Minas do Camaquã, Caçapava do Sul
Rio Grande do Sul, Brasil
Sexta-feira, 21h17min
Quinze pessoas se preparam para subir uma pequena montanha. Munidos de lanternas para cortar a escuridão — e quatro cachorros locais, que servem quase como guias —, os aventureiros se embrenham em trechos íngremes, que necessitam de mãos amigas para avançar, e alguns de mata mais fechada, esgueirando-se entre galhos.
Não é uma trilha difícil, mas, durante a noite e com a temperatura em torno dos 10ºC (a sensação térmica é de 5ºC), o desafio fica mais complexo. A meta é chegar um pouquinho mais perto do céu, das estrelas e, principalmente, de qualquer rastro que alimente a esperança de todos os presentes: a de que exista vida fora da Terra.
O ponto de observação escolhido é Minas do Camaquã, distrito que faz parte de Caçapava do Sul, na Campanha do Rio Grande do Sul. Os motivos? O primeiro é que o céu do local é considerado pelos observadores um dos mais escuros e limpos do Estado. Afinal, a civilização próxima é pouca: são cerca de 300 moradores espalhados pelos vilarejos, que pouco produzem luz.
O segundo motivo para a escolha de Minas do Camaquã, este curioso para quem está fora do universo ufológico, é que a localidade é envolta em crenças, que vão desde que ali existe um portal dimensional até que seres extraterrestres são atraídos pelos minérios abundantes na região e, por isso, aparecem com frequência.
— Cuidado, tem um precipício ali — alerta um dos líderes da expedição.
Algo piscando no céu
Depois de pouco mais de 10 minutos de subida, logo na chegada ao cume da pedra, que tem cerca de 70 metros de altura, a vista é de uma noite impressionantemente estrelada e um céu limpíssimo, sem uma nuvem sequer encobrindo a tela que transmite o infinito do espaço. A olho nu, é possível ver até mesmo a Via Láctea.
Os participantes se acomodam com as suas cadeiras de praia, e a orientação dos organizadores do evento é para que cada um olhe para um ponto da abóbada celeste. Desta forma, caso alguém observe algo incomum, pode alertar os demais.
— Olha lá, tá piscando! — diz um dos presentes, empolgado, com o dedo apontando para o céu.
Depois da frase eufórica, vem alguém, desanimado, avisar que não é um óvni (objeto voador não identificado).
— É um avião — diz o portador das más notícias, mostrando no celular um aplicativo com as rotas dos voos comerciais do Brasil em tempo real.
Experiências com avistamentos
Assim se seguiu por cerca de três horas. Fora os satélites e aviões que teimavam em aparecer, os entusiastas do desconhecido também puderam presenciar a passagem de diversas estrelas cadentes — os pedidos feitos, com certeza, eram para que uma nave interplanetária esplendorosa aparecesse pairando sobre as suas cabeças.
Enquanto isso, todos trocavam ideias, experiências com avistamentos, fotos de possíveis fenômenos, explicações sobre seres de outros mundos e suas expectativas. Para eles, o texto de William Shakespeare (1564-1616) em Hamlet é um fato: "Há mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia".

Organizador da vigília apresentou série na TV
A descrição acima faz parte de uma das vigílias organizadas pelo documentarista Frederico Morsch, que não se considera um ufólogo, mas um entusiasta da área. O gaúcho de 54 anos ficou amplamente conhecido pelo público interessado nos temas extraterrestres por criar e apresentar a série De Carona com os Óvnis (2018), no History Channel.
Um dos episódios da produção se passa em Minas do Camaquã, tamanha a fama que a localidade tem no meio — na ocasião, a equipe captou um objeto voador não identificado rasgando os céus. Já o ponto de observação da vigília fica dentro da propriedade da pousada Bellamina (Rua Fernando Lacourt, 3.801 — Cerro do Martins), bem ao lado da famosa Pedra da Cruz, cartão-postal do distrito.
