O anúncio da suspensão das aulas no Estado durante todo o mês de maio, divulgado pelo governador Eduardo Leite na quinta-feira (30), trouxe novamente à tona a questão da atual rotina enfrentada pelas famílias. Desde o início do distanciamento social, há sete semanas, parte das mães e dos pais pôde optar por trabalhar em casa. Porém, além das funções da profissão, é preciso encontrar tempo durante o dia para cuidar dos filhos. Famílias contam a GaúchaZH como estão fazendo para enfrentar a pandemia do coronavírus.
Doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Simone Albuquerque destaca a necessidade de manter uma rotina na família, mesmo sem saír de casa. Além da experiência como profissional, Simone fala por vivência própria: ela é mãe de João Pedro, quatro anos, Sofia, 13, e Luiza, 16. Desde 17 de março, ao lado dos filhos e do marido, a especialista tem experienciado uma prática, até então, distante devido à rotina.
_ Tem sido uma grande oportunidade de estarmos próximos uns dos outros, de conversarmos mais, de conhecermos o limite do outro. Mas considero a minha família privilegiada, pois temos uma casa com espaço, alimentação, um trabalho com salário mensal e uma internet para dar conta de se relacionar neste período. E é sobre este contexto que estou falando _ ressalta a professora.
De todos, João Pedro é quem mais tem exigido da família. Os pais e as duas irmãs se revezam na hora de brincar com o menino, uma prática que não era comum antes da quarentena. Simone revela também ter sido necessário mudar a didática das aulas do menino, repassadas pela escola.
_ As propostas relacionadas aos sentimentos e à experiência com a família são ótimas. Mas como mãe e educadora em casa, tem sido difícil, pois o João Pedro não está no ambiente escolar. Tem coisas que ele não acha interessante de fazer conosco e, sim, com os amigos. Por isso, tomamos uma decisão de mostrar as propostas e ver se ele tem interesse. Não são férias, mas não dá para exigir de uma criança de quatro anos que ele tenha as mesmas experiências que teria na escola _ explica.
Para a psicóloga Siana Máxime Schneider, é importante explicar às crianças a temporariedade das aulas online. Ter em mente que este período findará, em algum momento, ajuda a lembrar que será possível recuperar parte do que se perdeu até agora, seja em conteúdos escolares, momentos de lazer e convívio social.
_ A realidade é que nem pais, nem alunos e nem mesmo muitos professores estão preparados para essa formatação de aulas a distância. Os pais não devem se cobrar tanto e vale o mesmo para o desempenho dos filhos, pois estamos vivendo um momento de exceção _ enfatiza a psicóloga.
É muito importante entender que o mundo mudou. Estamos em uma outra dinâmica. Não dá para esperar que quem trabalha em home office terá uma produtividade altíssima com os filhos em casa. É um momento que precisamos estar presentes afetivamente com os nossos filhos. Por isso, precisamos estar bem, próximos, e dando uma base segura a eles
THIAGO QUEIROZ
Escritor e educador parental
Criador do portal Paizinho, Vírgula!, o escritor e educador parental Thiago Queiroz frisa que o momento é de acolher e dar proteção aos mais novos. Pai de Maya, um ano, Gael, cinco, e Dante, sete, ele está trabalhando em casa neste período. Usando a praticidade e sem perder o foco, Thiago acredita que os pais devam procurar fazer pausas durante as suas rotinas e dedicar um tempo para alguma atividade com os filhos. A hora do almoço deve ser para eles. E quando não estiver em home office, a maior parte do tempo deve ser com o filho, seja brincando com jogos de tabuleiro ou até montando quebra-cabeças.
Aceitar a instabilidade e a imprevisibilidade que o distanciamento social impõe é fundamental para que o período seja menos estressante, aponta a doutora em Educação e professora associada da UFRGS Gládis Kaercher.
_ É previsível e aceitável que se compreenda que nem sempre vamos conseguir que os nosso filhos acordem no horário que costumeiramente acordavam, comam do mesmo modo, tenham o mesmo humor, a mesma disposição e a alegria de viver. A vida neste momento nos impõe uma nova vida. E como toda a novidade, não há uma receita pronta para seguir. Estamos construindo a nossa reação diante desta nova realidade _ evidencia a educadora.
Gládis acredita que o grande desafio deste momento é saber construir um ninho dentro dos próprios lares. Um espaço de proteção e de aprendizagem. Ela sugere que os pais se espelhem nos pássaros: eles vão alimentando os seus filhotes até que se fortaleçam e alcem voo sozinhos, deixando o ninho. Para a professora, a pandemia veio para as pessoas terem um olhar mais amoroso, compreensivo e aceitador das próprias limitações.
