Em Guaíba, na Região Metropolitana, cucas são produzidas para alimentar os sonhos de duas crianças. Manuela Moraes, 10 anos, e Caetano Araújo, nove, foram selecionados entre 150 jovens e participarão de um longa-metragem que terá locações no Rio de Janeiro. Para custear o transporte e a hospedagem dos atores mirins, cozinheiras voluntárias do bairro São Francisco já fizeram mais de 200 cucas, que são vendidas nas escolas do município.
— É mais que especial. A gente faz com carinho e amor. Se Deus me deu esse dom, por que não contribuir? — afirma Maria de Lurdes Rosa, 60 anos, enquanto sova quase 50 quilos de massa.
A dupla foi revelada em uma oficina ministrada pelo cineasta Ivo Schergl Jr., que participa do Projari, projeto da Associação Beneficente São José, que tem as cozinheiras como parceiras nas ações com os moradores da região, e também oferece aulas de hip hop, balé, violino e outras 20 atividades gratuitas a crianças, adolescentes e adultos na cidade.
No filme A Flor da Gigóia, Manu fará o papel de uma criança com leucemia. Para as gravações, viverá três meses no Rio de Janeiro, acompanhada da mãe.
— Fiz um teste em Santa Catarina e não passei. Disse pra minha mãe: "Vou ter que ser bailarina". Mas ela disse pra eu não desistir — conta a atriz, que sonha em estrelar séries e novelas da TV Globo.
Com as coincidências que a vida destina, a menina afirma já ter preparo para o papel. Há três anos, perdeu a tia, vítima da mesma doença de sua personagem. Com a maturidade que a convivência com o tratamento lhe trouxe, diz ter criado um lema: "Cabelo cresce, e as oportunidades passam". No filme, ela espera que o final seja diferente do vivido em casa.
Caetano ficará uma semana na capital fluminense. No filme, fará uma participação especial, como amigo da protagonista. Com a sinceridade dos seus nove anos, diz que não sabe se quer seguir a carreira no cinema.
— Eu quero ser youtuber. Tenho um canal, o Jacutica. O filme é uma oportunidade pra ficar mais conhecido — estima o artista.
Ligeiro nas respostas, não explica a origem do nome Jacutica.
— Entra no YouTube e vê — diz, de bate-pronto, não perdendo mais uma chance de divulgar seu espaço.
Com recursos escassos, as famílias planejam percorrer os mais de 1,5 mil quilômetros até o centro do país de ônibus.
Encomendas
De chocolate, banana e goiabada, a produção de cucas da manhã desta quarta-feira (25) já está destinada às encomendas. Cada uma é vendida a R$ 10. Se depender da força de vontade das cozinheiras, os pedidos não precisam parar.
— Venho pra cá com gosto. O cansaço acaba ao ver a outra irmã fazendo as cucas e até o sono vai embora — afirma Ana Maria Barbosa Machado, 64 anos, que chegou na cozinha comunitária da igreja São Francisco - cedida pela congregação para o preparo dos alimentos - após uma noite inteira de trabalho, na casa de uma idosa de 90 anos à qual ela presta cuidados.
Engajados na comunidade, pais e mães dos artistas acompanham os projetos do Projari, que hoje conta com ginásio de esportes e leva atletas para competições estaduais de artes marciais. O trabalho é feito por 72 voluntários.
— Tirar a criança de uma realidade pobre. Se outras se espelharem no que os dois estão fazendo, de ir para o Rio gravar o filme, podem mudar de vida — sonha o pai de Manu, também membro do Projari, João Ricardo da Rosa, 48 anos.
Para acompanhar a filha, a mãe, Cristiane Rosa, 45 anos, abandonará o trabalho de técnica em enfermagem.
Fundadora da iniciativa solidária em Guaíba, a irmã Nilva Dalbello fala com orgulho das mais de mil pessoas que são beneficiadas na comunidade:
— Um por cento de oportunidade gera 99% de esperança.
Ajudas para o projeto social das irmãs podem ser feitas pelo site www.projari.org e nas redes sociais do Projari.
Com produção independente, a obra tem confirmadas participações — também com cachês voluntários — de atores consagrados, como Luiza Tomé, Babu Santana e Roberto Birindelli. Doações, a partir de R$ 15, podem ser feitas em www.catarse.me/aflordagigoia.