Episódios trágicos e difíceis de abordar, como o ataque a creche de Blumenau, podem despertar a curiosidade de crianças. Quando isso acontece, é necessário que se leve em consideração a faixa etária dos pequenos e sua capacidade de compreensão, dizem psicólogos ouvidos por GZH.
Até aproximadamente os oito anos, a criança ainda está em fase de desenvolvimento, com dificuldade para entrar em conversas complexas. Acontecimentos trágicos só devem virar assunto se ela perguntar, aconselha a psicóloga Renata Plácido Dipp, pesquisadora do Laboratório das Infâncias da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Evitar a conversa ou negar que o fato existiu não são uma saída. A partir do momento em que a pauta entrou em jogo pela vontade do pequeno, o recomendável é aceitar o debate, tomando cuidado para não carregá-lo com sentimentos negativos.
— Não se deve desconsiderar o fato diante de uma criança pequena. Devemos dizer que sim, que isso aconteceu, mas precisamos ter cuidado para não imprimir com tanta ênfase sentimentos como ansiedade, dor e luto que o adulto possa estar vivendo. Responder o que a criança pergunta, validar que é um momento difícil, que todos sentem dor e medo. Toda essa validação de sentimentos genuínos é fundamental — diz.
Se a criança fizer perguntas difíceis, enveredando por um caminho que deixa o adulto sem saber como se posicionar, é válido assumir a consternação e admitir que não tem todas as respostas.
— Dá para se mostrar tão atônito quanto a criança. Não precisa ter resposta pronta. Não precisa falar da condição mental da pessoa que cometeu o crime, por exemplo. Diz que as pessoas também estão tentando entender o que aconteceu — considera a psicóloga.
Fazer perguntas para a criança, em vez de sair desenrolando o assunto, é uma forma de medir o quanto ela sabe sobre o episódio e avaliar até onde dá para aprofundar, recomenda Chrystian Kroeff, professor de Psicologia da Unisinos.
— Na hora de transmitir informações mais sensíveis, é importante ponderar até onde a criança consegue ouvir. E quando a criança pergunta, ela está sinalizando até onde conseguiu ouvir. Por isso é importante deixar a criança perguntar. Os adultos podem dar respostas mais genéricas — diz Kroeff.
Após os nove anos
Dos nove anos em diante, a criança já consegue interpretar conceitos subjetivos e abstratos, e torna-se mais preparada para papos um pouco mais complexos.
— Nesse período, principalmente a partir dos 10 anos, já temos mais possibilidades de falar sobre problemas éticos, sobre bem e mal, falar que nem sempre as coisas são justas. Nesse período, é possível que se discuta, por meio de exemplos generalizados, as injustiças do mundo. A criança vai crescendo sabendo que o mundo é diverso — diz Renata.
Como ataques a escolas podem deixar a criança insegura e com medo, é importante cortar conteúdos violentos que possa estar consumindo na internet ou na televisão. Por fim, é fundamental reforçar que tragédias como essa são casos isolados, e que a sala de aula é um lugar bom de se estar.
— Tem que passar para a criança a segurança de ir para a rua, para a escola. Essas tragédias acabam servindo à ideia paranoica da escola como inimiga das famílias, quando na verdade a escola é uma parceira da família. Também é interessante que os pais se aproximem da escola, para pensar nas políticas de segurança e de cuidados contra o bullying — recomenda Kroeff.