O Natal marca o nascimento de Jesus Cristo para os cristãos, mas outra figura também se tornou protagonista desta festividade, especialmente no Ocidente. O Papai Noel, o bom velhinho barbudo, gordinho e vestido com roupas vermelhas, ocupa um espaço considerável na cultura popular e é um dos símbolos mais fortes no imaginário das pessoas quando se fala em Natal. Mas, afinal, como o personagem acabou entrando em evidência?
— A história do Papai Noel não tem uma origem cravada. O Papai Noel cresce em cima de um paradoxo enorme, pois está coligado a uma mentalidade cristã, um símbolo quase sacro, mas que se funda em cima do paganismo — descreve Marina Negri, doutora em Artes & MultiMeios pela Unicamp e Coordenadora Adjunta da área de Comunicação da Fundação Santo André (SP).
São diversas as hipóteses que buscam explicar a origem do Papai Noel. Uma das mais conhecidas é que o personagem nasceu de uma campanha publicitária realizada pela Coca-Cola no ano de 1931. O ilustrador Haddon Sundblom foi encarregado de desenvolver imagens publicitárias que mostrassem o próprio Noel, e não um homem fantasiado. A série de propagandas fez tanto sucesso que consolidou a imagem atual do Noel como um velhinho, barrigudo, barbudo e grisalho que se veste de vermelho.
Apesar da campanha da marca de refrigerante ter tido grande influência na difusão do personagem, não foi nesse momento em que se criou a imagem de um senhorzinho gorducho e barbudo, vestido de vermelho. Para desenhar o Papai Noel, o ilustrador se inspirou no poema “A visit from St. Nicholas” (“Antes da véspera de Natal”), escrito por Clement Clark Moore, em 1822.
O poema, que narra a chegada de Noel a uma casa, é um dos primeiros registros do personagem descrito como se conhece hoje: um velhinho, vestido de peles, com bochechas rosadas, barba branca e uma barriga grande, carregando um saco de brinquedos e descendo a chaminé. "Era gordinho e fofo, um perfeito elfo velhinho e alegre", descreve o poema que evoca a imagem de um Papai Noel caloroso, amigável, gorducho e humano.
— A roupa vermelha com a penugem branca imitando uma roupa para a neve é significativo de ele ser um personagem do norte da Europa. Já a cor vermelha significa também amor, que é o que ele tenta exalar, proximidade, aconchego [...] A Mamãe Noel aparece um pouco mais tarde, principalmente na Finlândia e na Inglaterra, porque as crianças tinham pena que ele ficaria sozinho — explica a pesquisadora.
Essa figura de um senhor bondoso, ilustrada no poema de Clement Clark Moore, foi se desenvolvendo e hoje persiste no imaginário da sociedade.
— Ele é um ser meio humano, meio sobrenatural. Dizem, na Finlândia, que em uma das suas casas, ele passa ano inteiro fazendo brinquedo. Na Inglaterra, acredita-se que ele mora na Lapônia e também está fazendo brinquedos durante o ano. Nesses dois lugares, a casa do Papai Noel é um ponto turístico muito visitado por crianças e adultos.
Raízes mais antigas
Outra figura associada à origem do bom velhinho foi São Nicolau de Mira, um bispo e santo católico que viveu por volta do século 4, na região onde hoje é a Turquia. As histórias contam que ele tinha uma índole solidária, pois veio de uma família rica e tinha o hábito de deixar presentes de forma anonima e escondida para os pobres, principalmente, para crianças órfãs.
Por conta do nome “São Nicolau” que surgiram alguns dos nomes mais conhecidos para o bom velhinho ao redor do mundo, como “Santa Claus”, em inglês, por exemplo. “Noël” significa “Natal” em francês e foi adotado em diversas partes do mundo, mas principalmente no Brasil por conta da relação próxima que o país tinha com o idioma até décadas atrás. Em Portugal, por exemplo, o personagem é chamado de “Pai Natal”.
Da mesma forma, São Basílio, um bispo que se destacou pelo trabalho de ajuda aos pobres e por falar sobre os desequilíbrios da sociedade, também tem sua índole associada ao Papai Noel. O Dia de São Basílio, comemorado em 1º de janeiro, na Grécia, é marcado pela troca de presentes.
Apesar do feriado cristão
A figura teve referências também em culturas pagãs. As oito renas voadoras que puxam o trenó do Papai Noel, possivelmente, foram inspiradas em Sleipnir, o cavalo de oito patas do deus maior do panteão nórdico, Odin – que, por coincidência ou não, também é representado como um idoso de barba branca.
Na antiga Escandinávia, era comum crianças deixarem cenouras e feno em botas do lado de fora de suas casas para alimentar Sleipnir durante o festival chamado Yule, no solstício de inverno. Em retribuição, Odin enchia as botas com os mimos para os pequenos.
A prática de deixar comida para o Papai Noel vem desse costume – a tradição é forte em vários locais do mundo, mas não costuma ocorrer no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, as crianças deixam biscoitos e leite ao lado da chaminé para alimentar o bom velhinho.
De acordo com Marina, foi por meio da cultura pagã, igualmente, que a figura ganhou força e se disseminou.
— A gente não pode deixar de mencionar que o Papai Noel é um luminar do capitalismo, porque incentiva compra, incentiva o consumo sob a capa da fraternidade. Ele é o grande tio, o grande avô, mas por causa dele nós precisamos comprar alguma coisa para presentear alguém.
"No nosso imaginário, ele é Deus"
Sem se preocuparem, afinal, qual a origem do Papai Noel ou sequer sobre quem é esse ser que pincela a magia do Natal, as crianças ainda permanecem, ao menos nos anos iniciais, com o desejo de ver ou pelo menos escrever para o bom velhinho. Mas como um símbolo tão paradoxo sobrevive de geração em geração?
Segundo a pesquisadora, a lenda do Papai Noel teria muito potencial para entrar em um espiral de esquecimento rápido. Mas contraria e sobrevive, mantendo a mesma força.
— O mundo vê uma aura de sacralização desse momento. O Papai Noel é um simbolo de bondade, fraternidade, solidariedade, de todas as virtudes que a humanidade preza. É aquela pessoa que traz paz para todos, solidifica os laços, perdoa os erros. De certa maneira ele ocupa o lugar Deus, pois age como tal. Ele pergunta se você foi bonzinho e, se você foi, você ganha um presente. Essa dinâmica é quase como se fosse um confessionário nosso para um padre ou para o próprio Deus, dizendo 'Senhor, eu sou merecedor da sua benção'. Quando ele faz essa pergunta chave, ele toma o lugar de Deus. No nosso imaginário, ele age como Deus, e é devido a isso que essa lenda se propaga.
Produção: Isabel Gomes