Foi em uma reunião sobre racismo e psicanálise, em 2020, que Ignácio Paim Filho colocou o dedo na ferida e levantou a discussão sobre a estreita presença de negros no atendimento popularizado por Sigmund Freud. Entre os membros da Associação Internacional de Psicanálise (IPA), fundada em 1910, ele é um dos poucos negros no Brasil e o único no Rio Grande do Sul.
A constatação deixou os colegas da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA) constrangidos. Em três décadas de atuação da entidade, uma das principais organizações psicanalíticas do Estado, os profissionais não tinham se dado conta que havia, entre eles mesmos, uma desigualdade racial.
– A gente não percebeu. Isso é o Brasil, isso é a elite branca. Nós e nossa branquitude. Estávamos no nosso conforto – admite a psicanalista Eliane Nogueira.
Assim nasceu o projeto Ubuntu da SBPdePA, que oferece bolsas de formação para negros e indígenas na psicanálise. A intenção é dar oportunidade para que grupos historicamente marginalizados se aprofundem no método de investigação da mente, cujos estudos, sempre realizados em centros de psicanálise, raramente custam menos de R$ 3 mil por mês.
A oferta é para quem já está formado em Psicologia ou Medicina, com residência na Capital ou arredores. Segundo Eliane, coordenadora do projeto, o Ubuntu é o primeiro no Brasil a garantir bolsa integral na formação em psicanálise, que consiste no tripé composto pela participação em seminários, análise do formando e supervisão de um profissional experiente.
A iniciativa da SBPdePA se soma a esforços já empreendidos para promover inclusão na área da saúde mental. O Coletivo Adinkra, por exemplo, é formado por psicólogos negros que desde 2017 buscam atender a população negra e oferecer uma escuta mais compreensiva diante de traumas que envolvem o racismo.
Eliane concorda que a presença de um psicanalista negro no consultório permite maior sintonia quando o assunto no divã tem a ver com questões raciais. Mas a intenção é que a formação de psicanalistas de diferentes etnias amplie a acolhida a qualquer tipo de dilema.
– A função do analista é pensar o sofrimento humano. Como ainda não entramos nessa chaga que é a questão racial no Brasil?
Para o Ubuntu ganhar fôlego, é necessário contribuição da sociedade. A SBPdePA está em busca de doações financeiras para conseguir aumentar a oferta de bolsas de formação. Quem quiser contribuir, pode entrar em contato pelos telefones (51) 3333-6857 ou (51) 99251-0162.