Crianças circulam livremente de bicicleta, vizinhos se conhecem pelo nome, casas com janelas e portas abertas, adolescentes se reúnem à noite sem a vigilância dos pais. Esse era o estilo de veraneio no litoral do Rio Grande do Sul até a violência e a insegurança cobrarem seu espaço e forçarem a mudança de hábitos. Mas o cenário vem voltando a fazer parte do imaginário dos gaúchos, só que com novos contornos.
É a vida dentro dos condomínios de praia, verdadeiros bairros planejados para aliar conforto, lazer e segurança nas praias do Estado. Se por um lado permitem que os pais relaxem quando os filhos colocam os pés para fora de casa, por outro restringem os veranistas a uma realidade distante das peculiaridades e dos encantos do nosso Litoral.
Durante um fim de semana estendido, Zero Hora percorreu os empreendimentos para conhecer um pouco da rotina nos condomínios, suas vantagens, especificidades e limitações – que não são definidas somente pelos muros erguidos pelas construtoras.
Em uma escaldante manhã de sábado em janeiro, os ponteiros do relógio se aproximam das 9h quando o pequeno Martín, quatro anos, recebe a tão esperada notícia do veraneio: chegou o dia de colocar os pés no mar. Excitado, percorre as sete suítes da casa em que passa os meses de férias ao lado dos pais, tios, primos e avós, para certificar-se de que todos o acompanharão na empreitada. Martín está no balneário de Atlântida, em Xangri-lá, desde o final de dezembro, mas esse é o primeiro dia em que irá para a orla. Antes de colocar a "roupa de beira de praia", entretanto, o menino sai sozinho da casa, cumprimenta o grupo de adolescentes que pela calçada passeiam de bicicleta, desvia do cachorro do vizinho, atravessa a rua a pé e se senta à beira do lago para alimentar os gansos que ali vivem.
– Viu? É por isso que vale a pena. Não tem preço a segurança que temos aqui dentro – justifica a mãe, Rafaela Schneider Duval, 35 anos.
– Eu, que passei minha infância inteira veraneando em uma casa na rua, acho que o que temos hoje é o mais próximo que podemos dar para o Martín da minha experiência de criança na praia, com essa possibilidade de sair de casa e caminhar livremente, conhecer os vizinhos, ter uma turma.
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Rafaela se refere à casa comprada dentro de um condomínio fechado, uma opção que atrai cada vez mais veranistas e que tem mudado, ao longo dos últimos anos, a forma de veranear no Rio Grande do Sul. A tendência, que começou há 22 anos com o lançamento do primeiro empreendimento nesse estilo, em Xangri-lá, cresceu exponencialmente desde então. Hoje, são 40 condomínios horizontais entre Atlântida Sul e Torres, que somam mais de oito mil terrenos. E muitos ainda estão por vir. Quem percorre a Estrada do Mar dificilmente consegue esconder o olhar de estupefação ao deparar com a quantidade de muros que escondem, do outro lado, um estilo de veraneio que atrai cada vez mais gaúchos. Muros que, por lei municipal, devem ter altura de, no máximo, 3,2 metros.
Atualmente, conforme dados da prefeitura colhidos pela Associação dos Condomínios Fechados Horizontais de Xangri-lá, 52% do IPTU do município vem de dentro dos empreendimentos. Somente na cidade, pioneira do movimento, são 25 condomínios implementados e outros três em obras, além de quatro ainda não iniciados. Já ocupam 29% da zona urbana do município, segundo a Secretaria de Planejamento. Não à toa, em 2004 a prefeitura batizou Xangri-lá de "Capital dos Condomínios", slogan que continua estampado até hoje nas paradas de ônibus, nos outdoors e nos cartazes publicitários.
São verões em que o mar, antes protagonista, passa a ser mero coadjuvante. Agora, ele tem de disputar atenção dos veranistas com a infinidade de atrativos oferecidos pelos empreendimentos: quadras de tênis, beach tênis, paddle, canchas de futebol, piscinas aquecidas, olímpicas, academias de ginástica – com direito a personal trainer –, além de uma programação a perder de vista para a criançada.
Rafaela, que há 10 anos veraneia com a família cercada pelos muros, admite que as idas à praia, antes tão rotineiras, são agora esporádicas. Mas a comodidade, somada à "liberdade" que pode oferecer para o filho, compensam. Uma liberdade, reconhece ela, assim mesmo, entre aspas.
