O avanço da ciência se tornou um grande aliado de quem deseja ter filhos, mas enfrenta dificuldade de gerá-los de maneira natural. Da mesma forma, o aprimoramento tecnológico proporciona vantagens para as mulheres que optam por adiar a maternidade. As técnicas de reprodução assistida não são exatamente uma novidade, mas ganharam notoriedade, principalmente, nos últimos dois anos, após o período mais grave da pandemia. Em Caxias do Sul, as clínicas relatam um crescimento na procura, sobretudo, pela fertilização in vitro (FIV) e no congelamento de óvulos. Em alguns procedimentos, o aumento chega a quase 40% em um ano.
Os tratamentos oferecidos em clínicas de reprodução humana são divididos em alta e baixa complexidade. A fertilização in vitro é considerada de alta complexidade e consiste no encontro do óvulo com o espermatozoide em laboratório. Outra técnica comum é a inseminação intrauterina, método de baixa complexidade, onde, em resumo, o sêmen é colocado na cavidade uterina no momento da ovulação. Já no congelamento de óvulos, os gametas femininos são coletados e armazenados em um botijão de nitrogênio, podendo ser utilizados, a qualquer momento, pela própria mulher, doados ou mesmo descartados. O sêmen e os embriões também são passíveis de congelamento.
— Antigamente, a tecnologia reprodutiva era somente a fertilização in vitro. Ao longo dos anos, foi se desmistificando esse processo e abriu-se um leque muito grande de outras opções de tratamento, entre eles a possibilidade de preservar a fertilidade através do congelamento de óvulos. Gerou-se uma corrida muito grande, porque cada vez mais a parentalidade é mais tardia. As clínicas são cada vez mais aparelhadas e os resultados, cada vez melhores — avalia o médico ginecologista Alvaro Petracco, doutor em Ciências da Saúde.
O segmento, de fato, está em alta. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que existem 193 Centros de Reprodução Humana Assistida no Brasil, sendo 16 deles no Rio Grande do Sul. Em 2020, o país tinha 166 estabelecimentos deste tipo o que representa, portanto, um crescimento de 16% no período. O documento também mostra o aumento de embriões congelados nos últimos três anos: em 2020, foram criopreservados 85.448 em todo o país. Em 2021, 108.469 e, no passado, 103.931.
Quanto custa?
O custo varia conforme as particularidades de cada paciente. Em geral, em Caxias, os valores da fertilização in vitro podem partir de cerca de R$ 20 mil chegando a R$ 30 mil, incluindo os medicamentos, cuja quantidade varia conforme a idade da paciente. Já o congelamento de óvulos pode variar entre R$ 12 mil e R$ 22 mil, compreendendo, também, a parte medicamentosa. O custo para manter os óvulos congelados fica entre R$ 100 a R$ 150 por mês — há clínicas que trabalham com o recebimento dos valores mensais, enquanto outras optam pelo pagamento a cada seis meses.
"O congelamento de óvulos veio para nos trazer liberdade"
Estudar, viajar, investir na carreira, gastar o tempo livre para si ou não ter certeza sobre o parceiro ideal. Os motivos que levam as mulheres modernas a adiar a maternidade são variados. O fato é que os hábitos podem ter mudado em relação às antepassadas, mas o relógio biológico feminino não. Por isso, o congelamento de óvulos tem sido uma opção cada vez mais buscada em clínicas de reprodução humana do país.
— Nós nos modernizamos, os nossos ovários, infelizmente, não acompanharam esse movimento. Continuamos tendo que ter essa batalha contra o tempo. Então, para sermos verdadeiramente donas do nosso próprio tempo, temos a vantagem de ter o congelamento de óvulos, que vai nos trazer liberdade para conseguir escolher o momento certo da maternidade — pontua a médica Francieli Vigo, especialista em reprodução humana da Effetto Reprodução Humana.
A médica observa que a pandemia promoveu mudanças comportamentais entre os casais. Para ela, é como se o isolamento social tivesse ligado um alerta e forçado uma reflexão principalmente entre o público feminino.
— Esse momento que nos fez ficar reclusos e não tínhamos muito ideia do futuro fez uma mudança do ponto do vista social. A mulher começou a pensar em situações que, na correria do dia a dia, ela não parava para pensar. Começamos a nos dar conta da finitude da fertilidade. Assim, tivemos um crescimento muito importante nas técnicas de reprodução, especialmente no congelamento de óvulos — detalha a especialista.
Reflexo deste momento foi um crescimento de 30% a 40% para congelamento de óvulos entre 2021 e o ano passado na Effeto. O procedimento é indicado, preferencialmente, para mulheres até 35 anos, contudo, não há impedimento para ocorrer em idades mais avançadas.
— Nós nascemos com milhões de óvulos. Mas, no momento que nascemos, vamos, gradativamente, perdendo esta reserva. Isso se intensifica muito após os 35 anos — explica a médica.
