Estudar, trabalhar, comprar um apartamento e um carro, curtir festas e conhecer lugares novos foram objetivos prioritários na vida de Maria de Fátima Ramos Bravo por muitos anos. Ao mesmo tempo, sempre teve certeza de que queria ser mãe. Precisava apenas encontrar o “momento certo”. Enquanto esperava, a médica anestesista decidiu, aos 35 anos, congelar seus óvulos. O sonho da maternidade foi realizado mais de uma década depois, com a chegada de Nilo, quando já tinha 47.
— Estudei e trabalhei muito. Às vezes, saía de um plantão direto para outro. Aí entrei na fase de badalar e queria viajar, conhecer lugares. Eu fazia duas, três viagens por ano. É legal, eu adoro, mas chega um momento da vida que aquilo não faz mais sentido. E faltava aquele brilho no olho, estava na hora de dar uma virada. Foi então que programei o Nilo. Tive sorte, porque na primeira tentativa que fiz, engravidei, e ele nasceu em novembro de 2021 — conta a anestesista, que hoje tem 49 anos.
Histórias de mulheres como Fátima, que decidem postergar a maternidade para se dedicar de forma integral ao desenvolvimento pessoal e profissional, vêm se tornando cada vez mais comuns. De 2012 a 2022, o número de nascidos vivos de mães com mais de 40 anos aumentou 55,7%, saltando de 68.411 para 106.529, conforme o Ministério da Saúde.
Na faixa etária de 40 a 44, o crescimento foi contínuo, mas com maior elevação no período de 2017 a 2019. Dados preliminares do ano passado registraram 100.193 nascidos vivos, 3.764 a mais do que em 2021.
Ao considerar somente mulheres a partir dos 45, o número de nascimentos é significativamente inferior, mas também há acréscimo ao longo dos últimos 10 anos. Em 2022, foram mais de 6,3 mil crianças – o que representa um aumento de cerca de 40% na comparação com 2012.
Para engravidar aos 46 anos, Fátima teve que passar por um processo de fertilização in vitro (FIV), utilizando os óvulos que estavam congelados e espermatozoides doados. Ela garante que não se arrepende de ter adiado o nascimento de Nilo, já que agora tem mais maturidade e estabilidade financeira, então pode trabalhar menos e ter tempo para curtir o filho, que está com um ano e nove meses.
— Sabia que precisava me planejar a longo prazo. Então decidi congelar para poder esperar e ter essa liberdade de engravidar quando eu quisesse. No meu caso, foi a decisão correta, o timing foi ótimo. Mas ter mais jovem também deve ser bom. São escolhas. Cada fase tem coisas boas e coisas não tão boas. Hoje, as coisas são mais tranquilas, mas não tenho mais a mesma disposição. Com 30 anos, eu corria uma maratona se precisasse. Agora, não corro mais e tenho dor nas costas para levantar os 14 quilos aqui — brinca a mãe.
Há também outra questão com a qual precisou lidar: filha única de pais já falecidos, Fátima tem uma família “bem curtinha”, ou seja, não conta com outros familiares para cuidar de Nilo, caso necessário. Por isso, durante a gestação, registrou em cartório quem eram os tutores legais do filho e tomou outras medidas:
— Tenho previdência, seguro, poupança, tudo organizado. Não quero que aconteça nada de ruim, mas tenho que ter um plano B. Antes, talvez nem tivesse como pensar nessas coisas. Mas com 30 anos minha expectativa de vida era maior do que agora, então acho que é um ponto importante, as pessoas têm que pensar e se organizar.
Avanços da ciência
A fertilização in vitro que possibilitou a gravidez de Fátima é um dos métodos de reprodução humana assistida mais utilizados por mulheres com mais de 40 anos que desejam ser mães. Em 2017, a cantora Ivete Sangalo engravidou das gêmeas Helena e Marina aos 45 por meio do procedimento. Em 2022, foi a vez de Viviane Araújo usar a mesma técnica para vivenciar a primeira gestação, já com 46 anos.
De acordo com especialistas da área, a procura por esse e outros métodos aumentou significativamente na última década. Dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), corroboram essa afirmação, apesar da queda durante a pandemia de coronavírus.
