira.
— Calculei cerca de 50 mil hectares de zona econômica exclusiva, por ser região de transição. E isso acaba prejudicando, inclusive, a pesca local. A obra em si, desde que foi concluída, permanece na mesma posição, sem ter grande ganho de praia para nenhum dos lados. A troca de sedimentos é mais eólica, sem contribuição do arroio — ressalta a oceanóloga.
Quando produziu a análise que culminou numa dissertação de mestrado, Giuliana tinha a intenção de contribuir para um melhor planejamento ambiental e urbano na região, auxiliar ações de gerenciamento costeiro nos balneários Barra do Chuí (BR) e Barra del Chuy (UY) e motivar a geração de mais estudos naquela área costeira.