Após coletados do corpo feminino, os óvulos ficam armazenados em um botijão de nitrogênio líquido a –196°C. O material não tem um prazo de validade e cabe a mulher a decisão de usar em si, doar ou descartá-lo. Se houver a decisão pela gestação, é preciso, posteriormente, investir em outro tratamento, a fertilização in vitro, na qual ocorre a fecundação dos óvulos descongelados com o sêmen do parceiro ou doador.
Alta na demanda impulsionou nova clínica
A crescente procura por tratamentos de reprodução assistida e a experiência de 13 anos na área encorajaram a médica Lisiane Knob da Costa a abandonar o consultório e investir em uma clínica de fertilização em Caxias do Sul. A Mia Mater Fertilidade, Saúde e Bem-Estar foi inaugurada em abril, na área central da cidade, e oferece uma equipe multidisciplinar, com psicólogo, nutricionista e profissionais especializados em ultrassonagrafia.
— Senti a necessidade de outros serviços os quais não conseguia colocar no espaço que eu tinha anteriormente. Então, através de muitos estudos e mentorias, decidimos investir na clínica com a proposta de ser uma boa experiência para os pacientes. Além de obviamente trazer resultados, queremos que o processo seja mais leve — explica Lisiane.
A médica aponta que a busca pelos tratamentos no consultório teve um crescimento significativo a partir de 2018, mas, recentemente, ganhou ainda mais evidência entre as famílias que planejam ter filhos. Diante da possibilidade de atendimentos online, com a pandemia, Lisiane passou a atender pacientes de outras cidades do RS e também de Santa Catarina, do Paraná e de Minas Gerais.
— Nos últimos três anos, identificamos um aumento de aproximadamente 35% nos procedimentos de reprodução assistida. A fertilização in vitro e o congelamento de óvulos foram os que mais aumentaram — sinaliza.
A maternidade tardia, com gestações mais próximas dos 40 anos, e alterações na saúde de homem e mulheres, estão entre os principais motivos, segundo a médica, para que mais casais recorram às clínicas para engravidarem.
— Temos percebido, nas avaliações, piora no espermograma (exame laboratorial que analisa a quantidade e a qualidade dos espermatozoides) do companheiro e muitas pacientes com reserva ovariana mais baixa do que a esperada para a idade. Isso tem sido associado a questões de hábitos de vida, como menos atividade física, piora na qualidade alimentar e tabagismo — afirma Lisiane, pós-graduada em reprodução humana e ultrassom e ginecologia e obstetrícia.
Para além de questões etárias, o congelamento de óvulos também é recomendado para pacientes oncológicas, visto que o tratamento contra o câncer pode impactar na qualidade dos óvulos ou mesmo na extinção deles.
Crescimento na procura por óvulos importados e análise genética de embriões
Há 20 anos trabalhando com reprodução assistida em Caxias do Sul, a médica Eleonora Pasqualotto conta que viu a procura pelos procedimentos mudar com o passar do tempo. Se há alguns anos os carros-chefes do Conception - Centro de Reprodução Humana eram indução de ovulação, inseminação intrauterina e fertilização in vitro, hoje, a demanda tem sido, especialmente, para a ovorecepção com óvulos importados e a análise genética de embriões. A ovorecepção consiste em realizar a fertilização in vitro com o óvulo de outra mulher.
Desde 2020, mais de 500 óvulos já foram importados para a técnica em que o material é anonimamente doado de uma mulher para outra receptora. Os gametas femininos são originados da filial argentina da Clínica IVI, considerada uma referência mundial em reprodução assistida.
— Os óvulos importados têm o valor da importação em si e do tratamento. O compartilhamento (quando uma mulher faz a doação para outras mulheres) não é pago, até porque o Conselho Federal de Medicina considera que não se pode remunerar uma pessoa para doar qualquer material, seja sêmen, óvulo... — explica a profissional.
Eleonora enfatiza que a importação dos materiais trouxe mais alternativas para as pacientes que têm algum impedimento para engravidar com os próprios óvulos:
— Não é tão fácil encontrar mulheres que queiram compartilhar os óvulos. A maioria opta por ficar com todos (durante o tratamento de fertilização in vitro) e utilizá-los para ter maior chance de engravidar. Aí que a importação veio muito bem — comenta a médica.
A pandemia, na visão de Eleonora, também trouxe outras preocupações aos casais. Segundo ela, com a idade mais avançada feminina e outras condições de saúde, houve um olhar direcionado às questões genéticas.
— Os casais começaram a se perguntar se o bebê poderia ter alguma alteração genética e se tinha alguma coisa que poderia ser olhada antes da gravidez. Foi então que percebemos um aumento das análises genéticas do embrião. Este exame eu diria que a gente vem fazendo 30% a mais por ano — pontua a médica.
O exame em questão chama-se PGT-A e é realizado antes da transferência do embrião para o útero. O objetivo é rastrear alterações genéticas no futuro bebê. No Conception, o exame varia de R$ 8 mil a R$ 10 mil.
