Gerou repercussão o desabafo do professor João Luiz durante o Jogo da Discórdia, no Big Brother Brasil da noite de segunda-feira (5). O mineiro chorou ao relembrar o comentário feito pelo goiano Rodolffo, no qual o cantor havia comparado o cabelo de João à peruca de homem da pré-história que teve que usar durante o Castigo do Monstro.
— Você não sabe o quanto aquilo que você falou me machucou. Não adianta falar que você não teve a intenção. Estou cansado de ouvir isso e não é só aqui dentro, é lá fora também — disse João.
Ao responder ao desabafo do brother, Rodolffo disse que não teve "intenção de machucar", mas voltou a afirmar que achava a peruca e o cabelo de João semelhantes.
GZH convidou pesquisadores de questões raciais para debater o uso dos argumentos "desconhecimento" e "não ter intenção de ofender" como justificativa em situações como a que ocorreu no BBB21. Para Gládis Elise Pereira da Silva Kaercher, doutora em Educação, professora da Universidade Federal do RS (UFRGS) e coordenadora do Programa de Extensão Uniafro, esse comportamento está ligado à lógica de resistência dos indivíduos em assumirem responsabilidade por seus atos.
— A ideia da branquitude brasileira gira ao redor do ideário religioso da culpa. Quem sente culpa, se desculpa. Essa lógica não opera dentro das responsabilidades pelas próprias ações: o branco age, fere, produz sofrimento, mas não se responsabiliza por seus atos e, por isso, não muda. Só se acaba com o racismo estrutural com responsabilidade — afirma Gládis.
É consenso entre os pesquisadores que a oferta de informações a respeito das questões raciais nunca foi tão ampla como atualmente. Para o ensino dos jovens, Gládis aponta que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) abriga, desde 2003, a temática das relações etnicorraciais, além de existirem cursos de formação de professores para atenderem à LDB em diversas universidades públicas. Para ela, o que está em falta é a vontade de assumir a existência do racismo estrutural. Na mesma linha, Viny Rodrigues, doutorando em Antropologia na USP e mestre em Ciência Política na PUC-SP, entende que é preciso que, em momentos de atrito, se busque o diálogo, na contramão da reatividade.
— Existe um mito de que as pessoas erram, no sentido de manifestar preconceitos como racismo, homofobia, gordofobia, porque não têm informação. É mito. O que mais temos hoje são esses assuntos como parte do debate público, nos grandes meios de comunicação e na internet. O que não temos é uma branquitude que, quando se vê confrontada pelo racismo que manifestou, dê um passo atrás e reconheça que estava errada. E busque conversar mais com as pessoas negras para se sensibilizar sobre o assunto — afirma Viny .
Para que eventos como o que foi televisionado na segunda-feira não se repitam, é preciso haver um olhar crítico das pessoas brancas para si mesmas e para os privilégios que acompanham essa condição, complementa o cientista político:
— Quando você se percebe enquanto branco, começa a notar que outras pessoas que não são brancas não usufruem de certos espaços e possibilidades igual a você. Tendo noção disso, você começa a entender que certas falas, piadas, estereótipos são só fruto de um racismo que já está internalizado.
Racismo no Brasil
Para o professor da pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade do RS (PUCRS) André Salata, o episódio serve para ilustrar o funcionamento do racismo no país: é frequentemente ligado à aparência física e reproduzido de forma jocosa, como uma piada.
— Temos aqui um preconceito de marca, que é ligado muito aos traços fenotípicos: no caso da sociedade brasileira, quanto mais próximo do ideal de brancura você está, do ponto de vista da pele, dos lábios, do tipo de cabelo, mais alto você está dentro da hierarquia racial. Quando um rapaz remete ao cabelo do outro, no caso do BBB, está automaticamente fazendo alusão a uma hierarquia racial onde os negros são entendidos como inferiores aos brancos — exemplifica André.
Perla Santos, professora do Ensino Fundamental e fundadora do Movimento Meninas Crespas, uma ação que valoriza a estética e a história negras a partir do cabelo afro, reforça que é preciso romper com a ideia de que os traços das pessoas brancas são os que compõem uma noção de normalidade, enquanto os das pessoas pretas seriam os "anormais".
— Quando soltamos nosso cabelo, é um ato político. Sabemos que o nosso cabelo é um marcador identitário, que revela nossa origem, e nós somos perseguidos por conta dele. Quando uma pessoa associa nosso cabelo a algo sujo, primitivo, não bonito, ela está reforçando o racismo e que o normal e belo é aquilo que vem do branco — afirma Perla.