Lições de uma mãe
- Explicamos aos filhos os nossos horários de trabalho e os nossos horários para brincarmos. Organizar o tempo é fundamental.
- Temos mais momentos em família. Um exemplo: a hora de assistirmos um filme todos juntos.
- Falamos aos filhos o que estamos sentindo, mesmo se estamos tristes e cansados. E ouvimos muito o que eles têm a dizer. O João Pedro, quatro anos, tem me perguntado muito sobre a morte ("mãe, quando eu vou morrer?") e faço questão de explicar.
- Os filhos passaram a participar ativamente das atividades da casa. Fazemos a comida juntos, lavamos a louça, recolhemos o lixo e estendemos a roupa na corda. No dia a dia, essas ações passavam despercebidas. Agora, é a hora de os filhos contribuírem nestas rotinas que envolvem as famílias.
- Incluímos a cultura da nossa infância, buscando jogos para fazermos em grupo. O stop e a canastra são exemplos.
Fonte: Simone Albuquerque, 47 anos, mãe de João Pedro, quatro anos, Sofia, 13 anos, e Luíza, 16 anos. Simone é doutora em Educação e professora da faculdade de Educação da UFRGS
Confira 5 dicas de como enfrentar esse período
- Procure manter a rotina de horários de seus filhos. Se tinham aulas à tarde, mantenha as aulas online, se possível, no mesmo horário (a maioria dos colégios que estão oferecendo essa modalidade está atenta para isso).
- Intercale momentos de lazer e prazer, tanto entre o home office e o home schooling quanto também nos períodos de aulas online.
- Converse com seu parceiro para implementarem um revezamento equilibrado de tarefas em relação aos filhos, para que nenhum dos dois sobrecarregue-se. Essa solidariedade é fundamental para a diminuição do estresse entre o casal.
- Tenha em mente que se tratam de questões temporárias, que findarão, quando então será possível recuperar parte do que se perdeu até agora, seja em conteúdos escolares, momentos de lazer e convívio social.
- Mantenha rotina de exercícios, ainda que em casa, além de uma dieta equilibrada, evitando as compensações (troca de um sentimento de tristeza por um prazer temporário e não tão saudável).
Fonte: psicóloga Siana Máxime Schneider
"Nos dividimos nas tarefas"
A agenda diária do casal de empresários Elisiane Toldo, 40 anos, e Maique Pierre da Silva, 38, de Porto Alegre, sofreu alterações significativas a partir da segunda quinzena de março deste ano. Mas não foi a única mudança que ocorreu por conta do distanciamento social, garantem.
Antes da pandemia, os dois permaneciam fora de casa, de segunda a sexta-feira, das 8h até, pelo menos, as 17h. Neste período, os filhos, Benício, três anos, e Leonardo, oito, ficavam na escola ou, quando estavam em casa, sob os cuidados de uma funcionária. Aos sábados e domingos, a família fazia questão de sair para alguma programação especial. Agora, o casal trabalha de casa e os dois meninos estão sob os cuidados de ambos, nos sete dias da semana.
_ No começo, além da problemática de nos adequarmos a essa nova realidade, era sempre tenso explicar a eles que não poderíamos ir à praia ou ao parque aquático. Eles pediam o tempo todo para sairmos e rezavam para o coronavírus ir embora _ recorda Elisiane.
Com o passar das semanas, ela e o marido foram descobrindo formas de continuarem trabalhando e, ainda, dando a atenção necessária aos filhos. Os dois têm se revezado nos horários de trabalho. O responsável pelo turno da manhã também é quem cuida do almoço. O da tarde, organiza a janta.
_ Nos dividimos nas tarefas diárias. E meus filhos passaram a ajudar na cozinha. A hora de lavar a louça virou uma diversão. Ganhamos uma cumplicidade que não tínhamos no ritmo acelerado de antes da pandemia. Agora, fazemos muitas coisas juntos, como varrer o pátio e até assar um bolo _ conta a empresária.
Geralmente, o casal chegava cansado do trabalho, sem ânimo para brincadeiras, e a interação com os filhos ocorria com mais intensidade apenas nos finais de semana. Sem o deslocamento e com os horários mais organizados, os dois têm aproveitado para brincar com os meninos no meio da tarde, por exemplo, e os ajudar nos temas da escola _ tarefa antes realizada com a funcionária da casa.