– Eu sei que é diferente. É uma liberdade vigiada, cheia de regras, com câmeras de segurança. Tem equipamentos registrando tudo que o Martín faz. Mas, ainda assim, acho melhor do que ter uma casa na rua e ficar sujeita à insegurança que está o nosso litoral hoje – conta a mãe, enquanto o menino retorna sozinho à casa para começar a tão esperada aventura de banhar-se na infinitude do oceano.
Apesar da animação pelo tão esperado dia, Martín, antes de sair, já adverte o pai, Diogo da Silva Só, 33 anos:
– Não podemos demorar. Ainda tenho que pescar no laguinho do condomínio contigo e brincar na piscina térmica com o vizinho.
Bolha social com pizzaria e tudo
As câmeras que vigiam os passos do Martín são as mesmas que registram a movimentação das outras centenas de condôminos, em uma rotina que se assemelha à dos demais empreendimentos. Em cada um, dezenas de funcionários supervisionam as imagens dos equipamentos, que são monitoradas em uma central de controle 24 horas por dia.
Naquela manhã de sol em que o menino se preparava para molhar os pés no mar, apesar de a praia estar lotada de carros, no condomínio eram poucos os veículos que circulavam. Não é que faltem carros por ali. Pelo contrário. Em frente a cada casa, a média é de três a quatro automóveis estacionados, não raro com as janelas e portas abertas. Mas pouco se usa esse meio de transporte, já que a regra é manter a velocidade bem reduzida para garantir a segurança das crianças – em alguns locais, o máximo permitido é trafegar a 15km/h; em outros, quebra-molas ou barreiras são estrategicamente colocados a cada 20 metros. E se alguém se atreve a acelerar mais, logo é reprimido pelos seguranças que circulam, de moto, durante todo o dia, pelas ruas do empreendimento.
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Cena comum nos diferentes condomínios é ver crianças, adolescentes e até adultos rodando com bicicletas, skates, patins, scooters, skates eletrônicos. Ora sozinhos, ora em grupos, eles se deslocam de dia e de noite para se exercitar, ir à casa de amigos e, principalmente, aproveitar a abundância de lazer e serviços. Hoje, grande parte dos condomínios conta até com restaurantes e minimercados de redes conhecidas no Litoral – e cujos valores se assemelham aos praticados na rua.
– Só sai daqui de dentro quem quer. Existe uma estrutura tão completa nesses locais que pode chegar a ser cansativo. Tem um excesso social, com eventos, competições, tudo. Muitos precisam tirar férias das férias depois de passar uma temporada no condomínio. Só que também têm a oportunidade de deixar as crianças correndo soltas sem preocupação, de ficar em casa e aproveitar a paz – relata o médico Luciano Vitola, também veranista de um condomínio do Litoral Norte.
Sentado no pátio de casa com um café na mão, ele observa o contraste do silêncio que predomina no seu entorno, por vezes interrompido pelo canto de pássaros, com o barulho dos carros que começam a congestionar a Estrada do Mar, logo ali, do outro lado dos muros. Os filhos de Luciano se contentam com as brincadeiras preparadas pela administração do empreendimento. Leonardo e Artur, nove e seis anos, amanhecem fardados para participar de uma "guerra" de bexiguinhas, que terá como sequência um banho de piscina com os amigos das casas vizinhas e um jogo de futebol. Partida, aliás, que é uma preparação para o campeonato do verão. São organizadas competições entre as turmas dos diferentes condomínios. Em cada um, há um time formado e treinado pelo pai de um dos jovens.
– A gente fica tranquilo porque sabe que tem os recreacionistas auxiliando. De tanto em tanto tempo, os guris aparecem em casa com os amigos, vêm comer alguma coisa, saem e vão para casa de outro. A rotina das crianças é assim. E a nossa não é muito diferente, pois fazemos churrascos e jantares com os amigos do condomínio, e aparecemos uns na casa dos outros a toda hora – conta Luciano.