Conforme o último relatório, que reúne números de 2020 a 2022, o Brasil possui 192 Centros de Reprodução Humana Assistida (CRHAs). São Paulo lidera o ranking dos Estados, contando com 66 unidades do tipo. Minas Gerais aparece em segundo lugar, com 23, seguido pelo Rio Grande do Sul, que tem 16 – 10 deles estão em Porto Alegre, o que faz com que a capital gaúcha seja o quarto município brasileiro com mais centros.
Os levantamentos da Anvisa também apresentam a quantidade de ciclos de fertilização in vitro realizados por ano no país. Entre 2012 e 2019, o número de procedimentos médicos nos quais a mulher é submetida à retirada de óvulos para realizar a reprodução humana assistida cresceu 112%, passando de 21.074 para 44.705. Houve uma redução com a chegada do coronavírus, que foi recuperada no ano seguinte. Em 2022, foram 36.469 ciclos, 18,4% a menos do que o pico registrado no pré-pandemia.
Em relação ao congelamento de embriões, o cenário é semelhante. No entanto, o aumento entre 2012 e 2019 foi ainda mais expressivo: 211,9%. Já o maior número de embriões preservados foi registrado em 2021, com 105.446.
— As mulheres estão mudando seu perfil social. Elas têm inúmeros projetos, estão se realizando profissionalmente, viajando, adquirindo bens e a maternidade acaba ficando para depois. Está menos comum ter filhos entre 20 e 30 anos, é a realidade hoje em dia. E acho que é uma conquista da mulher, mas temos que informar que essa postergação precisa ser consciente, porque pode ter mais riscos — comenta a especialista em reprodução assistida da clínica Nilo Frantz Medicina Reprodutiva, Simone Mattiello.
Potencial reprodutivo
O principal risco citado por Simone e outras profissionais da área se refere a uma maior dificuldade de engravidar naturalmente e com óvulos próprios após os 40 anos. Isso porque, a partir dos 35, a mulher começa a perder potencial reprodutivo, e essa redução vai se acentuando com o passar do tempo.
Mariângela Badalotti, médica ginecologista e diretora do Centro de Medicina Reprodutiva Fertilitat, explica que as mulheres já nascem com todos os seus óvulos (cerca de 2 milhões) e não produzem novos ao longo da vida. Ou seja, essa reserva é limitada e vai diminuindo com o tempo, mesmo quando não estão ovulando. Assim, na fase da primeira menstruação, já restam somente de 300 mil a 500 mil. Aos 40 anos, são 10 mil e, aos 45, menos de mil.
— Para mulheres com menos de 30 anos, a chance mensal de gravidez gira em torno de 20%. A partir dos 40, essa chance é de 5% ao mês. Assim, de cada 20 mulheres, uma vai engravidar a cada mês. Isso por causa do envelhecimento dos óvulos. Eles envelhecem conosco e, com isso, perdem qualidade. Então a mulher perde a quantidade e a qualidade dos óvulos — afirma Mariângela.
Conforme a diretora do Fertilitat, a técnica mais eficaz para mulheres que não conseguem engravidar após os 40 anos é a fertilização in vitro. Nesse método, o encontro dos óvulos com os espermatozoides é feito em laboratório e, após a fecundação, o embrião já formado é colocado no útero da mulher:
— Conseguimos muitos embriões porque estimulamos os ovários a enviarem vários. Usamos medicação (injeção de hormônios) para fazer com que os folículos cresçam e se desenvolvam, aí aspiramos todos eles. Por isso que a FIV gera uma chance maior do que a forma espontânea, porque tem mais óvulos.
Helena von Eye Corleta, professora titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretora do Generar Reprodução Humana, ressalta que esse processo de indução aumenta a quantidade, mas não a qualidade dos óvulos. Por isso, os métodos de reprodução assistida não oferecem chances muito maiores de engravidar quando o material utilizado é da própria mulher com mais de 40 anos – também é possível fazer a FIV utilizando óvulos próprios congelados com menor idade ou doados, que aumentam muito a probabilidade de resultar no nascimento de bebês.
