Os pescoços inclinam-se para cima enquanto os olhos minuciosos fazem uma varredura do amplo terreno ao redor. Por entre árvores e galhos, os olhares procuram por indícios de algumas aves. Os ouvidos mais treinados conseguem identificar certos cantos. Com a ajuda de binóculos ou de câmeras fotográficas, é possível sentir-se ainda mais próximo dos animais que vivem pelo local.
Tudo isso aconteceu no dia 24 de janeiro, durante a Passarinhada, um encontro que faz parte da programação de verão 2020 da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Litoral. Ao longo da temporada, diversas oficinas e eventos são oferecidos gratuitamente pelo Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), em Imbé.
Antes de dividirem-se em grupos, os participantes ouvem algumas explicações sobre a geografia, caraterísticas do ambiente onde o Centro está encravado e também sobre os animais que poderiam ser avistados durante o passeio.
— Tem espécies que só vemos no mato. Outras apenas nas margens da lagoa e outras só no roçado. Vamos ver uma dezena delas nessa caminhada — anuncia Guilherme Tavares Nunes, professor de ornitologia do Campus Litoral Norte da UFRGS.
Abrigando essa diversidade de ambientes — lagoa, mata e gramados abertos —, o Ceclimar já conseguiu registrar 90 espécies de aves. Para se ter uma ideia, em todo o Rio Grande do Sul, há registro de 704 espécies desses animais.
— Isso quer dizer que aqui temos um pouco mais de 10% das espécies do Estado. Se a gente pensar dessa forma, é uma área interessante para observação de aves — reforça Nunes.
Silêncio, olhos e ouvidos atentos
Bastante peculiar, o passeio é dominado pelo silêncio a fim de não afugentar os pássaros. Em tom de voz bem baixo, o professor fala o nome do animal ou mostra uma imagem dele no celular. Aos poucos, os participantes se apinham para ver ou fotografar o bicho. Nesse momento, é possível ouvir somente o canto das aves e os cliques das câmeras. Com o binóculo pendurado no pescoço, o docente sai à frente de um grupo com cerca de 10 pessoas.
Logo na primeira parada, percebe-se a riqueza que o Centro guarda. Atrás de um prédio, dois pavões, que embora não sejam da nossa avifauna estão ali, pois faziam parte do minizoo do Centro, caminham livres e tranquilos pelo gramado. Um pouco mais afastado, um lagarto parece nem importar-se com a presença humana: boceja, estica a língua para fora e sai rastejando pela mata.
No primeiro ponto de observação, o grupo para e presta atenção para a movimentação das árvores. Nunes tira o celular do bolso e reproduz o som de um pássaro. É uma questão de segundos para os visitantes serem agraciados pela companhia dos Balança-rabo-de-máscara, pequena ave azul que, como o próprio nome diz, parece estar usando uma máscara preta sobre os olhos e mexe o rabo sem parar.
Conforme o professor, trata-se de uma família, composta por macho, fêmea e um filhote. A resposta rápida ao som emitido pelo smartphone, explica Nunes, é porque o animal, além de defender o filhote, busca proteger o território reprodutivo de um possível intruso.
Sem precisar muito esforço, apenas muita paciência e atenção, também dá para visualizar transitando pelos galhos uma porção de beija-flores inquietos. De frente para a lagoa, mais um cenário imperdível para amantes de aves: um "estacionamento de Biguás", brinca Nunes. Paradas sobre paus que ficam dentro d'água, as aves parecem que fazem pose para as lentes.
Presente em diversas regiões, o Biguá não é uma ave marinha, diz o professor. Ela pode ser vista no interior, em rios ou açudes, locais onde ela atua como um "submarino" atrás de peixes.
— Os biguás têm várias adaptações. Por exemplo, encharcam as penas, ao contrário de outras aves, que passam uma gordura produzida pelo próprio corpo nas penas para impermeabilizá-las. Isso acontece para que possam mergulhar com facilidade. Eles também têm patas fortes para fazer a propulsão debaixo da água e cauda grande e rígida para servir de leme — conta o especialista.
