Aos quatro anos, a jornalista e bacharel em direito Larissa Alves recebeu a informação de que havia sido adotada quando ainda era bebê. Mas foi somente na idade adulta que conseguiu compreender as numerosas implicações que esse movimento, feito nos primeiros meses da sua existência, tem na sua vida. Aos 25 anos, Larissa conheceu uma mulher adotada e que, assim como ela, se sentia confusa entre a sensação de acolhimento e de rejeição, a vontade de agradar e a de ter seu próprio espaço, as dificuldades em confiar nas pessoas.
— Eu e ela identificamos muitos pontos em comum no nosso emocional, pela primeira vez na vida eu tive a sensação de ser compreendida de verdade. Apesar de ter sido adotada bebê, eu tenho um passado que eu sentia que não podia ser verbalizado. As pessoas têm muita dificuldade em entender que você pode ter a sua família adotiva, se sentir amado por ela, e ainda assim querer poder construir sua biografia com mais profundidade — afirma Larissa.
A sensação de acolhimento e identificação motivou Larissa a utilizar as redes sociais para trocar informações com outros adotados. De um grupo no WhatsApp nasceu a ideia de montar a Associação Brasileira de Apoio a Pessoas Adotadas (Adotiva), a primeira a representar coletivamente os adotados do país. A fundação oficial do órgão está marcada para o dia 2 de dezembro, em uma assembleia pública com transmissão pela internet.
— Tem mais de 200 grupos no Brasil de apoio aos pais adotivos, mas faltava representação para os filhos. A voz nas redes sociais é importante e crescente, mas não dá conta da complexidade do movimento adotivo. Para a gente participar da construção de políticas públicas e de eventos, para termos uma voz coletiva capaz me mexer em questões estruturais, montamos a associação.
Entre os coordenadores da Adotiva está o jornalista Alexandre Lucchese, autor do livro Vida de Adotivo. O interesse de Alexandre em participar da construção desse coletivo vem da crença de que a demanda de uma associação tem mais alcance em discussões importantes para a vida de quem é adotado, como a do direito a conhecer sua origem.
— Uma vez acompanhei uma discussão sobre entrega legal, que é quando a mãe entrega seu filho logo após o nascimento. Me serviu de alerta ver que estava sendo mencionada a possibilidade de que a entrega fosse anônima, que a mãe não deixasse nenhum dado para ser encontrada depois. Percebi que nós, adotados, tínhamos que nos organizar e dizer que sim, é importante que esses dados fiquem guardados, que representam o direito à nossa identidade biológica — diz Alexandre.
Segundo Lucchese, pessoas que foram adotadas depois da implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem assegurada a possibilidade de acessar o seu processo de adoção, que inclui inclusive o processo que detalha os motivos da destituição do poder familiar.
— Uma infinidade de pessoas não sabe que tem o direito de ir a um fórum, em uma Vara da Infância e requisitar o seu processo. Falta divulgação. Temos o direito à nossa identidade biológica assegurado pelo ECA. Porém, há muitos casos de pessoas que foram adotadas à margem da lei e que não tem como acessar processo. Nesses casos, a associação vai lutar pela criação de um banco genético para adotados e famílias biológicas interessadas no reencontro, criando uma rede para cruzar essas informações — afirma Lucchese.
O núcleo fundador da associação fez encontros com outras associações de adotados de diferentes países e dialoga com instituições do Brasil ligadas à adoção e ao acolhimento de crianças e adolescentes. A atuação será dividida em grupos de trabalho:
- Núcleo de comunicação, educação e assessoria de imprensa.
- Núcleo de adoção aberta, também chamada de adoção sem quebra do vinculo com as famílias biológicas, dinâmica padrão no hemisfério Norte. O desafio da associação será criar um modelo que possa ser aplicado à realidade social brasileira.
- Núcleo de promoção à saúde, que visa dar suporte na ocorrência de problemas de saúde mental e física característicos de quem é adotado.
- Núcleo de origens e DNA, voltado a informar os adotados sobre seus direitos e possibilidades na busca por seus familiares biológicos.
- Núcleo de política e cidadania, dedicado a pensar em políticas publicas próprias voltadas aos adotados.
- Núcleo de entrega legal, voltado a orientar mães que estão em situação limite, de forma a evitar abandono em circunstâncias danosas, como é o caso de bebês deixados lixo.
- Núcleo de negritude e adoção, que estimulará as adoções inter-raciais e se propõe a repensar dinâmicas que fazem com que as crianças negras sejam as menos escolhidas para adoção.
- Núcleo de adoção tardia e de perfis de difícil colocação, voltado a projetos de apoio a crianças maiores de três anos, grupos de irmãos, pessoas com deficiência e outros.
- Núcleo de projetos e captação de recursos, voltado à sustentação financeira da instituição.
Para participar do encontro de fundação da Associação Brasileira de Apoio a Pessoas Adotadas (Adotiva), é possível requisitar o convite no perfil @adotivabrasil no Instagram.