— De 43 a 45 anos, com óvulos próprios, são chances muito pequenas, menos de 5%. É um conhecimento que queremos divulgar. Essa queda da fertilidade não se pode reverter com técnicas de reprodução. E com congelamento a chance de sucesso da fertilização in vitro equivale à idade do óvulo congelado — destaca Helena.
O ideal, segundo a professora da UFRGS, é congelar os óvulos em uma idade em que a qualidade e a quantidade ainda são altas, ou seja, até os 35 anos. Em relação aos valores, Helena esclarece que cada ciclo da FIV, que envolve a coleta de óvulos, a produção e congelamento de embriões e a colocação no útero da mulher, custa de R$ 15 mil a R$ 30 mil. Somente o preço da medicação para induzir a ovulação pode chegar a R$ 6 mil:
— Se no primeiro ciclo não deu certo e a mulher teve bastante óvulo e sobrou embriões congelados, no próximo não precisa fazer tudo de novo. É só descongelar e transferir os embriões, não precisa da medicação e os custos de laboratório são menores, então é bem mais barato. Mas, se não sobrar embriões, tem que repetir tudo.
Simone Mattiello, da clínica Nilo Frantz, acrescenta que a reprodução humana assistida também conta com métodos de baixa complexidade, como o coito programado, que consiste em induzir a ovulação, identificar o período fértil e orientar o casal sobre a melhor data para ter relações sexuais. Há ainda a inseminação artificial, em que o desenvolvimento do óvulo é acompanhado, enquanto o sêmen é coletado e preparado para ser colocado dentro do útero da mulher – nesse caso, o encontro do óvulo com o espermatozoide ocorre de forma natural.
Afinal, há riscos?
De acordo com as especialistas, grávidas nessa faixa etária têm chances aumentadas de desenvolver problemas de saúde como hipertensão e diabetes gestacional, que podem elevar o risco de morte materna. Mariângela Badalotti aponta que a possibilidade de aborto também cresce exponencialmente com a idade: aos 40 anos, é de 20% a 30%, podendo chegar a 50% a partir dos 45.
As mulheres estão mudando seu perfil social. Elas têm inúmeros projetos, estão se realizando profissionalmente, viajando, adquirindo bens e a maternidade acaba ficando para depois. Está menos comum ter filhos entre 20 e 30 anos, é a realidade hoje em dia. E acho que é uma conquista da mulher, mas temos que informar que essa postergação precisa ser consciente, porque pode ter mais riscos
SIMONE MATTIELLO
ESPECIALISTA EM REPRODUÇÃO ASSISTIDA DA CLÍNICA NILO FRANTZ MEDICINA REPRODUTIVA
— O abortamento precoce (até 12 semanas) e de repetição (três vezes ou mais) aumenta muito nessa faixa etária, porque o óvulo com mais idade tem chance maior de erro na divisão cromossômica. Por isso, aumenta o risco de malformações cromossômicas, como a Síndrome de Down. Até os 20 anos, a chance de ter um filho com a síndrome é uma para 1,7 mil, enquanto aos 40 é uma a cada cem — comenta Rosiane Mattar, presidente da Comissão de Gestação de Alto Risco da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Há ainda maior risco de hemorragias, de infecção, de gravidez ectópica (fertilização fora do útero) e de complicações obstétricas, como descolamento de placenta e restrição de crescimento do feto, conforme Rosiane, que também é professora titular do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina. A especialista pondera que atualmente se vê mulheres chegando aos 40 anos mais saudáveis do que no começo do século, o que é melhor, mesmo que isso não mude alguns riscos inerentes à idade:
— A reprodução assistida é cara, e o Sistema Único de Saúde (SUS) não consegue oferecer para todo mundo. As pessoas veem quem têm mais capacidade econômica conseguindo engravidar, acham que tudo bem e também deixam para depois. Mas a tendência é orientar que é melhor engravidar mais cedo, porque mais tarde pode ser muito difícil.
Simone Mattiello afirma que é preciso avaliar cada caso, mas, de forma geral, não há restrição ou protocolo específico para tratamentos de reprodução assistida em mulheres de até 50 anos. A partir dessa idade, contudo, a regulamentação exige que as pacientes só façam procedimentos após passar por uma avaliação clínica e ginecológica, e receber liberação médica, porque os riscos são ainda maiores.