— Nosso objetivo é ver algum fenômeno aéreo estranho, buscando enxergar os famosos óvnis — explica Morsch. — Percorrendo o Brasil, a minha série falava sobre os hotspots, que são lugares em que o fenômeno acontece com mais intensidade. Aqui, por estar ligado a uma antiga mina de cobre, acho que o magnetismo pode atrair esse tipo de fenômeno. Estudo este lugar há muitos anos e tenho uma grande quantidade de relatos de moradores sobre eventos estranhos que ocorreram aqui.
"Nem tudo é um fenômeno", diz ufólogo

O evento que o especialista organiza em Minas do Camaquã, chamado Encontros Insólitos, conta com duas noites de vigília e palestra com um importante nome da ufologia.
Nesta reunião, realizada no começo de abril, o convidado foi Marco Aurelio Leal, 39, que é produtor audiovisual, consultor da revista UFO e atua como especialista em produções sobre a temática extraterreste, incluindo o documentário Momento do Contato — O Caso Varginha (2022), dirigido pelo norte-americano James Fox. Com este amplo conhecimento na área, sua missão é orientar os que estão chegando:
— Muitas pessoas que vêm pela primeira vez se confundem muito. Então, a gente está aqui também para botar um pouco o pé no chão. Nem tudo é um fenômeno. Muitas das coisas que aparecem são explicáveis. De mil vigílias que a gente faz, só em uma a gente vê algo que realmente impacta — relata Leal, que teve o seu primeiro avistamento aos 14 anos e por isso decidiu dedicar a sua vida ao tema. — A gente tenta entender, mas estou com mais dúvidas sobre os fenômenos agora do que quando comecei (risos). Não sei o que são, mas são reais.
Casos emblemáticos
O ufólogo aponta, por exemplo, que, ao contrário do que uma parcela da população acredita, existem "fortes evidências" sobre o aparecimento de óvnis no mundo — com grande concentração, inclusive, no Brasil.
Este foi o tema de sua palestra, que ocorreu no sábado, logo antes da segunda noite de vigília. Durante mais de três horas, o especialista abordou casos emblemáticos: a Operação Prato, ocorrida na década de 1970, no Pará; o recente caso Caieiras, de 2022, em São Paulo; e uma grande explanação sobre o ET de Varginha, de 1996, em Minas Gerais.
Morsch e Leal ainda são parceiros na Alien Trip, projeto no qual realizam excursões para pontos com grande possibilidade de avistamentos. Chapada dos Veadeiros, em Goiás; São Thomé das Letras, em Minas Gerais; Ilha de Colares, no Pará; e o Deserto do Atacama, no Chile, estão entre os destinos. São alternativas para quem quiser tentar ampliar a sua rede de conexão com o desconhecido.
Observar estrelas para relaxar

Um dos participantes mais concentrados no alto da pedra na caça pelos fenômenos aéreos é o psicólogo Hector Nievas, 61 anos. O uruguaio vive em Porto Alegre há mais de 40 anos e decidiu estrear em uma vigília ao lado do filho, Diego Nievas, 30, como forma também de reconexão com a natureza. Segundo ele, o principal atrativo que o fez dirigir por mais de cinco horas foi a observação das estrelas, que na sua profissão está sendo utilizada como forma de acalmar e relaxar. Porém, não ficaria desapontado se pudesse ver algo a mais:
— Se ocorrer algum fenômeno, tudo bem, está na conta (risos). O ser humano, quando consciente de sua existência, tende a se questionar de onde veio. O mistério permeia a história do ser humano. Então, é uma forma de ter um pouco do contato com a questão mais primitiva, mais essencial. Eu não conhecia a atividade mais ligada à ufologia, mas fiquei aberto a ter essas outras experiências.
