Nem só de brinquedos vivem as cartinhas para o Papai Noel que têm chegado às entidades beneficentes gaúchas que promovem apadrinhamento de presentes durante o Natal. Neste ano, devido a fatores como o desemprego e o aumento no preço de botijões de gás e alimentos, o pedido de itens básicos, como comida, apareceu com mais força nas cartinhas das crianças.
Nesta semana, a carta de um menino de sete anos, morador de Arroio Grande, viralizou na internet. Nela, Hector só tinha um pedido: uma carne para poder comer com sua família no Natal. Este não é, contudo, um caso isolado – há muitos “Hectors” por aí.
Ketlin de Oliveira Ferreira, 29 anos, levou um susto ao descobrir o conteúdo das cartinhas escritas pela sua filha, Yuana Ferreira Ávila da Silva, 13 anos. Depois de saber por uma amiga que a entidade Anjas de Batom estava recebendo cartas de crianças e adolescentes com pedidos de presentes de Natal, a menina escreveu duas cartinhas – uma para ela e outra para seu irmão de três anos, Ben-Hur. Na sua, além de uma bicicleta, uma bola de vôlei e patins, disse que queria um peru natalino. Na dele, o pedido era por um boneco do Homem-Aranha, um carrinho, uma fantasia do Homem-Aranha e uma cesta básica.
— Eu nem sabia o que ela tinha pedido na carta. Perguntei por que ela tinha feito isso e ela disse que era porque as coisas estão difíceis — conta a mãe.
Antes da pandemia, Ketlin trabalhava com diarista em grandes eventos, como feiras de calçados. O setor, que envolve aglomerações, sofreu grande impacto. Por um tempo, chegou a trabalhar limpando o escritório da empresa que promovia os eventos, mas, no final do ano, acabou parando. Hoje, vive de algumas faxinas, da ajuda da mãe e de doações de cestas básicas.
— Eu fiquei bem surpresa e admirada que a Yuana pensou nisso. Ela quer muito um celular e preferiu pedir coisas mais simples, para também pedir outra coisa que fosse nos beneficiar — ressalta Ketlin, orgulhosa.
Até um ano atrás, a família vivia na Vila Nazaré, que passou por reassentamento, devido à ampliação da pista do Aeroporto Internacional Salgado Filho. Lá, não pagava luz nem água. Agora, em um condomínio no bairro Mário Quintana, precisou decidir: ou pagava as contas, ou comprava comida. Optou por pagar as contas, para não perder os serviços, e esperar doações de alimentos.
Idealizadora do Anjas de Batom, Vanessa Silveira diz que o número de cartinhas que incluem pedido de alimentos triplicou desde o ano passado. A entidade, normalmente focada em realizar festas em comunidades carentes, como casamentos e 15 anos, precisou sair por um tempo de seu nicho, ao longo da pandemia, para atender outras emergências, como o pagamento de contas de luz, gás, compra de botijão, cestas básicas, leites especiais e fraldas, por exemplo. Em 2021, promove pela segunda vez a adoção de cartinhas de Natal.
— Recebemos tantas cartinhas que precisamos antecipar o prazo final para o recebimento dos pedidos. A demanda é infinita, tem cartinhas chegando até agora, mas, infelizmente, não conseguimos pegar — relata Vanessa.
Sabendo que a fome está grande, a Anjas de Batom está pedindo aos padrinhos das 300 cartas, além de um presente, também a compra de uma cesta básica. Nem todos, porém, conseguem comprar as duas coisas. A entidade ainda tem cartinhas a serem adotadas e cestas básicas a serem incluídas. Interessados em doar podem entrar em contato pelo telefone (51) 98265.8019. Às famílias que não serão atendidas pelos pedidos das cartinhas, a entidade também está montando um “kit ceia”, que incluirá pelo menos um frango inteiro por família.
Além de alimentos, fraldas e leite
Em Bagé, o Movimento Solidário de Mulheres e o Anjos Sobre Rodas se uniram para fazer uma ação solidária no Natal, também com adoção de cartas para o Papai Noel. A entidade recebeu cerca de 100 pedidos. Desde o ano passado, percebe que as cartinhas incluem desejos por itens básicos.
— Pegar cartinha de uma criança de quatro anos e ver que ela pediu um leite com Nescau é muito complicado. A gente se choca. Tem um menino que pediu uma ceia de Natal, eu perguntei o que ele queria que tivesse na ceia e ele disse que não sabia, mas via na TV e aquilo não tinha na casa dele — relata Jéssica Régio, idealizadora do projeto em Bagé.
Entre os desejos mais recorrentes por alimentos nas cartinhas, estão cestas básicas, itens de ceia de Natal, fralda e leite. Com a redução no número de doadores desde o ano passado, o grupo trabalha para conseguir atender aos pedidos de todas as cartas e incluir para cada família também uma cesta básica. Para quem quiser ajudar nas doações, o contato do projeto é (53) 99909.4351.