Após anos de reclusão, o centenário castelo de estilo medieval europeu da cidade de Pedras Altas, na região sul do Rio Grande do Sul, enfim abriu as portas. A joia rara, encravada em uma granja de 300 hectares, foi lar de Joaquim Francisco de Assis Brasil, político gaúcho de influência nacional cujo sobrenome batizou avenidas. Agora, sua antiga morada recebe visitantes.
Os 44 cômodos, 12 quartos e cinco banheiros concentram antigos móveis, livros, fotografias, diários e cartas que retratam a vida de poderosos da Primeira República, época do início do século 20.
O castelo mudou a história do Rio Grande do Sul: na mesa da sala de estar, foi assinado o acordo de paz que terminou com a Revolução de 1923, que opôs maragatos a chimangos.
A hipnotizante biblioteca particular, considerada uma das mais raras do Brasil, reúne mais de 15 mil livros, incluindo títulos de colecionadores, como um exemplar de 1782 da Enciclopédia, dos franceses Diderot e d'Alembert.
Os ingressos custam R$ 100 por pessoa e as visitas guiadas ocorrem mediante agendamento em qualquer dia da semana. Cada visita dura cerca de 3h e grupos podem solicitar almoço na propriedade, pago à parte.
As visitas ocorrem desde outubro do ano passado após uma família de advogados de Santa Maria adquirir a granja e decidir transformar o local em ponto cultural e histórico.
— Estamos iniciando as visitas. É um ramo novo para nós. Abrimos pelos vários pedidos das pessoas. Nossa família é a proprietária do castelo, mas o legado não nos pertence. A história deixada pelo Assis Brasil pertence à cidade — diz o advogado Luiz Carlos Segat, presidente da Associação Castelo de Pedras Altas.
GZH foi a Pedras Altas em agosto de 2022 para conversar com os novos proprietários e explicar o valor histórico do castelo. À época, a secretária de Cultura do Rio Grande do Sul, Bia Araújo, afirmou à reportagem que o local “é um ativo muito importante para a região, mas chegou a um estado de deterioração muito grave”.
Antes, estava sob posse dos herdeiros de Assis Brasil, que discordavam da destinação a ser dada à propriedade. O impasse mudou quando a família de advogados de Santa Maria comprou a propriedade e se comprometeu a preservar o castelo.
Em 26 de agosto, haverá um evento para marcar o início das obras de restauração, com presença de integrantes do governo do Estado. Os trabalhos no prédio devem durar até dois anos e, dos objetos históricos, até cinco anos.
Há uma parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) para restaurar o acervo histórico. Uma equipe de 29 professores, alunos e pesquisadores dos cursos de Museologia, História, Biologia, Educação e Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis atuou no último ano para catalogar objetos e identificar a importância de cada item.
A catalogação e análise foram financiadas pela UFPel, mas a restauração dos objetos, que custa mais dinheiro, precisará vir de outras fontes. Segundo o presidente da Associação Castelo de Pedras Altas, grande parte do valor foi levantado com empresas mediante a Lei de Incentivo à Cultura, mas faltam cerca de R$ 830 mil.
Coordenadora do projeto de extensão e professora de Museologia na UFPel, Noris Leal conta que a equipe encontrou quatro volumes de diários de Assis Brasil com descrições do dia a dia na granja – a universidade atua na transcrição dos textos para posterior publicação em livro.
Também há fotografias inéditas do político gaúcho com figuras como Winston Churchill, Santos Dumont e Henry Ford – as imagens ajudam a entender melhor a História e mesmo o desenvolvimento da fotografia no Rio Grande do Sul.
— Os diários são uma fonte nova, vamos fazer higienização e acondicionamento. Eles falam do início da morada no castelo, como se desenvolveu a granja e como era a vida cotidiana. Vemos como eram as relações de trabalho e como foram compradas as árvores da granja, que são informações para entender o desenvolvimento da região em relação às plantações que o Assis Brasil introduz, como as de eucalipto — diz a professora.
Serviço
- Visita ao castelo de Pedras Altas
- Valor: R$ 100
- Quando? Qualquer dia da semana, mediante agendamento
- Contato: Instagram @castelopedrasaltas ou pelos telefones (55) 99631-9490/ (55) 99163-4555
Quem foi Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938)
Advogado, político e pecuarista, Assis Brasil nasceu em São Gabriel e articulou a Revolução de 1923 no Rio Grande do Sul. Foi deputado na legislatura que criou a nova Constituição brasileira e ajudou a redigir a Constituição gaúcha. Diplomata em Buenos Aires, Lisboa e Washington D.C, Assis Brasil ajudou o Barão de Rio Branco a negociar a compra do Acre pelo governo brasileiro. É considerado o pai do Direito Eleitoral e da Expointer. Casou duas vezes e teve 12 filhos. Morreu no castelo de Pedras Altas.
O que foi a Revolução de 1923
Retratado no livro O Arquipélago, de Erico Verissimo, o movimento armado buscava depor o governador do Rio Grande do Sul Borges de Medeiros, que tinha 25 anos de cargo e reduzira incentivos ao setor agropecuário. O conflito durou menos de um ano e opôs partidários de Borges (chimangos) a apoiadores de Assis Brasil (maragatos), que tentara se eleger como governador, mas perdera em eleições fraudadas. Mais de 1 mil pessoas morreram em batalhas em cidades como Passo Fundo e Palmeira das Missões. O fim se deu com o Tratado de Paz de Pedras Altas, assinado em uma das salas de estar do castelo de Assis Brasil. Borges se comprometeu a sair do poder após o fim do mandato.
— A revolução de 1923 foi uma das grandes revoltas do período da Primeira República. Borges tinha uma política econômica de desenvolvimento global, de não privilegiar nenhum setor, então não protegia mais o setor pecuarista, gravemente afetado pela crise econômica do pós-primeira guerra. Borges precisava de dinheiro para colocar em prática o projeto de dragagem do porto de Rio Grande e cobrou dívidas do setor pecuarista. Já Assis Brasil era ligado a uma elite da pecuária que perdeu benefícios. Há um discurso que enaltece virtudes meio heroicas do Assis Brasil, mas ele era um homem do seu tempo, inserido em uma classe social, com interesses econômicos e políticos afetados — analisa Fábio Kuhn, professor de História na UFRGS.