A maior estátua de Iemanjá em solo gaúcho ganhou uma repaginada nesta temporada. Inaugurada em 2016, a imagem de 8m30cm, esculpida em cimento a 600m da orla de Cidreira, no Litoral Norte, passou por uma transformação para agradar aos milhares de turistas que visitam o Santuário Sincrético e Ecológico, localizado dentro do Parque das Dunas.
Para dar traços mais delicados ao rosto, incluindo novas sobrancelhas, e às mãos, que ganharam dedos e unhas na cor azul (antes, os dedos das mãos eram unidos), a prefeitura, em parceria com a Federação Afro Umbandista do Rio Grande do Sul (Fauers), contratou um profissional de Balneário Pinhal para fazer os ajustes. Os R$ 25 mil empregados na "plástica especial" vieram de uma emenda parlamentar do deputado federal Elvino Bohn Gass (PT), que destinou R$ 130 mil para ajudar Cidreira no que o município considerasse prioridade.
Em 2017, devido à solicitação dos terreiros gaúchos, que reclamavam da falta de leveza no rosto de Iemanjá, o presidente da Fauers, Everton Alfonsin, solicitou o auxílio da prefeitura, mas a resposta foi que não havia verba. Foi ele quem doou a capa de cetim azul de 8m de comprimento que cobriu a imagem na inauguração.
Com a negativa da prefeitura, o presidente da Fauers foi a Brasília e reuniu-se com o deputado especialmente para pedir o apoio à cidade litorânea. Em abril de 2018, por meio de emenda parlamentar, foram destinados R$ 130 mil ao Fundo Municipal da Saúde de Cidreira. Com o dinheiro, a prefeitura adquiriu dois carros para a Secretaria de Saúde, e o restante, no valor de R$ 25 mil, foi destinado à reforma da imagem.
Segundo o deputado Bohn Gass, as ações desenvolvidas pela Fauers o motivaram a propor a emenda. Há 26 anos, a Federação liderada por Alfonsin realiza em Cidreira uma das maiores festas em homenagem a Iemanjá no Rio Grande do Sul, atraindo milhares de turistas nesta época do ano. A entidade também é conhecida pelo trabalho social com crianças e idosos, desenvolvido na Região Metropolitana de Porto Alegre.
— Eles (a Fauers) me procuraram por saberem que eu poderia ajudar o município. Não tenho como contribuir para o evento, mas tenho como destinar verba a Cidreira e a cidade define como usar. Pedi que encaminhassem a maior parte do valor para a saúde. A costura política sobre o destino da emenda foi feita pela Fauers, uma entidade que trabalha com o respeito a todas as religiões — explica o deputado.
Imagem repaginada será entregue durante procissão
Há duas semanas, o artista plástico Daniel Maíba, acompanhado de perto pelos integrantes da Fauers, fez as alterações solicitadas. Alfonsin ressalta que, antes da mudança, ainda tentou argumentar com aqueles que não se contentavam com as formas da Iemanjá de Cidreira:
— Na ocasião, dissemos que as pessoas estão mais preocupadas com a estética do que com a essência. Será que faria diferença para uma imagem imponente como esta, virada para o mar, ter esta ou outra forma? Não adiantou, as reclamações seguiram. Na noite do dia 1º, entregaremos a Cidreira a maior estátua do Estado com as formas definidas.
A imagem, que também ganhou nova pintura, será entregue à comunidade durante a procissão luminosa, programada para esta sexta-feira à noite (confira a programação ao fim do texto). A caminhada, liderada pela Fauers, iniciará na Concha Acústica de Cidreira e seguirá até o monumento. A prefeitura montou a estrutura – com banheiros químicos e tendas de lanches – dentro do parque para receber os cerca de 40 mil visitantes aguardados.
Moradora do bairro Sarandi, em Porto Alegre, a contabilista Josiane Esperança Tavares, 36 anos, aproveitou a manhã de quinta-feira (31) para conhecer a estátua. Hospedada no balneário Costa do Sol, Josiane impressionou-se com a imagem, que só conhecia pela internet. Ao lado dos filhos José Henrico, um ano, e Victória, seis anos, ela fez uma reverência a Iemanjá e pediu saúde à família.
— Ela ficou muito mais bonita com a mudança. Mas o importante é a força de Iemanjá — garantiu.
A construção da estátua de Iemanjá foi uma tentativa da prefeitura de resgatar o turismo religioso que, em décadas anteriores, destacou o balneário no calendário do Estado. Também era uma solicitação antiga dos umbandistas, que anualmente vão a Cidreira fazer as oferendas à Rainha do Mar, em 2 de fevereiro. Desde a interdição do terminal turístico da cidade, em 1991, eles se reuniam no entorno de uma pequena imagem de Iemanjá, disposta nas margens da ERS-786, próximo de onde está a estátua agora repaginada.
Promessa sob o sol escaldante
Para agradecer a recuperação da saúde de um amigo, que teve câncer, o construtor civil Cristiano Dias Portal, 32 anos, saiu às 20h de quarta-feira da Lomba do Sabão, em Viamão, e pretendia chegar à praia de Magistério, em Balneário Pinhal, na manhã desta sexta-feira (1º).
Por volta das 10h de quinta, na RS-040, em Capivari, Cristiano enfrentava temperatura de 31°C, carregando nas mãos uma imagem de Iemanjá de 20kg e uma mochila com outros 10kg. Ele faz parte do Centro Afro Umbandista Caboclo da Lua Abassé de Exú João Caveira das Almas.
Tradicionalista e participante do CTG Gildo de Freitas, Cristiano conheceu o amigo no centro de tradições. Foi ele quem pediu ao construtor civil para interceder pela sua saúde.
— Entre 2002 e 2007, paguei a mesma promessa por outros conhecidos doentes porque também se curaram. Então, decidi fazer o trajeto novamente, caso ele conseguisse se recuperar. E ele está muito bem — contou, emocionado.
Cristiano pretende participar dos festejos de Iemanjá no Litoral Norte e deverá ficar até 9 de fevereiro na praia de Magistério.
Devoção popular
Presidente da Fauers, Alfonsin destaca que não está errada a referência a Iemanjá como santa, justificando que "santos e orixás são divindades, toda divindade é sagrada e todo sagrado é santo":
– Então, não está errado nos referirmos a Iemanjá como santa também.
Consultada, a assessoria de comunicação (Ascom) da Cúria Metropolitana, sede administrativa da Arquidiocese de Porto Alegre, informou que Nossa Senhora, Maria, a mãe de Jesus, é a origem de todas as outras titulações de Nossa Senhora. Foram aparições, não reconhecidas oficialmente pela Igreja Católica, à exceção de Fátima, Lourdes e Guadalupe – estas, sim, foram declaradas santas oficialmente. Nelson Silva Pereira, da Ascom, concordou com a declaração de Alfonsin, dizendo que não está errado chamar qualquer uma das duas, Navegantes ou Iemanjá, de santas:
– São santas porque são imagens iconizadas pela devoção popular.