Por Carlos Gerbase, cineasta
Os veraneios da minha infância em Capão da Canoa duravam dois meses, do começo de janeiro ao final de fevereiro. Férias de verdade! O que temos hoje é um genérico de 20 dias que mal dá pra acostumar o corpo com o mar e o sol.
Aliás, esse negócio de passar filtro solar é coisa recente. Naqueles tempos gloriosos, a pele ficava toda vermelha, depois caía, levava mais sol, ficava vermelha de novo, caía, e, finalmente, a terceira pele era resistente o bastante e aguentava até o fim do verão.
Esse processo, além de ser natural (sem produtos químicos) e econômico (filtros solares custam mais caro do que perfume francês) ainda permitia o grande divertimento de ficar tirando a pele seca do corpo.
Éramos como cobras e éramos felizes. Para quem está horrorizado, lembro que meu pai, o dr. José Gerbase, era o dermatologista mais famoso de Porto Alegre e nunca reclamou desse método.
Agora minha irmã, a dra. Andréa Gerbase, também dermatologista, nos manda quilos de amostras grátis de filtro solar e protegemos conscientemente nossas peles com toda a química do mundo. Novos tempos.
Mas nem tudo era perfeito nos veraneios de Capão. Passávamos a manhã inteira pegando ondas fantásticas em nossas planondas de isopor (o que, como todo mundo sabe, é muito mais emocionante do que essa bobagem chamada surfe) e a tarde inteira jogando taco (um baseball sem frescuras) e, exaustos, na hora de dormir, éramos infernizados pelo mundo animal.
Esquadrilhas de mosquitos maiores do que moscas sugavam nosso sangue, e um bicho ainda maior caminhava pelo forro de madeira da casa. Ouvíamos seus passos. De vez em quando, ele corria. Às vezes, tinha convidados, dava festas. Depois de uma noite especialmente maldormida, meus irmãos - Zeca, Tonho e Luiz - e eu decidimos que era hora de mostrar nossa hombridade.
O Tonho pegou uma vassoura e subiu no forro. Ouvimos guinchos selvagens, o som dos golpes da vassoura e, de repetente, um gambá imenso estava correndo no pá-tio. Nós, é claro, já o esperávamos com nossos tacos.
O Luiz errou o primeiro golpe, mas o Zeca acertou o gambá em cheio. Ele voou uns cinco metros e caiu morto bem na minha frente. Dei mais uma porrada só para mostrar que eu também era um caçador corajoso.
Vitória! O que não esperávamos era aquele miasma fétido que tomou conta de toda a quadra. Tivemos que providenciar um enterro rápido e sem maiores cerimônias.
Para quem está horrorizado, lembro que a ecologia ainda não tinha sido inventada e que gambás eram apenas gambás. Velhos tempos.
Sabe quem é a pessoa na foto? Clique e dê seu palpite! A resposta será publicada na Zero Hora de domingo.
Houve uma vez um verão
O ataque do gambá: cineasta gaúcho conta como virou um caçador corajoso
Leia a história contada por Carlos Gerbase após uma noite maldormida com a família em Capão
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