Essa facilidade de entrar e sair das casas se dá pelo fato de que, via de regra, as residências mantêm portas e janelões de vidro abertos, em um estilo de veraneio que remete à infância do médico. Luciano, que até os 30 anos frequentou a praia de Imbé, em uma casa na rua, admite que tentou reproduzir um pouco da experiência da sua juventude ao reunir um grupo de amigos para comprar casas em um mesmo condomínio fechado. Assim, manteriam a rotina de encontros da turma da praia. Ele reconhece, entretanto, que, apesar de todas as vantagens, a sensação não é a mesma:
– Aqui, vivemos em uma bolha social. Tem até pizzaria dentro do condomínio com serviço de telentrega. Eu, particularmente, pego o carro todos os dias e vou ver o mar. É uma necessidade minha, mas muitos vizinhos nem saem daqui de dentro. Eles participam de competições de tênis e futebol por aqui, ficam na piscina. Preciso desse contato com o mundo externo de vez em quando.
O pioneiro dos empreendimentos
Talvez, comenta Luciano Vitola, a única coisa que exista em comum entre o que há dentro do condomínio e o que há fora seja a previsão do tempo, já que até a pavimentação muda radicalmente entre os dois lados do portão de entrada. Se do lado de fora o que predominam são buracos, paralelepípedos e desníveis, do lado de dentro as ruas são lisas, planas e cercadas por uma vegetação cuidadosamente arquitetada e aparada quase que diariamente. E, ao que parece, pouco importa se a vegetação é típica da região ou não. Com exceção de poucos empreendimentos que mantiveram recantos de mata nativa, a maioria tem seu ecossistema próprio – composto quase sempre por lagos artificiais, palmeiras com mais de quatro metros de altura, peixes estrategicamente colocados em pontos para pesca, tartarugas e, para a diversão de Martín, até gansos. Paisagens semelhantes são facilmente encontradas na Flórida, nos Estados Unidos, inspiração para as construções daqui.
Era a década de 1970 quando o empresário Elmar Ricardo Wagner, na época com 30 e poucos anos, conheceu pela primeira vez o conceito de condomínio fechado horizontal. Viajando a trabalho para Palm Beach, na Flórida – então, atuava como conselheiro de uma multinacional de transporte rodoviário de cargas –, ele lembra que não conseguiu ficar imune ao estilo de vida que encontrou:
– Me chamaram muito a atenção principalmente a beleza desses locais, a segurança e a quantidade de atrativos que se ofereciam aos moradores.
O empresário nascido em Getúlio Vargas, no norte do Estado, foi o responsável por construir, décadas depois, o primeiro empreendimento desse padrão no litoral gaúcho. Desde então, sua trajetória anda lado a lado com a evolução do conceito nas praias do Rio Grande do Sul. Aos 77 anos, Wagner já acumula 12 condomínios construídos.
– A Flórida foi o primeiro lugar que instituiu o conceito de grandes condomínios, e isso foi durante a II Guerra Mundial. As famílias vindas da Europa acabaram indo para o sul dos Estados Unidos para fugir do frio e, com medo da invasão dos alemães, construíram os condomínios com altos muros e segurança reforçada. Quando conheci esse estilo de vida, anos depois, ele já havia evoluído e, muito mais do que uma necessidade, tinha se tornado uma opção para os americanos – conta Wagner. – Esses condomínios tinham tudo que tu possas imaginar, quadras esportivas, campo de golfe, que é o esporte preferido dos americanos, clube, restaurantes, cinema. Nas praias daqui, não tinha nada para fazer naquela época, a não ser comer milho e torrar no sol.
Foi preciso muita paciência e insistência para conseguir construir o primeiro condomínio fechado no litoral do Rio Grande do Sul. Na época, não havia legislação específica para esse tipo de empreendimento nos municípios da região, e a maioria dos governantes desconhecia os pormenores do assunto. Somente em 1994, depois de quase duas décadas de negociações, Wagner lançou o Xangri-lá Villas Resort. Fidedigno ao modelo americano, o primeiro condomínio horizontal do Litoral Norte já contava com as casas construídas, uma ao lado da outra, e foi erguido na beira da praia.
– Logo notamos que o estilo do brasileiro se difere em muitas coisas do americano. A primeira delas é que, aqui, as pessoas preferem construir as próprias casas. A segunda é que, para muitos brasileiros, o fato de ter lagos artificiais pode suprir a vontade de ir à beira da praia. Assim, fomos evoluindo também, chegando aos modelos de hoje – comenta Wagner.
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Além de passar a vender terrenos em vez de casas prontas, o empresário comenta que outra mudança que garantiu o sucesso dos condomínios foi deixar de lado o aspecto luxuoso, dando lugar a empreendimentos mais acessíveis:
– A crise é uma realidade, então, para que as pessoas continuem comprando casas no Litoral, começamos a construir condomínios em praias com poder aquisitivo menor e com estruturas não tão refinadas.
