Apesar do movimento que se assemelha ao de um dia de verão, a forte chuva e o frio desta sexta-feira (10) são lembretes de que a alta temporada em Capão da Canoa já passou e estamos em meados de maio. O movimento na cidade, de acordo com a prefeitura, se aproxima ao do Natal, em função da migração de pessoas para o Litoral Norte para escapar da maior tragédia climática que assola o RS – seja por falta de infraestrutura, como água ou luz, seja por terem perdido suas casas.
Ainda que haja uma grande quantidade de carros circulando pelas ruas, a maior parte dos mercados da cidade está bem abastecida. Há água – com limite de compra por pessoa em alguns locais, como no Andreazza da Avenida Paraguassu – e hortifruti para atender a população excedente. No Nacional, porém, faltava água, frutas e verduras nesta tarde.
Nos postos de combustíveis, também houve aumento significativo da demanda. O abastecimento segue normalmente e não há falta ou limite de produtos no Posto Buffon da Paraguassu. No Posto Ipiranga da Avenida Ararigbóia, há combustíveis, mas a rede está priorizando cidades com maior necessidade.
Morador de Capão da Canoa, Maikel André Dalanhol, 44 anos, motorista de aplicativo, relata que as praças estão lotadas de pessoas praticando esportes, o que não é tão comum nesta época, em que os moradores seguem rotinas de trabalho e não há veranistas. Dalanhol considera “superimportante” receber as pessoas de outros municípios que perderam suas casas e não têm onde ficar. Ele critica, porém, quem veio à cidade por falta de infraestrutura, por “fazer turismo” e estocar produtos.
— Está pior que o verão pela questão que agora tem aulas. É um caos por volta do meio-dia e das 17h, porque o pessoal tem vida normal aqui. A cidade não depende mais do turismo como antigamente, já tem vida própria, então fica difícil — avalia.
Cidade está preparada
De acordo com a prefeitura, há capacidade para receber as pessoas que se deslocam para o município. Água, luz, internet e telefone funcionam normalmente.
Tendo em vista que a maior parte das vítimas das enchentes que estão em Capão da Canoa está alojada em casas próprias, de amigos ou familiares, o único abrigo oficial da prefeitura está vazio. Os dois homens desabrigados que estavam no local foram encaminhados para outros abrigos, com os quais a prefeitura tem parceria e encaminha o suporte. Em função disso, a prefeitura estuda fechar o local, que conta com 130 vagas, além de espaço para refeições e para crianças. No total, há cinco abrigos na cidade – incluindo aqueles montados e mantidos por grupos e iniciativas privadas –, que, no momento, recebem 98 pessoas.
O principal foco do poder público está no atendimento das necessidades das pessoas afetadas pela água. Para isso, foi montado um centro de apoio e acolhimento no ginásio da Escola Leopoldina. No local, é feita uma triagem e são montados kits com roupas, produtos de higiene e alimentos, conforme a situação de cada família. As pessoas também recebem atendimento de saúde. Até o momento, quase 1,2 mil pessoas já foram atendidas, sobretudo da Região Metropolitana. A ação é organizada pela Defesa Civil, que também arrecada e envia donativos às cidades afetadas pela enchente.
Em Capão Novo, distrito de Capão da Canoa, o volume de chuva chegou a afetar algumas casas e moradores, que também perderam bens. O atendimento começou voltado para os habitantes, mas foi expandido com a chegada de pessoas de outros municípios no final de semana.
— Muitos já disseram que querem ficar, mas a gente sabe que muitos estão aqui realmente só até passar e vão voltar. A gente precisa dar o suporte, muitos chegaram só com roupa do corpo, molhada, recém tinham sido resgatadas. Estamos tentando ao máximo fazer algo bem transparente para que seja realmente direcionado para essas pessoas — ressalta a secretária de Cidadania, Trabalho e Ação Comunitária, Renata Klein.
A contadora Cláudia Régia, 46, foi buscar itens de doação nesta sexta, incluindo um casaco para se proteger do frio. Apesar de ser grata por toda a ajuda e pela solidariedade do povo gaúcho, ela deseja voltar para o Ceará, pois conta que está “traumatizada”. Cláudia havia se mudado há dois meses de São Leopoldo para o bairro Sarandi, em Porto Alegre, onde sua casa ficou submersa. Agora, está abrigada na casa de veraneio de um parente com seus dois filhos, a irmã e dois gatos.
— Uma cena de horror. Jamais imaginava que a correnteza fosse tão forte, então não consegui salvar nada, saí apenas com a roupa do corpo e as pessoas. Minha casa está lá. Não sei nem se a madeira vai resistir — conta.
O apoio fornecido às vítimas é possível com a ajuda de voluntários e funcionários da prefeitura. A técnica de enfermagem Jaira Araújo, 53, é moradora de Capão da Canoa, mas tem casa em Venâncio Aires, que também foi afetada pelas enchentes. Atualmente desempregada, Jaira ajuda sempre que possível no centro de apoio.
Eu não posso ficar em casa parada vendo tanta gente precisando.
JAIRA ARAÚJO
Técnica de enfermagem e voluntária
— Em Venâncio, eu perdi tudo também, minhas coisas, e eu não posso ficar em casa parada vendo tanta gente precisando e com uma profissão que acho que contribui muito neste momento. Tenho disponibilidade, saúde, acho que tem que ajudar quem precisa — afirma.
Em outra parte da cidade, a grande movimentação de voluntários da comunidade e da área da saúde no número 2231 da Rua Marabá também garante ajuda a vítimas das enchentes. Cerca de 26 adultos e sete crianças pequenas estão abrigadas no local, que é cedido por uma igreja e organizado por nove empresários. O grupo participou de resgates em Canoas, com cerca de 50 motos aquáticas, e avaliou que o próximo passo seria abrir um espaço para acolher as vítimas. Vinte vieram de ônibus. Ainda há vagas no local, que tem capacidade para receber 30 homens e 50 mulheres e crianças.
— Queremos proporcionar um tempo de dignidade até essas pessoas poderem se estabelecer novamente na sociedade – afirma Gabriel Oliveira, 38 anos, construtor e pastor evangélico, que está à frente da iniciativa junto com William Rosa.
Itens mais necessários na Escola Leopoldina:
- Sabão em pó
- Escova de dente
- Desinfetante
- Desodorante
- Alvejante
- Café
- Sal
- Farinha
- Biscoito
- Açúcar
- Calça masculina de todos os tamanhos
- Calçados masculinos
- Leite