Hóspede à vontade
Pelo amplo gramado da instituição, saltitam Chupins e Cardeais sem ligar para os visitantes. Um pouco mais para frente, dentro de uma área cercada, um hóspede ilustre exibe-se em meio às garças. É o Petrel-gigante-do-sul, ave originária da região Antártica.
Enorme mesmo de longe, o animal lembra um pato de plumagem escura, porém bem maior. Um macho adulto pode chegar aos 5 quilos com uma envergadura de asas atingindo os 2 metros. O exemplar do Ceclimar é um jovem, encaminhado ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres e Marinhos (Ceram) para tratamento. Depois de passar por cuidados veterinários, o bicho foi anilhado e reintroduzido na natureza. Porém, voltou às areias e à universidade, onde hoje é alimentado com porções generosas de peixe e carne diariamente.
— Ele estava clinicamente apto para partir, mas gostou do tratamento, de Imbé e do Ceclimar — diverte-se Nunes.
No mesmo terreno do Petrel, um Savacu descansava em uma árvore. De hábitos noturnos, a ave tem comportamento semelhante ao das garças: fica de tocaia esperando uma presa desavisada passar para se alimentar.
Pesquisador do futuro
— Socó-dorminhoco tem? — pergunta o pequeno Arthur Camboim Hubner, nove anos, esbanjando sabedoria sobre o assunto.
Nunes explica que socó-dorminhoco e savacu tratam-se da mesma espécie, apenas com nomes populares diferentes.
Carregando um livro com ilustrações de diversas aves, o menino era só alegria no término da caminhada. Na companhia da mãe, Andréa Garcia Camboim, da irmã, Eduarda, 13 anos, e da prima da mãe, Gabriela, ele aproveitou a chance de usar o binóculo e uma luneta para aproximar a visão dos bichanos.
— Desde pequeno, ele é apaixonado por aves. Achamos o encontro uma oportunidade ótima. Somos de Porto Alegre, mas estamos em Capão da Canoa e viemos só para participar — relata a bancária.
Sem pestanejar, ele conta que o Petrel e a Garça-moura foram os que mais chamaram a sua atenção. Conhecedor de pássaros, o pequeno diz que já sabia o nome de vários animais e que pensa em estudá-los no futuro.
— Gosto que elas ficam voando no céu, são grandes. Acho que é um bicho diferente dos outros — conclui.
Outros admiradores das aves são Ligia Rodrigues e Odiombar Rodrigues. Morador de Canoas, o casal costuma a fazer duas viagens por ano atrás dos melhores cliques de aves. Inscritos na página WikiAves — Enciclopédia das Aves, colecionam imagens feitas por todo o Brasil.
Hobby da dupla desde 2015, a fotografia de aves já os levou para Tocantins, Ceará, Mato Grosso do Sul, entre outros Estados. Pelas lentes, já flagraram araras-azuis, vermelhas, pica-paus e outras espécies.
— Tenho pouco mais de uma foto por espécie — orgulha-se Ligia.
Ao término da caminhada, foram contabilizadas 33 espécies avistadas, somando os três grupos de observadores divididos no início da atividade.
Além de proporcionar conhecimento e contato com a natureza, o encontro ainda tem como objetivo aproximar a comunidade da universidade, abrindo suas portas para recebê-la. Uma segunda edição da Passarinhada está prevista para acontecer no dia 13 de fevereiro.
Nova oportunidade para ver os pássaros
- As oficinas do Ceclimar acontecem às terças e quintas-feiras, às 15h.
- A próxima Passarinhada está prevista para o dia 13 de fevereiro, às 8h30min.
- Todas as oficinas são gratuitas e podem ser conferidas neste site do Ceclimar.