Hoje, para quem quer construir uma casa em um condomínio ou comprar uma pronta, os valores variam bastante. Um terreno – com tamanho médio de 450 metros quadrados – custa em torno de R$ 500 mil quando adquirido no lançamento do empreendimento. Se a venda é feita por meio de um investidor, o valor pode chegar a R$ 1,5 milhão.
O custo para construir fica em torno dos R$ 2 milhões. Nos condomínios mais acessíveis, o terreno sai por cerca de R$ 200 mil. Os veranistas interessados devem incluir na conta a taxa condominial – paga-se, por mês, uma média de R$ 800 (alguns cobram R$ 300, outros, R$ 1,5 mil).
O boom dos empreendimentos gerou polêmicas. Em maio de 2013, a Operação Concutare da Polícia Federal desarticulou esquema milionário que teria sido montado para fraudar a concessão de licenças ambientais a condomínios de luxo no Litoral Norte. Dezoito pessoas foram presas, entre elas agentes públicos e empresários. Quatro anos depois, o caso segue na justiça aguardando decisão.
Segurança gera engarrafamentos
O acesso a esse universo dos condomínios horizontais é mesmo restrito. Para quem pretende fazer apenas uma visita rápida, a tarefa não é simples. Enquanto Rafaela e a família, para irem à praia, deixavam rapidamente para trás os portões – cuja cancela abre com a leitura biométrica da digital dos moradores –, no sentido oposto a fila que se formava era superior a uma dezena de carros. Número da identidade, placa do veículo, autorização do morador, foto do visitante e número do CPF são algumas das demandas, em um procedimento que chega a durar 10 minutos. Nos finais de semana, dependendo do condomínio, o tempo de espera dos visitantes pode ser superior a meia hora. Os proprietários afirmam: pouco incômodo se comparado com a ameaça do lado de fora – a escalada da violência no Litoral.
– Não dá também para achar que é tudo perfeito por aqui. É uma vida em sociedade, e os problemas também aparecem, sejam eles com os demais moradores ou com a realidade externa. Eles aparecem, mesmo que em menor escala – resume o médico Luciano.
Enquanto os índices de roubo saltaram 40% nas praias no primeiro semestre de 2016, aqui e ali, em diferentes condomínios, foram registrados furtos às casas. Na quinta-feira passada, inclusive, a Polícia Civil deflagrou operação contra uma quadrilha especializada em assaltos a esses empreendimentos.
As empresas resolveram incrementar a proteção dos locais, incluindo segurança armada. Os casos incentivaram a mobilização dos próprios condôminos. Em maio do último ano, capitaneada pelo empresário Márcio Lara, foi criada a Associação dos Condomínios Fechados Horizontais de Xangri-lá.
– Resolvemos nos mexer em função da violência, do aumento da criminalidade por aqui. Por isso, convocamos os síndicos dos condomínios para nos unirmos. Já nos reunimos com a prefeitura, a Brigada Militar, o secretário de Segurança e inclusive o governador Sartori – diz Lara.
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Outro fenômeno que vem sendo percebido pelos veranistas ao longo dos últimos anos – e que teve seu ápice no início deste veraneio – também motivou o grupo a se mobilizar para cobrar da prefeitura: a "deterioração" das ruas e locais de convívio dos veranistas fora dos condomínios, como a praça no centro de Atlântida. Conforme Lara, como muitos passam a maior parte do tempo dentro dos empreendimentos, a prefeitura teria deixado de lado o cuidado com o que ocorre no restante do município:
– Também gostamos de circular pela cidade, e ficamos indignados em ver o jeito que as coisas estão. Não cuidam de nada, as ruas estão cheias de buracos, os estabelecimentos comerciais estão fechando as portas por falta de segurança. Por isso, a associação vem tentando estabelecer uma troca de informações com a prefeitura, para colaborar com a gestão.
A percepção dos veranistas e moradores não é compartilhada pelo secretário de Turismo de Xangri-lá, Eduardo Jardim Alves, que afirma que "tudo está funcionando normalmente no município":
– Não tem nada largado. Nos finais de semana, quando há um monte de pessoas no centrinho, por exemplo, já na manhã seguinte as equipes de limpeza recolhem todo o lixo. Iluminação, restaurantes, campo de minigolfe. Está tudo em ordem.