Visualização de um "grey"

Se o psicólogo uruguaio ainda não se entregou totalmente ao esotérico, tentando manter, pelo menos, um dos pés no ceticismo, a técnica de enfermagem Camila Pacheco Mendes, 49, de Gravataí, quer se aprofundar no mundo do qual ela diz que já teve um vislumbre.
— Estou aqui pela experiência, pela possível visualização, pelo conhecimento e por novos encontros — conta Camila. — Esse interesse veio de uma experiência de visualização de um grey (ser extraterrestre da cor cinza) sob o efeito da ayahuasca (bebida com potencial alucinógeno) e, então, eu queria ter essa experiência novamente, mas sem a ayahuasca (risos).
Aparição de objeto em Pelotas
O engenheiro civil Dêmis Rafael Heemann, 42, morador de São Borja, dirigiu sozinho por mais de seis horas para participar da vigília. Fã de Fred Morsch — inclusive, estava usando uma camiseta com o nome do documentarista —, ele se interessa por ufologia desde criança. Porém, a busca por mais conhecimento na área se deu após uma experiência compartilhada na cidade de Pelotas, há 15 anos:
— Eu estava na casa do meu pai. Era domingo de manhã. Estávamos tomando um chimarrão e olhando para os fundos da casa quando apareceu um objeto. Até achamos que fosse um drone, porque estava começando essa história de drone, mas, quando se aproximou mais, vimos que era uma esfera metálica, de um meio metro de diâmetro. E ela não tinha hélice, não fazia barulho, nada. Aquele negócio veio bem devagarinho e parou. Estava a uns 50 metros de altura e uns 50 metros de distância. Quando meu pai se levantou para ver o que era, o objeto foi embora bem rápido. Não sei explicar o que era.
Estávamos tomando um chimarrão e olhando para os fundos da casa quando apareceu um objeto
DÊMIS RAFAEL HEEMANN
Engenheiro civil e participante da vigília, sobre experiência em Pelotas há 15 anos
Dêmis ainda procura uma resposta mais concreta, definitiva, para esta situação. Apostou que ali, em Minas do Camaquã, conseguiria encontrar a prova necessária para que pudesse, finalmente, não ter mais dúvidas sobre a existência de vizinhos interplanetários.
Infelizmente para o engenheiro, não foi nesta incursão que houve alguma manifestação extraterreste para os participantes do evento. Houve algum desânimo? Até que sim, mas nada que o impeça de tentar novamente, em nova data. Afinal, é difícil conseguir um avistamento, assim, de primeira.
Liberdade para conversar
A insistência de Álvaro de Queiroz, conhecido como Bob, é um exemplo. Aos 47 anos, o advogado de Serafina Corrêa já é um frequentador assíduo das vigílias devido à curiosidade que sempre teve em relação ao desconhecido. Achou nesse tipo de evento pessoas que compartilham o mesmo tipo de interesse. Sentiu no ambiente liberdade para conversar sobre todos os assuntos que sempre habitaram a sua cabeça enquanto olha para cima, em busca de vida.
— É importante olhar para o céu, contemplando as estrelas, a lua. E Minas do Camaquã tem o privilégio de ter este céu maravilhoso devido à baixa poluição visual. Aqui é especial para contemplar e, quem sabe, até enxergar alguma coisa diferente. Já enxerguei luzes que, até o momento, não foram explicadas — conta Bob.
É importante olhar para o céu, contemplando as estrelas, a lua
ÁLVARO DE QUEIROZ
Advogado e participante da vigília
Não são apenas luzes inexplicáveis que são debatidas entre os participantes dos Encontros Insólitos. Lobisomem, fada, saci-pererê, entre outros personagens que figuram no imaginário de parte da população, ganham, durante as trocas de experiências, espaço para existir no mundo real.
São assuntos sérios. Eles só precisam encontrar a prova definitiva para compartilhar com o mundo. Assim, ao adentrar este universo fantástico e com infinitas possibilidades, é importante estar alinhado com o personagem Fox Mulder, da série Arquivo X (1993-2018): "Eu quero acreditar".
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