Faltam cinco minutos para as 7h quando o sol rasga a cortina de nuvens e faz o dia raiar na plataforma de pesca de Atlântida. Desde as 6h, Luciano Motti, 38 anos, e Adriano Bitencourt, 27, chimarreiam nos cômoros, enquanto o mais novo se prepara para cair na água. A cena não teria nada de incomum não fosse Motti sacerdote na Paróquia São Pedro, em Xangri-lá, e Bitencourt o seminarista que o ajuda na sacristia.
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Além do sorriso largo no rosto e do jeito despojado de quem cresceu em Caraá, na encosta da Serra do Mar, o líder da São Pedro mostra que é gente como a gente desde as havaianas que usa no pé até os hábitos esportivos que cultiva:
Surfando na onda do papa Francisco, que desafiou a Igreja a disseminar a fé onde o povo está, os dois parecem ter entendido o recado do pontífice: às sextas-feiras, ministram uma missa para fiéis que recém saíram do mar, ainda de roupa de banho, enrolados na toalha. Uns levam a cadeira de praia, outros sentam na canga.
- É momento de deixar de lado as máscaras daquele papel que temos que cumprir - diz Motti, que conta com o boca a boca para a divulgação da cerimônia.
Concretizada desde o ano passado, a ideia surgiu após uma temporada em Roma, quando o padre fez um mestrado em Teologia Bíblica. Da experiência de viver próximo ao Vaticano, o padre poderia ter voltado mais conservador. Para sorte dos católicos contemporâneos, aconteceu justamente o contrário.
- Jogo bola. Corro todo dia. O esporte é uma questão de necessidade. Ano passado fiz uma aula de surfe, mas me dei mal. Ainda quero aprender - afirma Motti.
Parte da nova safra de futuros padres, Bitencourt vivencia sua fé de uma forma ainda mais radical. Surfista desde pequeno, ele percorreu o caminho inverso da maioria. Depois de muito descer as lombas de Osório com o skate longboard, frequentar a noite de Atlântida e desenhar os jardins das casas de Xangri-lá como jardineiro, sentiu necessidade de uma busca maior.
Surfe é hábito antigo do futuro padre
O questionamento interior o fez pedir a Deus uma namorada. Mas o caminho encontrado estava um pouco mais à frente. Há três anos, entrou para o Seminário de Viamão.
Está lapidando a vocação com aulas de Filosofia, trabalhos em comunidades e estágios, como o que faz no Litoral. Neste processo, não abriu mão do lazer nem do jeito maroto de falar. Diz que a missa é "crowdeada", ao descrever a celebração da mesma forma como os surfistas classificam um mar lotado.
- Ser padre é uma dinâmica alternativa. A vontade, às vezes, nasce diante das experiências humanas - confirma Motti sobre o pupilo.
Com a pele bronzeada, óculos espelhados, smartphone e interação nas redes sociais, Bitencourt mostra que é um religioso diferenciado: questionador, entusiasmado e ciente das dificuldades que encontrará na caminhada de cinco anos até o sacerdócio. Enquanto isso, ele vai dando joelhinhos, drops e cut backs nas incertezas do futuro e remando na busca de respostas.