Em relação às ruas, o secretário diz que os buracos são um incômodo em todo o litoral gaúcho e atribui o problema ao lençol freático, que seria muito baixo, facilitando a deterioração do asfalto a cada chuva.
Para discutir essas e outras questões do veraneio, além da associação, os condôminos criaram grupos de WhatsApp, nos quais organizam festas, combinam almoços da gurizada, marcam as idas à hidroginástica e, é claro, falam sobre a segurança. Participante ativa de um desses grupos, a empresária Sheyla Ciancio, 54 anos, comenta que é uma forma de contribuir para estabelecer as normas de convívio.
– É o jeito que encontramos de ficar por dentro de tudo que acontece e de ditar as regras. Depois, tudo chega ao síndico, que organiza as informações e toma as medidas necessárias. Há alguns anos, por exemplo, era norma dos porteiros não deixar menores de 15 anos saírem. Eles tinham de ligar para a casa dos pais e pedir autorização para liberar os adolescentes – lembra a empresária, enquanto assiste ao pôr do sol no pátio da casa ao lado do cachorro Benjamin.
O fim de tarde é o momento em que Sheyla mais aproveita a tranquilidade que encontra na casa que adquiriu, há 13 anos, na praia de Atlântida.
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A empresária, que cresceu veraneando em Torres, faz parte do grupo de condôminos que não abrem mão de ir para a orla. Todas as manhãs, ela e o marido, o arquiteto Cesar Ciancio, pegam as bicicletas e percorrem os quase quatro quilômetros de concreto que os separam do mar. Lá, encontram-se com os amigos e passam a maior parte do dia.
– A gente fica toda a manhã por aqui, às vezes almoçamos na beira da praia, e só retornamos por volta das 16h. É o jeito que mais gostamos de veranear, mas não é assim para todos os membros da nossa família – diverte-se.
Ela se refere ao filho mais novo, Marcelo, 17 anos, que pouco sai do condomínio. Quando o faz, é para visitar os amigos nos outros empreendimentos. No geral, seu veraneio se resume a permanecer conectado no wi-fi e divertir-se no clube, que fica a poucos metros da casa. Já a filha mais velha, Rafaela, 26, passa o dia se revezando entre as atividades no condomínio e a beira da praia.
– Ela passou toda a infância indo para a beira da praia com a gente, porque até então tínhamos casa perto da orla. Então, criou essa familiaridade com o mar, com a areia. Já o Marcelo tinha apenas quatro anos quando compramos essa casa e cresceu veraneando dentro dos muros – explica a mãe.
Onde o nordestão não tem vez
Os muros se tornaram tão habituais para a mãe do pequeno Martín que basta sair do condomínio para que Rafaela Duval grude os olhos no filho. Longe das câmeras de monitoramento, ela não desvia a atenção do menino nem um minuto. Quando chegam à beira da praia, a tensão da mãe contrasta com a alegria de Martín. Ele, que até o ano passado relutava em colocar os pés na água, neste dia resolveu se aventurar no mar. Deseja seguir os passos do pai, que é surfista. Mas, mal enfrenta a primeira onda, já é distraído pelo barulho do carrinho de picolé.
– Quando chegamos à orla, ele quer tudo, porque tudo é uma novidade. Quer milho, água de coco, picolé – sorri a mãe, que observa o estranhamento do menino com a barraquinha da beira-mar que vende sucos e pastéis.
Se aquela barraca era, na infância de Rafaela, o ponto de encontro dos amigos da praia, hoje o local para papear é a casa dela, dentro do condomínio. Se antes as turmas de adolescentes
se formavam conforme a rua em que moravam, hoje esse agrupamento é determinado pelos muros que os cercam. E se o Nordestão desempenhava um papel decisivo no tempo em que Rafaela
e as amigas ficavam expostas ao sol, lá dentro, quando está ventando, as piscinas fechadas, as salas de jogos, as quadras cobertas e as aulas de ginástica garantem a diversão da gurizada. E dos adultos também.
Aliás, basta ouvir a palavra piscina que Martín lembra do que havia combinado com o vizinho. É hora de retornar ao condomínio. Quando passa pela cancela, o menino solta um suspiro. Não precisa mais ficar ao redor da mãe. Agora, já pode circular com a liberdade que o muro concede.
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