Maique encontrou, inclusive, tempo para aprender a tocar violão, com aulas pelo Youtube. Elisiane redescobriu o bordado e começou a fazer as próprias unhas. A empresária ressalta que surgiu espaço também para a solidariedade. A família vem participando ativamente de diferentes causas sociais.
_ Este período de isolamento vai deixar muitas coisas positivas para a nossa família. Percebemos que é possível ajudar os nossos filhos nos estudos. A aproximação de todos se tornou ainda maior _ resume, feliz, Elisiane.
"Estamos aprendendo inúmeras lições"
Mesmo respeitando o distanciamento social, os Silveira Jóris, de Porto Alegre, têm como meta seguir uma rotina parecida com a que existia antes da pandemia. A diferença é que todos não saem de casa.
No início da manhã, a professora Cristina Cattaneo da Silveira, 46 anos, e o marido, o microempresário Sandro Santa Ritta Jóris, 46 anos, iniciam trabalhos remotamente, enquanto os filhos Vicente, sete anos, estudante do segundo ano, e Sofia, 13, no oitavo ano, estudam online. A ideia, segundo Cristina, é dar uma sensação de estabilidade em meio às incertezas.
Segundo ela, nos primeiros dias de adaptação à nova realidade foi difícil trabalhar e auxiliar os filhos nas tarefas da escola. Com o tempo, a professora percebeu que poderia se dedicar mais às próprias atividades no turno da tarde, quando os filhos já não estão em aula:
_ É um desafio! Ao mesmo tempo que estreita e aproxima ainda mais, o confinamento também aumenta os atritos. Mas, no geral, o balanço é de um estreitamento de vínculos incrível. Estamos descobrindo detalhes que no dia a dia nos passavam despercebidos. Com a adolescente é um ganho incrível, pois proporciona conversas que seriam muito difíceis na correria do cotidiano.
Apesar das dificuldades percebidas durante o distanciamento social, Cristina é contrária ao retorno dos filhos às aulas presenciais. Pelo menos, enquanto não houver condições sanitárias e um protocolo de segurança especial para as escolas.
_ Não vejo possibilidade de voltar às aulas no auge da pandemia. Escola é um lugar de muita circulação e aglomeração. Precisamos acompanhar com calma e seguir as determinações da ciência _ justifica.
Da experiência de mais de um mês em casa com a família, Cristina faz questão de listar todo o aprendizado. Um dos mais importantes para ela é ter percebido que os filhos precisam aprender coisas básicas que estavam legadas ao segundo plano, como ajudar nos afazeres da casa.
_ Precisamos rever nossas prioridades de vida, acompanhar e curtir mais de perto o crescimento de nossas crianças. A escola e os professores têm um papel fundamental na nossa vida e precisamos valorizar esse espaço tão importante. Ensinar e aprender é um processo ao mesmo tempo simples e complexo e a escola é um espaço ímpar _ argumenta.
"Nossas prioridades e valores se alteraram"
Ajudar a filha Gabriela Vicenzi, sete anos, nos temas da escola, no período da tarde, tem sido um momento diferenciado na vida da bancária Taís Vicenzi, 38, de Porto Alegre.
Antes da pandemia, ela e o marido saíam de manhã para o trabalho, enquanto a filha ia para a escola. Os três só se reencontravam no final do dia, depois de todas as tarefas realizadas. Hoje, os horários dos três mudaram. A prioridade continua sendo a profissão, mas os momentos em família ganharam ainda mais espaço.
Para dar conta das mudanças repentinas na rotina, Taís revela ter organizado uma espécie de agenda diária conciliando a profissão e a vida como mãe. Entre 8h e 14h15min, a bancária dedica-se ao trabalho. Neste mesmo período, a filha aproveita para brincar. Gabriela inicia as tarefas da escola, em aula online, a partir das 13h15min. A mãe se junta à filha para ajudar nos exercícios por volta das 14h30min.
_ Nossa convivência está sendo super tranquila. E é sempre muito bom estar perto de quem se ama _ afirma a bancária.
Apesar de ainda não saber quando a filha retornará à escola física, Taís concorda com a medida do governo de prolongar o distanciamento social. Para ela, o mais importante é manter as crianças em casa e postergar a propagação do vírus. Quanto às mudanças na vida pessoal, como ficar mais tempo dentro de casa, a bancária faz da experiência um aprendizado:
_ Temos vivido muitas lições. Nossas prioridades e valores se alteraram. Hoje, as pequenas coisas, como uma visita aos nossos familiares, fazem muita falta e deixam nosso coração apertado de saudade.