Por José Pedro Goulart, cineasta
José Pedro Goulart participou só uma vez na vida de um campeonato de pesca, mas foi o suficiente. Valeu um troféu conquistado na plataforma de Atlântida.
Nenhum leitor acertou que a criança da página 35 da Zero Hora de quinta-feira era José Pedro Goulart.
Quem me ensinou a pescar foi o Zé Goulart, o velho era pescador e contador de história - você sabe, pescadores aumentam, enrolam, mentem um tiquinho. De maneira que o marido da dona Diva, o pai da Ludia e deste narrador gostava de pescar.
No verão, chegava a Capão da Canoa na sexta à noite e no sábado pela manhã, bem cedinho, na hora da tatuíra, já estava com caniço na beira do mar. Desde bem pequeno, eu levantava e corria na areia até avistá-lo, chegava perguntando:
- Deu peixe?
Ele apontava pro balde e piscava o olho se tivesse um papa-terra, se não, dizia:
- Só estou molhando as iscas.
Mais tarde, já com uns 18 anos, participei na plataforma de Atlântida pela única vez na vida de um campeonato de pesca. Durava 12 horas e havia dois troféus em disputa, um era para a "dupla" que tivesse pescado a maior quantidade de peixes; o outro troféu seria dado ao "pescador" que tivesse pescado o maior peixe do campeonato.
Minha dupla era eu e o Paulo, primo do Júnior - ambos amigos de infância. O torneio começou à tardinha e quando a noite chegou eu ainda gastava mais o tempo admirando os outros pescadores, e seus caniços e carretilhas importadas, do que qualquer outra coisa. Concorrer com aquele time de profissionais era algo como apostar uma corrida com o Papa Léguas.
Mas então veio a meia-noite, a hora mística, e nessa hora meu humilde caniço curvou feito japonês em reverência. E não foi uma só vez, mas tantas que reuniu gente ao redor; aliás, chegaram antes de mim. Percebi e afobado fui logo anunciando: "Esse caniço tem dono". Puxei, dei linha, recolhi. Enfrentei palpites e a bravura do peixe. "É grande", alguém gritou. E outro disse, "Tu não vais conseguir, guri".
Apareceu uma lanterna, iluminaram lá embaixo, e confesso que tremi: tremi mas não perdi, palavra de pescador. O resto da noite passei torcendo por duas coisas: Que ninguém pescasse um peixe maior que o meu; Que o troféu fosse algo tipo um peixe espada voando sobre o mar, cravado em um pedestal de bronze. Certamente ia ter visitação na nossa casa em Capão.
Mas quase no final do torneio, um sujeito fisgou uma arraia gigante. Rezei contra ele, confesso. O Paulo deu uma torcidinha pro cara (lembre que o troféu era apenas para um da dupla...) A linha rebentou, vinde a mim meu trofeuzão. Foi assim que, diante de olhares invejosos do pessoal do Anzol de Ouro, do Marlin Negro, e acho que do escambau de prata, recebi o troféu de maior peixe do campeonato.
Quem sabe um pequeno discurso? Mas espere, o que é isso? Uma cuia de chimarrão e uma chaleira, gravados em metal, colados em um pedaço de toco? Pessoal da direção decidiu inovar: uma cuia num campeonato de pesca? Essa foi a minha última pescaria. É que sofro de dialética, tenho mania de sempre ver os dois lados da questão.
Depois daquele dia, passei a ver o lado do peixe. E ainda tive que lidar com os risos do Paulo, do Júnior, da turma, e claro, do velho Zé Goulart, que nunca trocou peixe por troféu: fosse pra isso, ele preferia ficar molhando as iscas.
Sabe quem é a pessoa na foto? Clique e dê seu palpite! A resposta será publicada na Zero Hora de sábado.