Com a pandemia ainda fazendo centenas de vítimas diariamente no Brasil, os planos de muita gente que pretendia viajar neste verão precisaram ser repensados. Assim, brasileiros buscaram alternativas para não desperdiçar o período de férias e ao mesmo tempo manter os cuidados diante do aumento do número de casos de coronavírus. Ficar próximo da natureza com família e ter facilidade de deslocamento são alguns dos fatores que contribuíram para o aumento da procura por trailers e motor homes.
Quem viaja nesse tipo de veículo não se preocupa com as reservas de hotéis, horários de check-in ou mesmo com passagens. Longe das filas nos aeroportos, por exemplo, os veículos recreativos possibilitam maior isolamento social através dos itinerários rodoviários. Os trailers e motor homes fazem parte do cenário turístico dos Estados Unidos e da Europa há décadas, e estão se tornando mais populares no Brasil.
A família do empresário José Eduardo de Souza, de Blumenau (SC), tinha planos de conhecer Buenos Aires nas férias. O pacote para visitar a capital portenha havia sido comprado no começo deste ano, mas precisou ser cancelado. Com a esposa e a filha de 10 anos, ele optou pelo aluguel de um trailer de uma empresa de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. O destino escolhido foi Gramado, na serra gaúcha.
— Tem sido uma experiência maravilhosa. Neste momento de menor contato com as pessoas, o trailer nos ajuda a manter os cuidados e o controle do nosso quarto, banheiro e cozinha, por exemplo. É uma opção que dá uma segurança muito grande em relação ao turismo tradicional — comentou José Eduardo.
O trailer foi acoplado à caminhonete da família por meio de um engate — o que permite passeios pela cidade somente com veículo. O espaço é pequeno, mas acomoda bem os três. Há uma cama de casal, um beliche, cozinha, sala e banheiro com chuveiro. A viagem da família foi planejada durante cinco meses. Apreensivos com a possibilidade de aeroportos e rodoviárias lotadas, o camping onde estacionaram a casa temporária fica rodeado de muita natureza.
— Vamos passar oito dias em Gramado e está sendo ótimo. É a nossa primeira vez fazendo esse tipo de viagem. Antes de comprar um trailer ou um motor home, estamos tendo essa experiência, entendendo como é a vida de quem viaja e vendo se conseguimos nos adaptar — disse a esposa de José, Emersilia Martins.
Mercado aquecido
O Rio Grande do Sul é referência nacional na montagem de veículos recreativos. Conforme a Associação Brasileira de Campistas (Anacamp), são mais de 60 fábricas espalhadas pelo Estado.
— O Rio Grande do Sul é o berço desse tipo de veículo no Brasil. Com o motor home ou trailer é possível manter um isolamento administrado. Você estaciona em um camping, fica afastado das pessoas e ainda aproveita a conexão com a natureza ou a praia. É um estilo de vida que está virando tendência nos últimos anos — diz Francisco Bacelar de Melo, presidente da Anacamp.
Uma dessas empresas é a Vettura, de São Leopoldo, no Vale do Sinos. Os motor homes são montados do zero em chassis de ônibus, caminhão ou van. Os projetos são personalizados de acordo com o pedido do cliente, desde a planta interna até os acabamentos. A Vettura é uma das pioneiras na construção de aberturas laterais, conhecidas como slide-out. Trata-se de módulo embutido no motor home que, quando estacionado, permite ser projetado para fora como se fosse uma grande gaveta. Com isso, o espaço interno aumenta consideravelmente.
Assim como no projeto de uma casa, tudo é desenhado para não desperdiçar espaço através de móveis multifuncionais. A mesa de jantar, por exemplo, quase sempre pode se transformar em uma cama extra. E assim como em casa, todos os motor homes contam com eletrodomésticos como fogão, geladeira, micro-ondas, TV e ar-condicionado.
Nos compartimentos externos e bagageiros, é possível encontrar até máquina de lavar roupas. Para os momentos de lazer, uma pia móvel com uma pequena churrasqueira e a televisão embutida na lateral do motor home permitem aproveitar uma espécie de varanda do carro.