Larissa e Gabriela recorreram à fertilização in vitro em 2021
Quando completaram quatro anos de relacionamento, a educadora física Larissa Braz da Silva, 26, e a educadora social Gabriela Castilhos, 31, sentiram o desejo de aumentar a família. Para isso, o casal recorreu a um dos tratamentos de reprodução assistida oferecidos por um clínica de Caxias do Sul.
— Optamos por fazer a FIV (fertilização in vitro) com o congelamento de óvulos. Primeiramente, a Lari congelou os óvulos e depois fecundamos. Logo depois, já recebemos o positivo da Maria — conta Gabriela sobre o a pesquisa e o procedimento ocorridos entre 2020 e 2021.
A maior prova do nosso sonho realizado está aqui, é a Maria
LARISSA BRAZ DA SILVA
Mãe da Maria Luísa e educadora social
Larissa foi quem passou pelo período gestacional da Maria Luísa, hoje, com 10 meses. Ela lembra que foram cerca de nove dias de tratamento com injeções antes da coleta dos óvulos. O material genético masculino utilizado na fertilização partiu da doação de um banco de sêmen — no Brasil, cabe salientar, a doação de gametas (óvulos e espermatozóides) ou embriões não pode ter caráter lucrativo ou comercial. Além de casais formados por duas mulheres, a doação de semên pode ser uma opção para mulheres que desejam a maternidade independente e casais que enfrentam infertilidade masculina, entre outros casos.
A transferência do embrião ocorreu no fim de 2021. Maria nasceu em 21 de julho do ano passado.
— Às vezes, a gente olha e ainda não acredita (que somos mães). Só acreditamos porque vemos que ela está aqui. A minha gestação foi muito tranquila, melhor do que o esperado. Eu me cuidei muito na alimentação, fazia exercícios, justamente para que desse tudo certo e deu — enfatiza Larissa.
A experiência de ser mãe para as duas tem sido tão positiva que elas já pensam em uma nova gestação a partir do óvulo que está congelado.
— Acho que se a gente tem um sonho tem que lutar por ele até o final. A maior prova do nosso sonho realizado está aqui, é a Maria — finaliza Larissa.
"Sou muito grata à ciência por ter nos ajudado a realizar esse sonho"
"Ser mãe sempre foi o maior sonho do meu coração". A frase usada pela empresária Aline Paz Veloso de Souza, 42 anos, descreve bem o desejo dela em vivenciar a maternidade. A vontade amadureceu em 2016, quando ela tinha 35 anos. Casada há um ano, à época, ela buscou a médica que a acompanhava e falou sobre o desejo de engravidar. Foi orientada a tentar, pelos métodos naturais, por um ano. Nove meses se passaram até que ela e o marido Douglas Rafael de Souza, 38, optaram por mudar a estratégia e buscaram uma clínica de reprodução humana.
Falo para todos que não tenham medo de ir num especialista, de fazer uma investigação
ALINE PAZ VELOSO DE SOUZA
Empresária e mãe da Alice
Mesmo tendo recorrido à clínica, Aline lembra que não se sentia, de fato, conectada com o desejo de ser mãe naquele momento. O tempo foi passando e o casal acabou priorizando os estudos e o trabalho.
— Em 2018 e 2019, eu me realizei muito profissionalmente, e já estava me preparando para uma adoção. Minha família tem casos que são de muito amor. Mas, então, em 2020, veio a pandemia e muitos das coisas profissionais foram suspensas. Foi quando meu marido verbalizou que gostaria de voltar à clínica e tentar um tratamento. Ali, meu coração estava pronto — relembra.
Aline e Douglas refizeram os exames e receberam a indicação para a fertilização in vitro (FIV). Ao mesmo tempo que buscava apoio da ciência, Aline fortalecia o lado espiritual, algo que ela faz questão de mencionar para mulheres tentantes (termo utilizado para aquelas que estão tentando engravidar).
— Quando você está envolvida no processo, passa por várias emoções, se frustra. Tem dias que você tem muito medo. Eu me permitia sentir a frustração, porque todos os sentimentos são importantes, mas eu imediatamente me voltava muito ao meu lado espiritual. Eu não sigo doutrinas religiosas, mas estudei a metafísica, que tem muito a ver com energia, o universo conta Aline.
Oito meses — e várias injeções — se passaram até que houve a transferência do embrião e o esperado resultado positivo chegou. Alice nasceu no dia 30 de outubro de 2021.
— Eu acredito que a maternidade é uma jornada muito intensa, principalmente nesses primeiros anos de vida do bebê, mas não vejo nada mais gratificante, mais feliz. E eu sou muito grata à ciência ter nos ajudado a realizar esse sonho. Falo para todos que nos seguem no meu Instagram que não tenham medo de ir num especialista, de fazer uma investigação. A ciência é uma ferramenta para que a gente possa viver com mais leveza, para realizar nossos sonhos, estudar, sabendo que existem possibilidades — ressalta ela, que compartilha a rotina como mãe na página @mamaesices.