Por Fernando Lucchese, cardiologista
Nos dias ensolarados da estação em Farroupilha, o cardiologista Fernando Lucchese se destacava em campeonatos de triciclo.
O verão chegava sempre abruptamente. As manhãs de novembro eram frias e cheias de neblina. Subitamente, ao final de dezembro
surgiam os dias ensolarados fazendo esquecer o longo inverno anterior. Assim era a Serra naqueles tempos. Ou pelo menos é assim que a relembro.
Os verões da minha infância criavam, repentinamente, um mundo encantado muito mais surpreendente do que o de Harry Potter. Nas noites de verão, da varanda da casa do meu padrinho, fui apresentado às constelações celestes. Aprendi a localizar o Cruzeiro do Sul e as Três Marias identificando-os na paisagem da minha cidade.
Pelo resto da vida passei a procurá-los no céu nos quatro cantos do mundo por onde andei, sentindo-me realmente exilado quando não os encontrava. O verão era tempo de passear livremente com meu cão Tedy, um fox feliz que costumava me esperar na porta do Ginásio São Tiago desde o início até o fim das aulas.
Ele praticamente frequentou toda a escola primária comigo, só não recebeu o diploma. Os verões de Farroupilha ficaram em mim como uma tatuagem. Foi a época em que vivi fantásticas aventuras e conheci amigos que me acompanham até hoje. Descer em alta velocidade a rua do campo do Brasil pilotando um carrinho de lomba é, sem dúvida, uma experiência inesquecível.
Recebi um troféu em um dos verões da minha infância de causar inveja a qualquer atleta: fui campeão de uma corrida de triciclo aos quatro anos de idade. As ruas de Farroupilha nos meses de calor eram meu fascínio. Meus pais viviam me procurando, pois eu simplesmente sumia, jogando futebol no campo do Ferrinho ou explorando os mistérios do matagal que na época chegava muito próximo à cidade.
Mas o que mais me impressiona até hoje é a capacidade que tínhamos de esquecer rapidamente os dias frios de inverno e nos jogarmos de corpo e alma nos emocionantes dias ensolarados e quentes. Estas boas memórias permanecem até hoje. Lembro-me das súbitas chuvas de verão, com seu odor inesquecível do pó umedecido das ruas.
Lembro-me das águas torrenciais lavando as ruas da minha infância e de nossa turminha entusiasmada soltando nas sarjetas barcos de papel que perdíamos de vista no próximo bueiro, mas imaginávamos que um dia chegariam ao mar.
A minha infância foi como estes barcos que se sumiram deixando a emoção da memória de um dia ter sido timoneiro. Mas pelo resto da vida naveguei nestes frágeis barcos de papel. Às vezes como timoneiro, outras como passageiro, sempre rumo a destinos desconhecidos e esperando pelo próximo verão.
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