Não é um dos sintomas relacionados pelos especialistas, mas a pandemia do coronavírus também pode provocar forte aperto no coração de casais apaixonados. A preocupação com o outro, a distância, a agonia de não saber como vai ser o relacionamento, tudo isso aumenta ao passo que fica mais importante praticar isolamento social.
A empresária Taís Pereira, 45 anos, e o professor de música Rafael Brandão, 42 anos, sabem disso: embora nenhum tenha deixado Porto Alegre, parece que nunca estiveram tão longe. Desde que a transmissão do covid-19 se intensificou, ela fica no apartamento dela, no bairro Floresta, e ele, no Jardim Botânico. Decidiram não se ver porque uma parente de Rafael apresentou sintomas da doença – e ele não quis correr o risco de contaminar a namorada.
Mas a saudade é grande. Rafael pensou até em ir à portaria do prédio dela para vê-la através da porta de vidro – Taís o dissuadiu da ideia.
– O problema é que vai dar vontade de abraçar, de beijar. É muito complicado isso de ver uma pessoa querida e não poder abraçar. Vale para meu namorado, mas também amigos, parentes: não poder expressar carinho pelas pessoas é o que estou achando mais complicado – comenta a empresária.
O farmacêutico Roberto Costa Pedroso, 36 anos, e o biomédico Otaviano Rodrigues Jr, 32 anos, tiveram que cancelar os planos de comemoração do aniversário de dois anos de namoro neste final de semana. Como seguem trabalhando em lugares de grande exposição, na área da saúde, decidiram que não vão se ver por enquanto. Falam muito pelo WhatsApp, todos os dias, mas não é a mesma coisa.
– Me sinto triste de só ter contato virtual. Sinto falta do beijo, ou só de ficar abraçadinho mesmo – comenta Roberto.
A pandemia se instalou justamente durante aquela fase boa do começo do namoro da agente penitenciária Rosangela Martins, 43 anos, que mora em Porto Alegre, e do marceneiro Cleber Alves Tavares, 33 anos, de Florianópolis. Eles assumiram o relacionamento no dia 7 de março e já não conseguiram mais se ver desde então. Conheceram-se durante o Réveillon na capital catarinense, quando o coronavírus era algo distante, restrito ao outro lado do mundo.
– Eu comecei o ano tão entusiasmada, conheci uma pessoa especial, estava tudo perfeito. Aí a vida nos surpreende e vira tudo de ponta-cabeça.
Para casais que estão enfrentando a pandemia afastados, o escritor Fabrício Carpinejar, que sempre tem uma palavra de alento a corações aflitos, propõe lembrar de algumas coisas:
– Que o mais difícil foi ter se encontrado nesta vida. Que a distância física não é distanciamento emocional. Que a saudade só ficará um pouco doida quando estiverem novamente próximos – que perdoe por antecedência a intensidade dos abraços e dos beijos.
Uma dica dele é usar o tempo para descrever em palavras os principais momentos juntos ("quando não há presente, temos que resgatar o passado", diz ele). Aconselha a escreverem cartas, além das chamadas por vídeo.
– Com a pandemia, é como se os amores líquidos – afeitos à aparência – tivessem que retornar novamente para a solidez – ao interior das atitudes. Você para pra pensar, dentro da relação, quem ama e por que ama.
"Estamos vivendo um momento de muita delicadeza nos relacionamentos amorosos confinados", diz terapeuta
A pandemia não é só difícil para quem está longe ou vive um drama de novela. Presos dentro da mesma casa, os casais que estão passando mais tempo do que nunca juntos precisam renovar todos os dias os votos do matrimônio.
A mídia na China, país onde começou a pandemia, já identificou uma corrida aos cartórios, com recordes de pedidos de divórcio em alguns deles. Professora da UFRGS, pesquisadora e terapeuta de casais e famílias, Adriana Wagner lamenta que não exista fórmula mágica para evitar isso por aqui, mas destaca que o mais importante agora é ter tolerância.
– Todas as emoções tendem a ter aumento de intensidade no confinamento. Estamos vivendo um momento de muita delicadeza nos relacionamentos amorosos confinados, não é hora de enfrentar os conflitos.
E, diferentemente de todos os casais que precisam se reinventar, há também quem tem aproveitado o tempo livre do isolamento para conhecer pessoas em aplicativos de paquera e redes sociais. Uma enquete feita pelo app happn com usuários no Brasil mostrou que, apesar de 35% preferirem os encontros presenciais, 56% acreditam que a situação permitiu conversar por mais tempo no aplicativo e, consequentemente, conhecer melhor o crush. Esse cenário pode até aumentar o vínculo afetivo entre eles, como acreditam 68% dos entrevistados.
Solteiro desde novembro, Bernardo Fiusson Silveira, 22 anos, auxiliar de base de clube de futebol, tem conta no Tinder, mas acaba usando especialmente o Instagram para desenvolver alguma conversa mais profunda. De longe, cada um na sua casa por enquanto.
– É o famoso: "a gente se vê depois da quarentena".