— As vendas e pedidos de fabricação aumentaram, em média, 30% neste ano. Todos os veículos prontos que eu tinha na loja foram vendidos. Mas se o cliente quiser fazer um motor home do seu jeito, personalizado, o tempo médio é de 12 meses para a fabricação — comenta o proprietário Bernardino Martins, conhecido como Juca.
O preço de tudo isso varia. Para quem optar por um modelo mais econômico, montado sobre o chassis de uma Kombi ou vans, os valores partem de R$ 70 mil. Mas para quem tem dinheiro e disposição, veículos luxuosos com muito conforto passam os R$ 600 mil.
Assim como a família de Blumenau, a alternativa para quem está em dúvida se irá se adaptar ao estilo de viagem antes de comprar um desses veículos é o aluguel. O aumento pela procura de locação de trailers e motor homes já ocorria antes de março, mas o receio de aglomerações no transporte coletivo ampliou a procura.
A empresa Kirsch Motorhomes, de Novo Hamburgo, atua no mercado de veículos recreativos há mais de 20 anos. Atualmente, trabalha com a venda de usados, seminovos e, desde o início do ano, aluguéis. Conforme Eduardo Kirsch, responsável pelo setor de locações, cerca de 70% das reservas são de turistas vindos de outros Estados.
— As pessoas estão começando a conhecer essa nova forma de viajar. A procura começou a aumentar a partir de outubro e já temos locações fechadas para os feriados de fim de ano e férias de verão. A grande vantagem é a liberdade de ter sua casa sobre rodas, ter autonomia para ir numa praia, passear numa vinícola da Serra — opina.
Segundo Kirsch, o perfil do consumidor e a faixa etária está mudando.
— Os clientes que vêm até a loja são aqueles que estão comprando pela primeira vez. Antes, a maioria do público era formada por pessoas mais velhas, aposentados e com os filhos já criados. Hoje, há casais na faixa dos 30 e 40 anos procurando o primeiro motor home.
Diferenças entre motor home e trailer
O motor home é um dos meios mais conhecidos por quem quer viajar sobre rodas. Geralmente são ônibus ou vans adaptadas ou fabricados para serem uma casa. Os motor homes contam com quarto, banheiro, chuveiro, sanitário, cozinha, fogão e geladeira, além de uma mesa que também se converte em cama.
Já o trailer conta com as mesmas comodidades, mas a principal diferença é que ele precisa ser rebocado por outro veículo e não possui motor próprio. Tanto um quanto o outro são autossuficientes, com caixa d’água, reservatórios de dejetos, baterias e um conversor de energia, que ligado a uma tomada externa alimenta todos os dispositivos do veículo.
Para rodar centenas de quilômetros com autonomia, um painel de controle de energia elétrica, gás de cozinha, água e esgoto mostra as condições das baterias e o nível de água nos reservatórios. É possível reabastecer esses itens nos campings ou até em postos de combustíveis. O banheiro funciona como o de uma casa — os dejetos ficam num compartimento e são descartados em lugares apropriados.
Condições e valores de locação
Na Kirsch, a locação pode ser paga com 30% de entrada e saldo em até seis vezes com juros. O valor varia conforme o modelo, ficando entre R$ 390 e R$ 710 a diária para até quatro pessoas. Como normalmente ocorre em empresas de aluguel de carros, há um pagamento de caução que fica retido no cartão de crédito, para cobertura de eventuais danos, estornado ao final da locação. A tarifa de pedágio também é a mesma dos carros de passeio, desde que não haja eixo duplo na traseira.
A maioria dos motor homes disponíveis para locação exigem apenas a categoria B na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) — a mesma para carros de passeio. Segundo Eduardo Kirsch, a habilitação profissional é necessária para veículos com mais de 6 toneladas de peso bruto total (PBT) ou com capacidade superior a oito passageiros.
Na empresa de Novo Hamburgo, a exigência é que o motorista tenha mais de 30 anos e, no mínimo, cinco anos de habilitação. As instruções de uso dos veículos, como a utilização de mangueiras de captação de água limpa e a descarga de águas servidas, são realizadas no momento da locação.