“Porque eterno é o seu amor”. A frase do Salmo 136 aparece tanto na Torá, o livro sagrado dos judeus, quanto no Velho Testamento da Bíblia católica. E foi assim, alternando expressões em hebraico e em português, que o cântico de louvor ao Senhor foi recitado por 16 integrantes das duas religiões ontem, em Porto Alegre. O encontro da Comissão Nacional de Diálogo Religioso Católico-Judaico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que este ano ocorre na Capital, tem como tema “Construindo pontes numa sociedade indiferente”.
No primeiro dia do evento, padres, bispos, teólogos e rabinos rezaram juntos e, por meio de reflexões, buscaram estabelecer pontos em comum entre as fés, com o objetivo de propor o diálogo e a construção de pontes em um mundo que, no entender deles, está cada vez mais violento e egoísta.
É nosso dever preservar o legado de Sobel (Henry Sobel). Ao nos reunirmos, estamos fazendo isso.
GUERSHON KWASNIEWSKI
Rabino
Com apoio da Confederação Israelita do Brasil (Conib), a primeira reunião ocorreu na sede da Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência (Sibra). Como anfitrião, o rabino Guershon Kwasniewski deu as boas-vindas ao grupo de religiosos, apresentando-lhes pergaminhos e relíquias da sinagoga, como uma peça em metal de 1818 trazida por imigrantes judeus. Uma vela foi acesa em homenagem ao rabino Henry Sobel, morto na sexta-feira em razão de um câncer, nos Estados Unidos. Sobel foi integrante da comissão e uma das principais vozes em favor do diálogo inter-religioso.
Os católicos precisam se conscientizar de que a religião judaica é intrínseca ao cristianismo.
DOM MANOEL JOÃO FRANCISCO
Bispo católico
– Não é à toa que estamos reunidos no dia do seu sepultamento. É nosso dever preservar o legado de Sobel. Ao nos reunirmos, estamos fazendo isso – afirmou Kwasniewski.
Um minuto de silêncio foi respeitado. Na sequência, o rabino Uri Lam afirmou:
– Não lamentemos a morte de Sobel, mas celebremos sua vida.
Lam, pela fé judaica, e o padre Fernando Gross, pelos católicos, organizaram juntos o momento de reflexão em que o Salmo 136 foi rezado. Durante o encontro, elos entre o Antigo e o Novo Testamento foram estabelecidos em frases e orações. Palavras como diálogo, respeito, responsabilidade compartilhada e valores comuns foram expressas nos discursos.
O responsável do diálogo católico-judaico pela CNBB, dom Manoel João Francisco, afirmou que estamos imersos em uma sociedade “mais do que indiferente, violenta”. Ele destacou o pontificado do papa João XXIII, que, como primeiro ato de aproximação com a religião judaica, eliminou, em 1959, a referência “pérfidos judeus” das preces da Sexta-feira Santa. O gesto é visto como uma mudança histórica nas relações entre as duas religiões.
– Ele colocou ali a primeira pedra dessa ponte que queremos construir. Os católicos precisam se conscientizar de que a religião judaica é intrínseca ao cristianismo – declarou.
O bispo também lembrou que, em 2000, o papa João Paulo II visitou Israel e declarou que o antissemitismo é um pecado não apenas contra os judeus, mas contra toda a humanidade.
A comissão mista e permanente foi criada pela CNBB em 1981, para articular em nível nacional o diálogo religioso. Integram a entidade membros das comunidades católica e judaica, interligando-as a partir de objetivos em quatro níveis: institucional, teológico, de ação conjunta e de contato pessoal. O segundo e último dia do encontro será nesta segunda, quando os participantes se reunirão na Arquidiocese de Porto Alegre. Os debates não são abertos ao público.