As apostas online, conhecidas como bets, estão se tornando uma preocupação crescente no Brasil. No Gaúcha Mais desta quarta-feira (2), três integrantes do grupo de Jogadores Anônimos de Porto Alegre compartilharam relatos sobre como o vício nas apostas afetou suas vidas.
O ato de apostar, que parece inofensivo no início, pode se transformar em um comportamento de risco, criando um círculo vicioso de perdas e tentativas constantes de recuperar o que foi perdido. O impacto é especialmente preocupante entre famílias de baixa renda, com uma redução significativa nas economias e até mesmo no pagamento de contas essenciais.
Em agosto de 2024, por exemplo, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram cerca de R$ 3 bilhões em apostas online.
O governo federal divulgou portaria que regulamenta as plataformas de apostas no Brasil, que devem entrar em vigor a partir de janeiro de 2025. Uma série de empresas pediram à pasta para atuar no país e poderão operar até o final deste ano.
O vício
Márcia (nome fictício, assim como dos demais entrevistados), está há mais de 18 anos sem apostar. Costumava jogar caça-níquel, máquina que funciona por meio da introdução de moedas e que paga um prêmio para o jogador caso acerte uma combinação.
Ela parou quando deu à luz o filho, que hoje tem 19 anos. Ao longo do tempo, perdeu dinheiro e quase o emprego.
— Eu joguei por uns quatro anos e meio. Durante a época, eu diria que é uma adrenalina, uma destruição, um tempo de perdas. Eu perdi dignidade, perdi valor financeiro, quase perdi meu emprego — relata.
Maria, outra integrante do grupo, está há quase cinco anos sem jogar. Foi o vício em bingo que trouxe consequências devastadoras para ela, incluindo a perda do emprego e do imóvel, além de um momento em que considerou tirar a própria vida por causa das dívidas.
— Meus filhos me deram um ultimato, e foi aí que procurei os Jogadores Anônimos. Lá, consegui reconstruir minha vida. Quando tu joga, não existe vida familiar, amigos, nada. Até entender que é uma doença, todo mundo sofre — conta.
Já Eduardo, entrou no grupo há um ano e cinco meses, sendo o mais recente dos entrevistados. Ele começou com pequenas apostas esportivas, mas rapidamente perdeu o controle.
— Começou como uma brincadeira, apostando R$ 5 ou R$ 10. Mas aquilo foi tomando conta de mim, e logo comecei a apostar valores mais altos, até investir o salário, pegar dinheiro emprestado e estourar meus cartões de crédito — revela.
Apoio familiar
O ápice do seu vício foi quando apostou o valor da mensalidade escolar de sua filha de nove anos. Isso quase fez com que a menina quase fosse expulsa da escola, chegando a sugerir mudar de instituição para "ajudar nas contas de casa".
— Ela achou o grupo no site e disse que queria me ajudar, mas eu também tinha que querer. Eu encaro o problema muito a sério. Hoje não apostei, amanhã não vou apostar e espero que continue assim.
Abandonar as apostas é um processo longo e árduo. Márcia conta que, por várias vezes, depois de jogar por tardes inteiras, acreditava que poderia recuperar o que havia perdido e parar.
— Cada um tem seu tempo. Sempre achei que poderia parar, que era só lazer. Mas, com o tempo, a destruição começa — reflete.
Ela também destacou o papel crucial do apoio familiar no processo de recuperação. Foi seu marido assim como a esposa de Eduardo, que, ao descobrir contratos de empréstimo escondidos, a levou aos Jogadores Anônimos:
— Para a maioria, vale o alerta do familiar, que vê o que a pessoa está fazendo, o controle financeiro também.
Gatilhos
Eduardo conta que pouco conseguiu aproveitar uma apresentação de fim de ano de sua filha em 2022, porque estava distraído apostando pelo celular. Para muitos, o vício em apostas pode ser comparado ao uso de substâncias, como álcool e drogas, onde o ambiente e certas situações atuam como gatilhos.
— O meu gatilho, que eu identifiquei junto com a irmandade, foram as redes sociais. Hoje em dia é impossível tu estar em um Instagram ou uma rede social e não ter uma propaganda de jogos. E a propaganda sempre te conta uma história bonita — conta Eduardo.
Para Maria, que começou sua jornada nos Jogadores Anônimos por conta própria, a troca de experiências entre os participantes é essencial para abandonar o vício. Ela reforça que o apoio de pessoas com histórias semelhantes ajuda a manter o foco na recuperação:
— O primeiro passo parece fácil: admitir que nossas vidas se tornaram ingovernáveis. Mas é muito difícil chegar e admitir isso. Essa troca de experiências, o que chamamos de 'terapia do espelho', nos fortalece. Eu não quero mais aquela vida para mim.
Os encontros dos Jogadores Anônimos em Porto Alegre ocorrem semanalmente, todas as terças-feiras, às 19h, na Igreja São Geraldo, localizada na Avenida Farrapos, 2611 - Bairro Floresta. Há reuniões diárias online, que oferecem suporte contínuo para aqueles que buscam ajuda. Interessados podem entrar em contato pelo WhatsApp (51) 98030-2002.